domingo, 30 de novembro de 2008

Entrevista à Revista Homem Magazine (2)

Continuamos hoje a transcrição da entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro:

Perseguições, políticas, fraudes eleitorais e perseguições à imprensa são algumas das acusações feitas. Como explicam que até hoje não tenham sido devidamente denunciadas?

No princípio encontra-se uma boa porção de facciosismo, depois a situação de “encobrimento” prolonga-se, sustentada na inércia, no comodismo e no muito respeitinho pelas instituições vigentes.

Durante décadas, escrever a história da república equivalia a um acto de fé contra o Estado Novo. Quem se debruçava sobre esse período eram jornalistas de temperamento combativo como Carlos Ferrão e Raúl Rego, que viam nos seus livros o prolongamento de polémicas da imprensa contra os “monárquicos” e os “nacionalistas”. As obras deles eram comemorativas e justificativas da república, sem disfarce algum. Cada frase que escreviam constituía um argumento a favor do regime caído em 1926. Procuravam, acima de tudo, calar os inimigos da república, reduzir a pó os argumentos dos que a atacavam. Essa fase foi ultrapassada e a investigação académica produz hoje em dia literatura abundante, muito especializada, sobre aspectos parciais da vida da república. Mas os conceitos definidos nas primeiras gerações continuam a impor-se com uma certa força, não só no meio académico mas também naquelas instituições que têm por missão defender a memória do regime: museus, bibliotecas, ministérios e parlamento.

Uma das mais persistentes ideias que se colaram à imagem da república é a de um regime democrático perturbado pelas ditaduras de Pimenta de Castro e Sidónio Pais. Na história da república tudo parece impreciso, só os períodos ditatoriais são definidos com precisão, como se houvesse uma nítida fronteira entre as ditaduras e o que se lhes antecedeu ou seguiu. Depois de definidos estes períodos de ditadura, inclui-se tudo o resto no conceito de democracia. Todos os políticos que se opuseram aos “ditadores” são classificados como “genuínos” ou “lídimos” democratas, o que pode parecer lógico mas exige muita distracção na forma como se apreciam os acontecimentos. Um governante pode ter proibido a circulação de jornais, pode ter mandado prender monárquicos, pode ter organizado eleições sem oposição, pode ter transferido juízes para os confins do império, pode ter tirado o voto aos analfabetos. Tudo isso lhe será descontado na biografia se ele se tiver oposto aos “ditadores” Pimenta de Castro e Sidónio Pais. E não é raro vermos exposições ou homenagens públicas onde se exalta o percurso de um destes heróis da república, elogiando-se a sua postura de oposição a todos os “totalitarismos”. Estes rótulos são usados à laia de biografias, dispensando mais amplas indagações.

No ensino escolar, onde predomina a falta de espaço para explicações coerentes, a república é despachada em meia dúzia de frases, cujo objectivo é justificar a curta vida do regime sem lhe manchar a imagem. E encontram-se textos notáveis pela concisão, como o de um manual de História do 11º ano, publicado pela “Asa”, onde se conta que a república resvalou para a ditadura do Estado Novo porque a constituição de 1911 era “excessivamente democrática”, permitindo que mudassem os governos “por dá cá aquela palha”, o que lhe deu uma grande instabilidade: 48 governos em 16 anos.

Devemos reconhecer que a república portuguesa não se encaixa facilmente num manual escolar. As suas contradições, os fantasiosos temas em que se concentrou a sua propaganda, pedem explicações complexas e demoradas. Logo na primeira época do republicanismo, a da propaganda, se manifestam as dificuldades: como explicar que um partido revolucionário escolha para seu inimigo e responsável por todos os males do mundo os jesuítas? E como justificar a escolha, para herói e ídolo da democracia portuguesa, do Marquês de Pombal, com o seu perfil desfigurado ao ponto de se fazer dele o homem que aboliu a inquisição? Não admira que os autores de manuais escolares prefiram começar a história do republicanismo português com o episódio do ultimato inglês em 1890 e a indignação levantada por este. Daqui passam directamente ao regicídio e logo a seguir falam da proclamação da república. Assim seguem um caminho mais compreensível, embora ponham de parte os temas predilectos da imprensa republicana.

(Continua)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Parole, parole

Parece ter havido um sítio onde José Relvas nunca conseguiu proclamar a república: precisamente o coração da própria mulher. Quem visitar a Casa dos Patudos percebe rapidamente o porquê desta ilação. É que todos os livros de orações de Eugénia Relvas ostentavam as armas reais de Portugal e assim se mantiveram. Por mais que o marido dissesse o que dissesse...

1º de Dezembro

Curiosa afirmação republicana

Pedro Lomba, jovem intelectual e comentador muito lido, que já se afirmou publicamente republicano, na sua crónica de hoje no Diário de Notícias, sob o título "Deixem o Presidente fora disto", comenta a tentativa de ligação do Prof. Cavaco Silva ao escândalo do BPN e termina assim:" Vejam, por isso, se resguardam o Presidente, que do regime não sobra muito". Se são os próprios republicanos a afirmá-lo, porque é que nós haveríamos de os contradizer?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Seara Nova e o 19 de Outubro

