sábado, 2 de abril de 2011

Se o Presidente apelar, os monárquicos serão os primeiros



Do suicidário jogo a que os partidos se têm entregado, pouco resta quanto ao respeito votado por uma população revoltada e em crescente desespero. O Sr. Cavaco Silva apela agora a uma necessária "união de todos" para vencer a crise. Não tem outra escolha.

Alguns compreenderão a necessidade do apelo desesperado, na urgência do acalmar de querelas estéreis e que pelo claro sinal de luta pela manutenção de privilégios quantas vezes imerecidos, não merecerá grande atenção por parte de um povo defraudado.

A crise económica, o suspeito desastre das contas públicas, a corrupção, a justiça que se tornou barregã de torpezas, a ruína de um modelo que jamais foi de crescimento e o descalabro financeiro, são encarados quase como se de fatalidades se tratassem num país habituado a escutar estórias, intrigas e boatos acerca do vizinho.

Se existe algo que os portugueses não suportam, é a intervenção estrangeira. Não aquela que se decide na penumbra de gabinetes de agências financeiras ou de bancos extra-fronteiras, mas a que hoje surge às escâncaras, sem pudor e orada numa tribuna parlamentar de um longínquo edifício imponente e bastante simbólico. Foram apenas duas ou três fazes cortantes, secas e ditas sem medida, sinal de desespero por uma situação que poderá atingir os mais profundos interesses daqueles que muito têm feito por aquilo que se designa de Europa. É justo reconhecê-lo, embora o dislate soe a declaração de supremacia, por estas latitudes inaceitável.

Cavaco Silva deseja apelar à unidade nacional? Pois faça-o sem demora e nem sequer precisará de procurar muito, para que as frases já por todos ansiadas, sejam proferidas com naturalidade, dado o momento. Não se trata da gravidade decorrente de uma derrota militar de penosas consequências, mas de remédio seguro. Esta é mesmo uma daquelas horas transcendentes em que será necessário colocar à prova, o sentido que ainda se pode dar à reivindicação da nacionalidade.

Bem poderão os políticos evocar Pombal, Fontes, Costa, Salazar, Soares, Eanes e tantos outros de transitória glória e decidido confinamento a um sector que a certo tempo, foi o vencedor de contenda interna e possível de dirimir por uma maioria, por muito escassa que ela fosse. Se Cavaco Silva optar pela evocação dessas pequenas crises, onde o armazém de mercadorias surge como a coisa primeira a salvar, pouco sucesso terá. Ninguém procurará assimilar como suas, as presidenciais palavras.

A nossa história teve outras crises, essas sim, de imorredoura memória e que para sempre suscitarão aquele sobressalto essencial, sem o qual as hipóteses de ressurreição, de antemão se condenam a um fracasso. Os nomes dos homens que encabeçaram os destinos do país naqueles momentos de morte anunciada, são conhecidos e ícones tão simbólicos daquilo que é Portugal, como a bandeira ou o hino.

Em 1941, um desesperado José Estaline não recorreu a Lenine, ao proletariado internacional ou aos militantes do partido, para acender a chama patriótica de gentes temerosas do seu despótico poder e famintas de uma liberdade que não conheciam. Estaline evocou a Santa Rússia de outrora, Pedro o Grande, Alexandre Nevski, Catarina II - uma alemã -, Suvorov e Kutuzov, os grandes vultos que eram o símbolo de uma Rússia que ele próprio, o ditador vermelho, ajudara a aniquilar. Os russos compreenderam o que estava em jogo. Definitivamente, não se tratava da sobrevivência do regime e dos apparatchiks que refocilavam nas benesses exclusivistas que o sistema lhes prodigalizava. Quando Estaline pronunciou os Grandes de outros tempos, foi com assombro que os russos souberam estar na iminência do total esmagamento da sua pátria. O que se seguiu ao apelo, é conhecido.

Sem exagero podemos dizer que Portugal está hoje num plano semelhante ao daquele dia em que se finou de adiantada velhice, o Cardeal-Rei D. Henrique I. Sem sucessor, ele próprio o exemplo de uma pátria exangue e farta de fumos tão inebriantes quão enganosos, era mais que nunca o visível corpo da pátria no seu próprio, naquela união que em tempos felizes, fora aparelho da força da unidade e do querer. Portugal foi-se, porque assim o quis, sem escolha ou ânimo para contrariar a fatalidade.

1385 teve D. João I e de um quase certo desabar da obra já centenária, surgiu um outro Portugal que em pouco mais de um século, para sempre marcaria as páginas da história mundial. 1640 teve aquele D. João IV que tudo arriscou e tudo nos conseguiu, erguendo um outro império bem diferente daquele que o precedera e que bem vistos os factos, ainda existe, pujante e vastíssimo.

Não sendo um Rei, mas um Presidente que jamais beneficiará daquele dito incansavelmente repetido por todos aqueles que procuram situar eventos num determinado tempo - ..."no reinado do Rei D...." -, Cavaco Silva encontra-se em clara desvantagem. Apesar disso, ao invocar alguns nomes, os portugueses finalmente perceberão o que em verdade está em causa: a existência do país.

Sabemos a quem poderá pedir um auxílio que jamais lhe será regateado.

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