A Seara Nova e o 19 de Outubro





O nº2 da Seara Nova saiu a 5 de Novembro e trazia, sobre a noite sangrenta, um artigo de Raul Proença e uma adenda de Jaime Cortesão a um artigo seu (A Crise Nacional), que apresentamos noutro local .
A Seara Nova apresentou-se sempre como a opinião daqueles que queriam ter uma opinião que não fosse apenas um interesse camuflado. Para ela o país era um lamaçal de corrupção, a grande imprensa como o Diário de Notícias e O Século, apenas servia a oligarquia financeira e o resto dos jornais era um mero instrumento de partidos comprometidos na corrupção.
Os seareiros seriam a revolta dos intelectuais de esquerda contra o regime. Mas intelectuais de diversos quadrantes também desprezavam o regime republicano. Curiosamente, e apesar da polémica de Raul Proença contra o Integralismo Lusitano, em Dezembro de 1923 apareceu a Revista dos Homens Livres que congregava seareiros (António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão), integralistas (António Sardinha e Pequito Rebelo), o monárquico conservador Carlos Malheiro Dias, o ex-franquista Agostinho de Campos, o sebastianista Afonso Lopes Vieira (que pretendia «aportuguesar» Portugal) e muitos outros, numa miscelânea heteróclita, todos unidos contra «a finança e os partidos».
António Sérgio, ao escrever nessa revista, na nota de abertura, propunha a procura «duma ideia nacional, de uma finalidade portuguesa, anterior e superior às finalidades partidárias». Numa tentativa de justificar a união de todos aqueles intelectuais de tão diferentes e opostos quadrantes, acrescentava que «a grande linha divisória, nestes nossos dias, não é a que separa as direitas das esquerdas; é, sim, a que distingue [...] os homens do século XX dos homens do século XIX». A «nação», entidade que Sérgio define como um fim e não como uma realidade existente, deveria ser o quadro desta confluência de opiniões. Nenhuma destas opiniões diferencia António Sérgio de intelectuais de direita, ou mesmo fascistas, que emitiam então opiniões semelhantes.
Mais tarde, na revista Lusitânia (1924-1927), dirigida pela figura prestigiada e consensual de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, seareiros e integralistas voltaram a colaborar nesse mesmo objectivo de «enquadrar-se no grande movimento de recriação do espírito da pátria».
Quando toda a elite cultural de um país, da direita à esquerda, se une contra um regime, que despreza, há certamente algo de muito errado e muito maléfico nesse regime.
É certo que um seareiro, António Sérgio, foi tentado pelo poder, e chefiou o Ministério da Instrução no governo de Álvaro de Castro, a partir de Dezembro de 1923, experiência que, aliás, só durou dois meses. A Seara Nova prometeu então manter no Governo «a nossa atitude da oposição». Ora esta é uma posição absurda. Não é possível, nem sério, estar num governo e ser simultaneamente opositor desse governo. Governar obriga a concessões, mas os seareiros que detinham, segundo eles, o monopólio da razão não eram adequados a quaisquer concessões. Na maioria dos casos estariam eventualmente certos, como a tentativa de António Sérgio em obrigar a que os funcionários do seu ministério cumprissem os horários, medida que foi altamente impopular e polémica (!?). Aliás o governo caiu sob a ameaça de greves do funcionalismo.
Depois da implantação do salazarismo, a Seara Nova, e os líderes republicanos, em Portugal e no exílio, dedicaram-se à piedosa tarefa de branquearem a 1ª República. Os motivos podem concitar muita simpatia. Lutava-se contra a Ditadura e os seus opositores sentiam-se na obrigação de defender o regime da 1ª República que era o que tinham de palpável, o único exemplo nacional que poderiam opor ao regime ditatorial. Mas o facto é que esse branqueamento era falso e era uma mistificação histórica. A 1ª República havia concitado contra ela todas as forças do país. Os últimos líderes republicanos, principalmente António Maria da Silva, eram unanimemente execrados pela sua baixa estatura ética, caciquismo eleitoral, corrupção, etc.. A 1ª República caiu e afundou-se no mar de lama que ela mesmo tinha produzido.
Condenada por todos, a 1ª República cairia sempre e em qualquer circunstância. Todos, desde a Seara Nova à Cruzada Nun’Álvares pediam a Ditadura. Não se referiam, certamente, ao mesmo tipo de Ditadura. Mas quando ela apareceu, começou por ser uma ditadura de republicanos moderados (Mendes Cabeçadas) para rapidamente passar para as mãos da direita e depois de Salazar.

Fonte : http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/historia_de_portugal/

Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921

Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921


Estes dois textos a seguir apresentados são reveladores das contradições dos seareiros. Por um lado, simpatizavam com o movimento, «por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes», por outro lado ficaram estupefactos de horror perante o seu desfecho. Mas mesmo na descrição dos horrores, Cortesão, aliás então bastante próximo dos anarquistas, escreve: «Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário». Um 1º Ministro, e os outros altos dirigentes, não eram vítimas suficientes para tamanha repulsa. Era importante acrescentar ... «um operário».

Simultaneamente o disparar em todas as direcções, meter no mesmo saco tudo e todos, só servia (e serve) para branquear as verdadeiras causas, cujo enunciado todos temiam, pois todos estavam, quer directa, quer indirectamente, implicados.

Os Últimos Acontecimentos

Mais uma vez a mais perigosa das utopias levou este país à epilepsia da desordem, já o tínhamos previsto. Nem foi surpresa para ninguém. Desta vez, porém, a impotência do movimento revolucionário revelou-se tão formidável, que eu julgo-o de incontestável beneficio educativo para o país. Ele lançou talvez o definitivo descrédito sobre o processo. Pôs a claro as ilusões que o determinaram, as mentiras em que se baseia, as consequências que traz consigo. E' um processo em franca liquidação Não cremos que ele possa tornar a arrastar grandes massas de homens; e aos que nos perguntavam no dia seguinte à revolução se ela tinha sido o triunfo da Seara Nova, nós poderíamos ter respondido que sim: pois que contribuirá, mais do que nenhuma outra, para demonstrar que só uma profunda acção educativa e social poderá trazer a este povo os benefícios que ela até agora tem esperado do motim e das revoluções improvisadas. A tese da Seara Nova recebeu mais uma confirmação. A gravidade dos factos compreendemo-la, mas não nos deixamos vencer por ela. Não cremos que seja este o último dia da nossa vida, e o dia de amanhã só tem— quem sabe?—que lucrar com as tristezas e as misérias do dia de ontem. Aprenderemos, fatalmente teremos que chegar a aprender à custa dos nossos desatinos e do nosso sangue. Experiência dolorosa, trágica, mas nem por isso menos salutar e necessária.
Não duvidamos das boas intenções dos organizadores do movimento revolucionário que acabou de se produzir. Simpatizamos com muitas das ideias do seu programa. Coincide em muitos pontos com a nossa a sua orientação política Não podemos deixar de reconhecer a nobre e dolorosa verdade que há na sua condenação de todo o passado da Republica. Mas já no primeiro numero da nossa revista afirmámos duma maneira categórica que «todos os processos de assalto revolucionário, em que o poder é tomado por surpresa, Sem o esclarecimento prévio do país sobre as intenções dos seus dirigentes, só poderão esperar da nossa parte, e sejam quais forem os princípios de que pretendam inspirar-se, a mais formal e indignada condenação »
Não temos de alterar uma só palavra ás afirmações que fizemos. Continuamos a acreditar que o país só poderá salvar-se depois duma profunda conversão das consciências, duma renovação da mentalidade, dum vasto movimento democrático em que todas as soluções sejam debatidas, esclarecidas e vulgarizadas; numa palavra, depois que se conquiste para um dado plano de reformação uma opinião publica perfeitamente consciente de si mesma, que permita a solução viável e segura de todos os problemas, sem receio de que, dum momento para o outro, falte aos «salvadores» a base da sua acção política. Continuamos a julgar que é um crime decidir da surte do país sem o país ser esclarecido e consultado Continuamos a rotular de «môsco» político o sistema que consiste em abrir as portas do Terreiro do Paço, na calada da noite, pela gazua das revoluções. Queremos fazer a revolução que pregamos à luz do dia, por processos enérgicos, mas pacíficos, em que toda a consciência nacional colabore, e não admitimos nela os criminais-natos que buscam nos movimentos revolucionários uma derivante aos seus instintos antisociais e a satisfação das suas perversas tendências destruidoras.
E a verdade é que, quando um movimento sedicional se produz nas circunstancias do actual, por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes, a baixa vasa humana dos sectários acha neles ocasião asada para exercer os seus instintos de morte e de rapina. Uma meia dúzia de homens caiu varada pelas balas dos assassinos. Prosternemo-nos perante os seus cadáveres. Choremos sobre todos eles as desditas da Pátria. Não perguntemos qual foi a sua política, quais os! seus erros, e os seus nomes Não nos atrevamos sequer a fazer distinções. Foram homens que caíram, vitimas dos erros e dos crimes de nós todos --dos deles próprios também. Vitimas de tudo o que fizemos e do que não fizemos; do que dissemos e do que calámos; do que praticámos e do que consentimos; do nosso egoísmo e do nosso silencio; da ignorância profunda em que deixámos o povo; da nossa falta de ideal, de espírito democrático e visão total das realidades. O sangue dos que caíram deve tingir as mãos de nós todos; e a sua ultima agonia devemos senti-la todos na garganta.
Nos lamentáveis sucessos cabe grande parte de responsabilidade aos dirigentes da Revolução. Porque o mais grave do caso é que podem não ter sido propriamente uns facínoras os homens que mataram António Granjo. Soldados broncos, sem nenhuma espécie de cultura, sem a menor noção das questões políticas e do grau de responsabilidade dos políticos nas desgraças nacionais, talvez julgassem que, se estavam empenhados, eles, soldados da Ordem, em fazer uma revolução contra o governo dum determinado homem, é porque esse homem era um criminoso culpado dos delitos mais graves. Exercendo esse selvagem morticínio, porventura eles teriam julgado praticar um acto de justiça sumaria. Dura e tremenda lição para os que, de aqui em diante, se lancem em movimentos revolucionários que podem armar, como este, os braços dos assassinos - dos que matam pelo prazer de matar ou pelo desejo de desforra, ou dos que assim praticam por considerarem tais actos perfeitamente justificados dentro da lógica e da moral revolucionarias.
O que vai sair de aqui? Quem é bastante estulto para esperar a salvação? Quem acredita ainda nas fraudes revolucionarias? Quem esperará ver nos ministérios que imediatamente se seguirem outra coisa que não sejam ministérios de simples expediente administrativo? E isto quando a força das coisas e a própria lógica das circunstancias nos não levarem para uma ditadura militar, com toda a opressão do sistema militar, e o predomínio dos interesses militares.
Nós, que fizemos o voto de dizer toda a verdade, e de conservar sempre acesa a sua chama luminosa, levantamos a nossa voz de protesto e acusação. Acusamos os de ontem e os de hoje. Os que já fizeram o mesmo e agora condenam nos outros, e os que, para corrigir os erros passados, começam por seguir os métodos do passado. Acusamos os partidos da oposição que conheciam o que se ia passar, e nada fizeram para evitar a catástrofe. Acusamos os que fomentaram todas as desordens, os que fizeram silencio sobre todos os desvarios demagógicos (Afonso, Sidónio e tantos outros), que não tiveram uma palavra de condenação e de proscrição para os miseráveis que, dizendo-se seus partidários, desmentiam todos os sentimentos da humanidade. Acusamos os potentados da finança, os últimos dos pervertidos morais (exploradores, especuladores, açambarcadores, falsificadores, inimigos do Povo, criminosos sacrílegos) que vivem de sugar todo o sangue da nação pelas ventosas da sua ambição desmedida. Acusamo-nos a nós próprios por só agora termos tido este grito, por só agora jogarmos a bem da nação o nosso próprio destino.
Desanimamos definitivamente? Não, cremos ainda. E sobretudo cremos na mocidade, que nós subtrairemos ás ilusões sub-humanas do snobismo, por ser ela aquela parte da nação que melhor pode compreender o nosso gesto e as nossas palavras, por não ter feito ainda do coração a lama asquerosa onde vegetam os baixos sentimentos do egoísmo e da rapina. Compete à mocidade portuguesa o destino mais belo do mundo: fazer duma nação vergonhosa, presa ao vilipêndio de todas as nações, uma nação humana e digna, capaz de se instituir em exemplo de virtude e de trabalho. Que a mocidade responda ao nosso apelo; siga o nosso exemplo; diga como nós: Basta! E como nós se lance na grande aventura de dar à Pátria a salvação. Só assim o sangue dos mortos fecundará a terra em que que nascemos!
20-Outubro-1921. R. P.

Em aditamento ao seu artigo «Crise Nacional» Jaime Cortesão escreveu:

Nota.—Tínhamos escrito estas palavras, antes dos últimos acontecimentos revolucionários. Não temos que alterar uma única. Ao contrario, aqueles factos vieram confirmar e agravar muitas das nossas afirmações. Cremos, ao invés dos dirigentes revolucionários, que a crise nacional se agravou temerosamente nestes dias. A boa vontade dos homens não pode modificar dum dia para o outro os vícios e defeitos, que representam a obra e a infiltração dos anos ou dos séculos.
Referimo-nos atrás ao desfecho que a crise nacional fatalmente há de ter, se a tempo não nos emendarmos:—«depois dalguns dias de desordem sanguinária, em que todos, todos temos a perder, a tutela estrangeira, clara ou disfarçada». Não estávamos, todavia, convencidos que os factos viessem confirmar tão completa mente essas palavras. Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário, seguidos dos «desejos» do corpo diplomático devem bastar como sinal e amostra, para convencer os mais incrédulos da inadiável urgência de mudar inteiramente de caminho.
JAIME CORTEZÃO

Não basta entregar a "declaração de interesses" no Tribunal Constitucional é necessário entregar a declaração de "desinteresses" no tribunal popular

Podem ser patrocinadores honestos, honestos de antes-de-ontem, desonestos, o que é necessário é o povo saber, durante as campanhas, quem ajuda financeiramente a "eleger" os presidentes da República para assim se perceber a composição da "carta" do sr. presidente. Não é uma causa de presidência. Está em causa a essência do "Regime".

terça-feira, 25 de novembro de 2008

19 DE OUTUBRO DE 1921 o fim da 1ª República


19 DE OUTUBRO DE 1921


O 19 de Outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela continuou até 28 de Maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos respectivos caciques, directas ou por interpostos testas de ferro; a eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP: renunciou e abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa com destino ao estrangeiro.

Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de Outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efectivos passaram de 4575 homens em 1919 para 14 341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal cacique e mentor da GNR, em Fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efectivos do corpo de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de Agosto, era o alvo.

O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas actividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projectava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de Agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d’ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».

O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G. N. R., e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertos logo a seguir, o movimento de 19 de Outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à acção as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às 9, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.

Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.

O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».

Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107), «Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e sonho...».

Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.

Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.

A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.

Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»

A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de Outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.

A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados… Se querem prender Machado Santos venham por aqui…». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.

Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.

Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus actos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?

O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correcta: os assassínios de 19 de Outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da turba—a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo acto, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».

Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam aceitar a explicação simples que teria sido a sua acção, o radicalismo da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas (desde que favoráveis), aos regicidas, a desencadear tanta monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração monárquica e ibérica; a Maçonaria (a acção da Maçonaria sobre a Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não significa que desse ordens para aqueles crimes)

Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos, aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos, na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de vingar Outubro de 1910, mas sim Dezembro de 1917. Carlos da Maia e Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos, coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de Outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à República Nova e não ao 5 de Outubro. Aliás, num gesto significativo, os revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.

Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de Outubro, a Imprensa da Manhãreivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente: depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte àImprensa da Manhã para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã. Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa realização.

Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo, razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento (ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.

Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos «outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos. Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16 de Dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.

A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.

A república ficara ferida de morte.

Nota - sobre este assunto ler igualmente:
A Seara Nova e o 19 de Outubro
Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921
~

Fonte :http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2004/10/19_de_outubro_d.html

Vamos "abolir" a ignorância?


"(...) A monarquia ainda esteve no poder durante mais dois anos, chefiada por Manuel II, mas viria a ser abolida em 5 de Outubro de 1910, implantando-se a República".

...até parece que houve um "decreto" vindo de algures....! 
Apenas um exemplo de como se vai picando a história nossa, escrita e propagandeada aos soluços e com ignóbil intencionalidade. Depois queixam-se dos problemas na Educação....

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Provar do mesmo prato....


Pois. Uma das armas dos republicanos até 1926 foi a injúria. Era vê-los, de prosa porca na boca a dizer tu ta e meia do chefe de estado, da família Real, depois dos seus correlegionários e demais chefes de chinelo. A imprensa, então, não podia ser mais sensacionalista do que a de hoje, ou melhor, a de hoje é mais latrina do que alguidar. Quando em Junho de 1903 foi assassinada a família real sérvia, escreveu o José Alpoim: «Foi uma limpeza!» Quando foi impresso o "Marquês da Bacalhoa" os jornais exortavam "em Lisboa vende-se a sorrelfa" [escrita por um autor conhecido por o "Lêndea" (imaginem porquê?)]. Pelos vistos o respeitinho continuou, continua, e agora temos um presidente da república – em comunicado – a exigir respeito por si e pelo cargo face a notícias, colagens e bocas nos jornais... é caso para dizer que pelos vistos provar do mesmo prato servido aos últimos chefes de estado, do antigo regime, não é lá muito saboroso... 

domingo, 23 de novembro de 2008

Entrevista Revista Homem Magazine (1)

Durante as próximas semanas iremos transcrever aqui uma entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro.

HM - Quem são João Távora e Carlos Bobone?

R: Somos dois cidadãos da república portuguesa que tiveram a ideia de viajar até às origens do regime que nos tutela e ficaram fascinados com esse mundo tão desconhecido e tão diferente do nosso. Achámos que a experiência merecia ser divulgada e pusemo-nos ao trabalho, reunindo documentos, jornais, livros e fotografias que dão um panorama do que se passava e pensava na época da implantação da república. Não temos passado político.

HM - Em que principais aspectos acham que a história da república está mal contada?

R: Os aspectos mais repressivos e impopulares da história da república encontram-se protegidos por um manto de pudor que os protege de olhares indiscretos. Parece haver partes da história que não se devem desvendar, tal como há partes do corpo que se escondem dos olhares exteriores. Na história de Portugal a linha que demarca o pudor acaba em 1926. A partir daí expõem-se todas as “vergonhas”. Qualquer cidadão minimamente instruído conhece o aparelho repressivo do Estado Novo, e se tiver dúvidas a esse respeito encontra abundantíssimo material para seu esclarecimento: livros, revistas, catálogos de exposições, actas de colóquios, testemunhos públicos e privados explicar-lhe-ão o que se passava a respeito de censura, polícia política, eleições e oposição.
Quem dirija a sua curiosidade para os primórdios da república recebe um tratamento bem diferente. Não só terá de fazer sozinho a maior parte do trabalho de pesquisa, consultando jornais, folhetos, testemunhos da época, como encontrará pelo caminho obras recentes que o induzirão em erro, por vezes com o patrocínio do Estado Português. Se quiser saber, por exemplo, qual era a situação da imprensa durante esse período, arrisca-se a comprar, no Museu da República e da Resistência ou na Biblioteca da Assembleia da República, um livro muito bem ilustrado, onde lhe dirão que a república trouxe consigo uma nova era de ampla liberdade de imprensa, interrompida esporadicamente pelos efeitos da primeira guerra mundial e pela necessidade de defesa contra as agressões monárquicas. Mas nas próprias ilustrações do livro encontrará motivos para duvidar do optimismo do texto.

(Continua)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

19/11/1918: a esquadra do Kaiser aguça cobiças...



Há exactamente noventa anos, partia em direcção ao internamento na Grã-Bretanha, a maior parte da Hoch See Flotte imperial alemã. Composta por onze couraçados, cinco cruzadores de batalha, oito cruzadores e quarenta e oito contratorpedeiros, cumpria uma das cláusulas do Armistício de 11 de Novembro. Temendo o poder desta moderna esquadra que pretendia rivalizar com a Royal Navy, o governo de Londres exigiu o imediato internamento da mesma, decidindo-se o seu destino na assinatura do futuro tratado de paz.  Comandada pelo almirante Reuter, a poderosa armada chegou ao Firth of Forth, onde se fiscalizou o seu desarmamento, antes da prevista dispersão nos portos de internamento. Para grande furor dos alemães - que esperavam o seu internamento em portos neutrais -, a Inglaterra decidiu fundear a K.M. em Scapa Flow, numa clara e abusiva interpretação das cláusulas do Armistício.

 

Esta captura integral de navios modernos, bem armados e até então invencíveis na batalha, despertou de imediato a cobiça dos vencedores, entre os quais as pequenas potências almejavam  obter a título de reparação, uma parte considerável dos despojos. Entre estas, encontrava-se o Portugal da I república e sendo a Marinha considerada como o braço armado do regime, de imediato despoletou a febre pela pilhagem fácil. Tendo prometido ao país uma esquadra poderosa e moderna que ombreasse pelo menos com a sua congénere espanhola, a república falhara totalmente nos seus grandiosos propósitos, contentando-se com os navios herdados dos tempos da monarquia.

 

Tal como as reivindicações territoriais desmesuradas que a imprensa a soldo dos "democráticos" propalava como inevitáveis, a esquadra do Kaiser era agora o novo ponto de interesse da demagogia arruaceira que imperava nas ruas, tascas de vinhos e carvão e  no simulacro parlamentar que era o hemiciclo de S. Bento. Enquanto empurravam os caracóis fritos pela goela abaixo, emborcando o típico carrascão do Cartaxo, os sábios mestres escola da república lá iam dando as suas lições de estratégia naval aos papalvos, entrecortando a erudição com a necessária limpeza dos beiços, nas mangas das jaquetas. Já se imaginavam coloridos cenários tágicos, onde uns quantos reluzentes couraçados e cruzadores saqueados à boa maneira dos corsários do século XVII, justificariam aos olhos dos basbaques, as certezas e luminosas esperanças salvíficas daqueles  barbichosos heróis, que de toalha enrolada à cintura na húmida e quente sala de vapores dos Banhos de S. Paulo, tinham esperado o triunfo na Rotunda.

 

O almirantado britânico inquietava-se com uma insustentável situação dúbia da ameaçadora armada que tinha à sua guarda. Não podia apossar-se da mesma, nem destrui-la para consumar a vitória sobre a poderosa rival. Durante dois anos, as negociações arrastaram-se, algumas unidades menores foram prometidas ao Japão, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, para serem utilizadas como alvos em testes. Das unidades maiores - os couraçados e os cruzadores -, as potências não podiam facilmente dispor, sem desequilibrarem perigosamente a relação de forças entre as mesmas. Para os chefes militares, a posse destas unidades por países onde a instabilidade política, económica e social era regra - Portugal, Grécia, Jugoslávia ou aliados sul-americanos -, a hipótese da concessão de navios tão valiosos estava fora de qualquer cogitação.

 

O impasse  chegou ao fim, quando em 21 de Junho de 1921 e aproveitando a saída daHome Fleet para exercícios, o almirante Reuter deu o sinal "Parágrafo Onze. Confirmado", que era o código para o imediato afundamento dos navios. Apesar do frenético esforço dos britânicos, todas as unidade mais importantes da Kaiserlische Marine desapareceram sob  as ondas, numa atitude de desafio aos seus captores. Para grande alívio da Royal Navy e profunda frustração do regime dos senhores Costa, Almeida e Bernardino, 400.000 toneladas deixavam de poder alimentar despropositadas megalomanias. Mais um auspicioso evento a comemorar pela Comissão regimental do centenário da república.

 

Uma sugestão: seguindo o exemplo dos "pais da república", os ministros da defesa bem podem ir imaginando e torcendo pela queda da monarquia em Espanha e o consequente desmembramento do país em risonhas republiquetas de carnaval, com castanholadas, peinetas e boleros. E a consequente partilha da esquadra. Bem podiam lançar o gancho aos porta-aviões João Carlos I e Príncipe das Astúrias, rebaptizados respectivamente,  com os nomes de NRP Aníbal Cavaco e NRP Patrícia Cavaco. Isso é que era...

Eles adoram marmanjos....

A CNCCR, pequena abreviatura com suave timbre soviético, digna comissão que só voltará a existir e reunir (salvo seja...) daqui a 102 anos, não brinca em serviço. Lançou um concurso de "Imagem" para o "Centenário da República". Mas ao invés de todos os concursos a que podemos assistir, a este, só podem concorrer marmanjos recém formados, com grau de licenciatura, concluída depois de 2003!! Ora aqui vamos nós: 2003 - 5 (anos de licenciatura)= 1998 - 19 (entre 18 e os 20 anos, que seria a idade de entrada na faculdade)= 1979!! Temos assim que só os marmanjos altamente habilitados, nascidos depois de 1978/79 podem concorrer a este concurso, exactamente, um concurso que visa obter um grafismo esboçado no discernir, pensar, objectivar, resolver, imaginar, criar de uma "imagem" que resulte da interpretação de algo que ocorreu há 100 anos e que não foi um fenómeno natural!!! Não há dúvida que são os "jovens" (designers) que melhor têm a capacidade e o melhor conhecimento da história e da própria matéria do design...!!!!!!!!! Porquê proibir de concorrer os designers nascidos antes de 1977,78,79....???? Ah, já sei!! Assim poupa-se o tempo que se teria de gastar para eliminar os projectos de índole mais académica que fossem apresentados. O que o júri quer é algo baseado no "presuposto". Já estamos a ver que a programação oficial não vai ser sobre 1910. Vai ser do pós-1974!
Foge cão... que te fazem..............morcão.....

Reitor da Univesidade Católica: Estado devia pedir desculpa aos jesuítas

O reitor da Universidade Católica Portuguesa, Braga da Cruz, disse hoje que seria justo se o Estado português pedisse desculpa aos jesuítas na celebração do centenário da República, que se assinala em 2010.

Lusa (Via Blogue Atlântico)

As declarações do reitor foram feitas na abertura do Congresso Internacional sobre o Padre António Vieira «Ver, ouvir, falar: o grande teatro do mundo», que hoje teve início na Universidade Católica, no âmbito das celebrações do IV centenário do nascimento do missionário jesuíta.
«Seria justo se na celebração do centenário da República que se aproxima, o Estado pedisse desculpa aos jesuítas e outras ordens, não num gesto de reconciliação mas de reconhecimento pelo que têm feito pela cultura portuguesa», disse Braga da Cruz.
Este gesto seria, de acordo com o reitor da Universidade Católica, «justo e cheio de significado», após os actos de perseguição e ordens de expulsão feitos no passado contra os jesuítas.
O congresso, que se estenderá até sexta-feira, é a principal iniciativa para assinalar o IV Centenário do nascimento do jesuíta, missionário, orador, político, diplomata e o escritor «mais representativo do Barroco português», segundo a organização, que junta a Universidade de Lisboa e a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, além da Universidade Católica.
No primeiro dia deste congresso, vai ser assinado um protocolo de cooperação científica para a constituição de uma Rede de Estudos Internacional Padre António Vieira, envolvendo várias universidades. A constituição desta rede foi realçada, também hoje de manhã na abertura do Congresso, pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago. «Os estudos têm sido feitos sob a égide da Língua Portuguesa, mas a obra do padre António Vieira exige que seja conhecida noutras línguas e culturas», referiu Mariano Gago.
A propósito do IV centenário, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, disse que o padre António Vieira é um «nome maior da cultura portuguesa». «Vale a pena comemorá-lo e celebrá-lo sempre», disse.
O congresso promovido pela Comissão Organizadora de 2008 Ano Vieirino traz a Lisboa especialistas da Alemanha, Espanha, Estados Unidos da América, França e Itália. As comemorações do IV centenário vão prolongar-se até Agosto 2009, com um novo congresso que está a ser preparado pela Universidade do Estado do rio de Janeiro (Brasil).

Para saber mais sobre as perseguições da Republica aos jesuítas visite o site www.centenariodarepublica.org

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Revolução Republicana - O dia seguinte

Tendo finalmente embarcado para Portsmouth, fico a pensar como será este país dentro, digamos, de cem anos? Terá conseguido esquecer toda esta violência, desperdício de energia e falta de respeito por si próprio e por uma história sem igual? Terá concedido de forma pacífica e ordeira a independência ao seu imenso império colonial que logicamente um dia se emancipará tal como a monarquia o soube fazer relativamente ao Brasil? Terá finalmente atingido o nível de desenvolvimento dos seus parceiros europeus de quem lenta mas inexoravelmente se ia aproximando? Consolidará uma democracia, ou passará por uma ininterrupta e mortífera série de revoluções, golpes de Estado, assassinatos de homens públicos, ruína financeira, corrupção e generalizada miséria? Não acabará tudo isto pela instauração de uma ditadura que se eternizará no tempo e nos espíritos?

Diário de N. White Castle: 6 de Outubro de 1910, Adeus Lisboa por Nuno Castelo-Branco no Estado Sentido (excerto editado por Paulo Selão no Blogue Pedra no Chinelo)

Requiem por um regime decadente

Talvez porque as comemorações do centenário da República se aproximam, talvez porque o Estado republicano e os activistas republicanos do costume se vão preparando para glorificar a I República que nasceu de um crime, várias traições e virar de casacas e de um golpe de estado militar e continuou na balbúrdia, no desgoverno, na crise económica e financeira até que novo golpe de estado militar impôs uma ditadura e assegurou um regime autoritário durante quase meio século, que se saneou as finanças públicas impôs pela força de “uns abanões” o pensamento único e o partido único, a III República, que se seguiu a outro golpe de estado militar, vai-se parecendo cada vez mais com o regime implantado em 1910. Assim haverá muito mais para celebrar: não será só o passado, mas também o presente. A projectar-se no futuro, se os portugueses não disserem - basta! E é urgente que se faça ver aos portugueses, que têm andado enganados tempo demais, que não podem continuar “amarrados a um cadáver”.
Estes últimos tempos têm sido pródigos em evidências de que o regime se vai esgotando e enredando nas suas contradições. Desde as ameaças de pronunciamentos militares, chamadas eufemisticamente de perigo de umas “rapaziadas”, quando aos militares o governo não dá a importância que as suas reivindicações corporativas julgam merecer, ao funcionamento regular das instituições democráticas na Madeira, onde o Parlamento regional toma decisões anti – constitucionais sem que o Presidente da República, que constitucionalmente é o seu garante, tome a única decisão aceitável, que seria a sua dissolução imediata, aos condicionamentos à liberdade de expressão por parte do governo e dos seus “comissários” colocados no aparelho do Estado, aos casos de amiguismo que se vão sucedendo nas nomeações para altos cargos do Estado, no estrito respeito da “ética republicana”, aos casos de corrupção na Administração Central e nas autarquias, ao caos na Educação, com os erros e a prepotência do ministério ao impor as suas políticas e ao desrespeitar e achincalhar quem os terá de aplicar e a resposta de classe dos professores em manifestações e greves e, agora, dos alunos que, instigados pelo exemplo reivindicativo e “educativo” dos professores, contestam também o seu Estatuto e fazem arruaças inaceitáveis aos membros do governo do sector, depois dos desmandos na escolas e do desrespeito aos seus mestres.
Estes meros exemplos têm como pano de fundo a crise financeira do País, agravada pela crise internacional, e a crise social que vai crescendo assustadoramente, com o desemprego a aumentar todos os dias, com o empobrecimento das famílias cada vez maior, com o aumento da insegurança, não apenas do ponto de vista criminal, com um ambiente pesado de indiferença e desinteresse pelos valores e pela vida cívica, e por tudo o que não seja a sobrevivência a curto prazo, da maioria dos portugueses. Crise, afinal, de um regime que se vai esgotando, corroendo e corrompendo e chegará à festa dos cem anos decrépito, sem que as operações de cosmética de inaugurações de frentes ribeirinhas e outras obras e eventos “para inglês ver” não enganem apenas os incautos e os míopes.

João Mattos e Silva

Publicado no Diário Digital

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Eppur si muove


A "coisa" começa a mexer-se: a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (CNCCR) lançou um concurso nacional para a concepção da imagem e identidade associada à efeméride. Ler Mais>>>
Claro que aqui na Plataforma já estamos a estudar uma proposta vencedora!

O triunfo dos porcos, no Combustões

O Ocidente e o mundo acomodaram-se definitivamente à lei da mediania sem asas, sem cabeça e sem gosto. As últimas décadas são eloquente testemunho desse plano inclinado em que a demissão da inteligência fez causa comum com o exibicionismo roncante, o falso igualitarismo triunfou sobre a diversidade enriquecedora e por todo o lado se quiseram as pessoas standardizadas no vestir, no falar e no pensar. O triunfo do homem comum, delícia das delícias do totalitarismo que não se quer ver ao espelho, constitui um desastre quase irreparável, porquanto aquilo que se teima chamar globalização, ao invés de promover homens de qualidade, deu expressão à tirania dos medíocres, dos contabilistas, dos vendedores de chips e automóveis, aos angariadores de seguros e demais obcecados pelo dinheiro. Os poderosos deste mundo reúnem-se anualmente para discutir as magnas questões que afligem o planeta. Olhando para a foto de família, procura-se em vão um estadista, mas só se lobrigam Betas, insignificâncias, gente que se “quer vestir bem”, “comer bem”, “viver confortavelmente”, conhecer ressorts nas Caraíbas, palmilhar cardápios e listas de vinhos de “qualidade” . Este macaquear da aristocracia e das elites tradicionais vai acabar mal. Li ontem que a falecida princesa tailandesa que foi a cremar comia duas refeições por dia, que se recusava gastar mais de 60 bath por prato (1,5 Euro) e a traparia cabia, toda, num guarda roupa. Quer explicar estas coisas aos patetas ufanos de consumo e status ? Empresa votada ao fracasso. Olharão para si com uma imensa pena.

domingo, 16 de novembro de 2008

Não foram as bombas, Maria, foi um acidente do "trabalho"...

Em 13 de Novembro de 1913 entrou em vigor a "Lei dos Acidentes de Trabalho"! (...) "obra rasgadamente democrática que o nosso parlamentar sr. dr. Estevam de Vasconcelos elaborou"(...): e é um direito concedido pela República, que demonstrou interesse pelos operarios". Pena que o jornal "A República" se tenha correctamente esquecido de enumerar os decretos lei de 1904, e outros anteriores regulamentos, sobre o Regime de Seguros, Pensões, e acidentes pessoais e de Trabalho e que abrangiam todo e qualquer trabalhador. Nesta nova lei, do artigo 1º ao artigo 24º não há uma referência às responsabilidades do estado... Mas o que é de bom tom referir é a oportunidade com que a lei surge. Pois verdadeiramente "acidentes do trabalho" ocorreram aos milhares a partir de 1910 e era necessário acudir aos acidentados! Era vê-los chegar a casa ou ao emprego a dizer que se tinham magoado na fábrica.... ..... não há dúvidas que muitos foram os acidentados a "ferro e fogo"...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O que é "estar na hora errada e no local errado"? Será que foi ter o relógio em ponto e conviver com os amigos certos?


"Voltarei, portanto a ser o que dantes era..."

Por aqueles anos respirava-se o ar da felicidade, o povo, no seu todo, vivia feliz com o progresso recém-chegado. Eis o novo mundo:

"Hoje, ante os últimos acontecimentos, no seu duplo aspecto de golpe de estado e de cobardia, eu sinto que para mim desinteresso-me de um regímen cuja agonia ameaça matar a própria. Dizem os papéis que a República está condenada. Pois meu amigo, nunca a via tão próxima do seu fim, ante a repulsa e a antipatia duma opinião que percebe muito bem que a mentira oficial esconde apenas o triunfo efémero de uma demagogia cada vez mais opressiva e tirânica e pressinto que já não é com as reacções internas que nos salvaremos tão cedo do “democratismo”, que em nada escrupulisa.
Oxalá que me engane e que a nação por algum dos seus homens de inteligência e carácter possa sacudir, antes de mais desastres, por um repelão da consciência colectiva, a quadrilha que nos infama.
Até lá, meu amigo, não estou disposto a pegar no andor do Afonsismo bárbaro e vilão. Porque é dar-lhe alento até o combatê-lo. O que é preciso é isolá-lo, abandonando-o ao impulso da sua incompetência e ambição.
Para despertar a consciência pública é necessário que o país fique sozinho e bem em frente do bando democrático, a aparar-lhe os golpes, sem o anteparo das oposições.
E quando sentir quanto lhe doe é possível que tome juízo.
Voltarei, portanto a ser o que dantes era; um amigo seu, devotado mas sincero e orgulhoso do seu carácter e cioso da sua estima.
Á política deu ficar alheio.

Abraça-o

Seu amigo

Adriano Pimenta"

In "Cartas Portuguesas". Luís Bonifácio

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Portugal e a I Guerra Mundial


Passaram ontem 90 anos da assinatura do armistício firmado entre as potências daEntente e o Império Alemão. A curta cerimónia na floresta de Compiègne, punha fim à hegemonia da Europa sobre o planeta Terra e inaugurava um século XX de violência e extremismos sem precedentes.

Em Portugal, um dos derrotados de facto da I Guerra Mundial, o Armistício apenas tinha algum significado para o cada vez mais escasso número de antigos combatentes, que empurrados por um regime ignóbil para uma frente de guerra longínqua, foram sacrificados ao fugaz interesse de uns quantos políticos do momento, sequiosos do reconhecimento das Potências. O Armistício e as cláusulas de Versalhes consagraram essa derrota política e militar, pois o nosso país não obteve qualquer compensação territorial e materialmente, as indemnizações foram de pouca monta. Contando reequipar a marinha de guerra - o bastião armado da I república - com alguns dos despojos da Hoch See Flotte do Kaiser Wilhelm II, chegaram ao Tejo, apenas uns fracos cascos de escolta da liquidada armada austro-húngara. Compreende-se assim, obliteradas pela hodierna informação as grandes tiradas e piedosas pagelas dedicadas ao "Soldado Milhões", este conveniente esquecer que o regime vota à efeméride.

A História da participação portuguesa na Grande Guerra está ainda eivada dos mitos endeusadores da iimplacável propaganda a que o país esteve sujeito ao longo de mais de três quartos de século. Se as Memórias de Chagas ou os Diários de Relvas os desmentem cabalmente, as resmas de livrinhos, opúsculos e revistas que enaltecem essa autêntica saga de derrotados, impuseram a falsidade como norma. O Poder sempre viu como uma necessidade, um reescrever de uma História que lhe era e é , sem dúvida, totalmente adversa. Desde o mito de Tancos, até à "reconquista de Quionga" (Moçambique), teceram-se lendas, falsearam-se números, esconderam-se realidades. Estas ditas realidades são facilmente descortináveis no meio do autêntico matagal de cipós e trepadeiras parasitas com que o regime enredou o incauto aventureiro nestas actividades do conhecimento. Até há pouco, era unanimemente aceite como facto, o clássico duelo de um punhado de bravos que teve de enfrentar a colossal máquina guerreira engendrada pelo militarismo prrussiano e pelas novas artes de matar propiciadas pela fabulosa Revolução Industrial.

A verdade é bem mais comezinha e típica daquele conturbado período que uma população indefesa teve de suportar estoicamente. A falta de organização, o desleixo e abandalhamento de umas forças armadas fatalmente atingidas pelo vírus desagregador do 5 de Outubro, colocaram desde o início em causa, a própria colaboração de Portugal com a sua formal aliada, a Inglaterra. O corpo de oficiais encontrava-se profundamente dividido quanto à forma do regime e pior que tudo, participava agora activamente nos combates políticos na arena de S. Bento. O efeito dissolvente sobre o sentido de hierarquia, seria absolutamente fatal no momento em que a tropa teve de enfrentar as disciplinadas, e aguerridas divisões alemãs. Os últimos anos da Monarquia tinham feito chegar aos arsenais armas novas, desde espingardas modernas com as quais o exército se armou durante o próximo meio século, ao famoso canhão de 75mm francês. Comprado em importante quantidade e acompanhado por pessoal bem treinado, era talvez a única arma susceptível de prestar eficientemente o serviço na frente. Contudo, uma parte dos efectivos foi deixada em Portugal, com o estrito fim de controlar as crónicas sublevações políticas e militares que ensanguentavam o país e tornavam periclitante a república. Assim, o desastre foi total, desde as trincheiras de Armentières ao sul de Angola e a todo o norte e centro de Moçambique. Não se ganhou uma só refrega - por muito secundária que fosse -, a doença grassou com inaudita ferocidade, acompanhada pela fome, frio e parasitagem de toda a ordem. Resumidamente, foi este o palmarés que a república honestamente devia ter apresentado como seu, exclusivo, único. Mas não, não procedeu de acordo com o rigor histórico, porque colocou os seus publicistas ao serviço e de sentinela, escrevinhando-se mirambolantes feitos épicos de canhoneiras contra submarinos, de um soldado que sozinho aguentou vagas de Sturmtruppen, não se esquecendo no plano da valentia política, apresentar como glorioso feito, o apresamento das sete dezenas de navios alemães internados nos portos nacionais. A verdade foi outra e decorreu, como é óbvio, do acicate britânico ditado pela premente necessidade, no momento em que a guerra submarina fazia perigar o equilíbrio de forças a favor dos Impérios Centrais.

Após a assinatura do Armistício, assistiu-se a uma patética correria na imprensa, tendente a fazer crer da inevitabilidade de uma portentosa recompensa territorial ao esforço da república. Assim, a Ilustração Portuguesa apresentava num dos seus números e na capa, um orgulhoso Afonso Costa que empunhando um mapa, mostrava o Tanganica (Tanzânia), como a natural anexação para a criação de um Grande Moçambique.

Não foi a participação da república portuguesa no conflito, aquilo que mais interessa reter neste aniversário. O que realmente importou, foi o tremendo erro e claro engano imposto aos vencidos que acreditando à letra no próprio significado político e militar da palavra Armistício, foram alguns meses depois, obrigados a submeter-se a uma jamais vista humilhação universal que para sempre mudou o conceito que os povos tinham da diplomacia e das relações internacionais. Decorridos à época, quase exactamente cem anos após a esmagadora derrota do império napoleónico, à Alemanha não lhe foi permitido conservar o regime político, nem sequer teve o direito de negociar qualquer cláusula, fosse ela de índole militar, económica ou territorial. Estava-se num momento, em que mesmo que o Reich contasse com uma horda de Talleyrands, esta não teria exercido qualquer influência no desfecho daquilo a que se designou por Tratados. A guerra tinha sido dolorosamente longa e mercê dos equipamentos colocados à sua disposição pela magia tecnológica dos novos tempos, irredutibilizou os ânimos, fomentou ódios irreconciliáveis e lançou as sementes para um futuro e mais devastador conflito.

A I Guerra Mundial significou a liquidação da Europa como espaço político, económico e militar que durante séculos ditara uma hegemonia global. Os americanos entraram na guerra, precisamente para esse arrebatar de testemunho, revertendo a seu favor o esforço de terceiros, drenando recursos, subsidiarizando economias e o espírito criador. Territorialmente, os 14 Pontos de Wilson significaram o fim da tradicional fidelidade dinástica que durante séculos e até 1918, fez com que os exércitos do Kaiser de Viena, congregasse nas suas fileiras mais de quinze povos, unidos pela história e pelo interesse que uma situação geográfica vital, impunha a necessidade da união, mesmo que pessoal. De facto, o destruir da Áustria-Hungria, jubilosamente gizada em Paris e Washington, representou um irremediável desastre para a Europa que hoje, tenta encontrar um modelo que lhe reabra o trilho de progresso e poder que foi seu ao longo de meio milénio.

Seria interessante saber qual teria sido a participação portuguesa, no caso de o 5 de Outubro - e logicamente o Regicídio - jamais terem ocorrido. É um trabalho para os historiadores que dispondo da informação contida nos arquivos nacionais e chancelarias estrangeiras, poderão assim avaliar cabalmente um enigmático "se" da nossa História.


quarta-feira, 12 de novembro de 2008

República, Maçonaria e Iberismo





A maçonaria em Portugal (Grande Oriente Lusitano - GOL), no século XIX, esteve particularmente ligada à maçonaria de Espanha. Muitas lojas deste país estiveram sob a obediência do GOL. No seio desta organização secreta, onde floresciam as ideias republicanas, também se difundiam as teses iberistas. Na sequência do célebre ultimatum inglês (1890), Magalhães Lima (grão-mestre entre 1908-1928), publica o livro "A Federação Ibérica"(1896), onde advoga um iberismo mitigado (cultural). Estas tendências iberistas de uma corrente na Maçonaria em Portugal tem alimentado uma profunda desconfiança da população perante esta organização secreta. Neste sentido foi com algum alívio que em 1933 assistiu à sua proibição pela ditadura.

Fonte : http://lusotopia.no.sapo.pt/indexPTiberismoAliancas.html

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Eles não aceitavam "Ordens" de ninguém....

Porque é que os revolucionários de 1910 mantiveram o espírito das Ordens? Era vê-los de peito cheio de nada, todos catitas!! Porque é que não aboliram a coisa por decreto e decretaram a "Medalha" ou a "Chapinha", usando os termos linguísticos apropriados às novas linguagens revolucionárias? Porque é que a República condecora com Ordens, esta nova nobreza republicana, em vez de manter tudo igual como manda a santa constituição?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Paz

Como a "história" nos conta, a "transição" para a República foi um processo natural. A sociedade portuguesa há muito que esperava a modernidade, o progresso e a paz que tanto procurava!! Ei-la num breve relato que tanto podiam ser os maravilhosos anos de 1914 como de 1926....

"Na madrugada de 20 de Julho automoveis distribuem bombas pela cidade e grupos se acercam dos quarteis, armados pelo menos processo. Um polícia é morto á bomba e um soldado, só por dizer A's armas! é assassinado com um tiro. Nos dias seguintes aparecem algumas bombas na capital e algumas são malvadamente entregues a crianças, ficando feridas umas e morrendo outras. Entretanto os monarquicos armam-se com bombas como prova aquela caso de Monsanto – admiravel descoberta policial de elementos populares de Lisboa, que só procuram servir a república, mas que são combatidos com odio por individos que republicanos se dizem".

"O Mundo", 1914.

A I república e as prisões políticas


Na imagem, o capuz penitenciário, antigo artefacto prisional recuperado após a revolução republicana.

A indignidade do tratamento infringido aos presos políticos durante os primeiros anos da republica, provocou fortes reacções internacionais. Saiba mais no site da Plataforma do Centenário da República.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Os novos ridículos

No inicio de Julho de 1913 a guarda republicana, como era apanágio na época, depois de deter alguns ardinas apanhados em “flagrante” distribuindo ideologia "rebelde", uma vez mais procedeu à apreensão do jornal “Os Ridículos”.
“Os Ridículos” era um bissemanário humorístico que se publicou em Lisboa desde 1895, dirigido por José Maria da Cruz Moreira, o “Caracoles” que em Setembro de 1897 foi substituído por “Auto-Nito”. Depois de um interregno, a sua publicação foi retomada em 1905, e nele colaboraram artistas como Jorge Colaço, Alberto Sousa, Silva Monteiro, Silva e Sousa e Stuart Carvalhais.
Ridículo mesmo é como o regime ainda hoje, complexado e porventura geneticamente comprometido, teima em ocultar o cariz opressivo da 1ª republica. Parece-nos de má consciência o sistemático patrocínio de uma estafada denúncia do Estado Novo, olvidando sempre os anos que o precederam: é com esta lógica politicamente desonesta que, à conta do erário público, a Bedeteca e a Hemeroteca Municipal apresentam até 31 de Dezembro, um conjunto de capas de "Os Ridículos" censurados, acompanhadas das respectivas provas enviadas para os serviços de censura do Estado Novo entre 1933 e 1945.
Temos pena que o intervalo de datas delimite tanto as escolhas para a exposição, pois se se recuasse por exemplo até 26 de Julho de 1913 podíamos observar um exemplar de “Os Ridículos” em que na capa se vê uma caricatura representando os polícias municipais que conduzem para a prisão os ardinas com exemplares de “Os Ridículos” na mão. Um dos polícias dirige-se ao dono da tabacaria dizendo: “Fora d’ahi com esse Talassa!” Comentário do Jornal: “Nova espécie de presos… políticos”.
Durante a 1ª república por diversas vezes edições de “Os Ridículos” foram apreendidas e censuradas. De resto o próprio jornal publicava repetidamente noticias sobre apreensões e encerramento de outras publicações. O tema daria uma interessante Exposição, e o centenário da republica será certamente boa ocasião. Nós por cá aceitamos o desafio.

Colaboração de Carlos Bobone

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Livro "A vida dramática dos Reis de Portugal"




Goste-se ou não do que está escrito neste livro, é de registar a notícia da Lusa sobre o mesmo.

"O estudioso, que editou já cerca de uma dezena de títulos centrados na I República (1910-1926), não sendo monárquico, considera que a instituição régia "era viável em Portugal, bastando ver que os países mais avançados no mundo são monarquias constitucionais"."

Fonte RTP aqui

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A República essa desinibida

Porque é que a "república" é tão desenvergonhada e tão desinibida a dar a "mama"?

O preço da "existência política"

O jornalista republicano Leonídio Paulo Ferreira, do DN, entende que a Rainha de Espanha talvez não devesse falar. O juízo do jovem Leonídio Paulo Ferreira não é sequer sobre a opinião da velha Rainha (que apesar de tudo considera ser própria de uma septuagenária conservadora) mas sobre a veiculação dessa mesma opinião. É já uma inevitabilidade: se há os que não apreciam o silêncio também existem os outros, os que não toleram que se fale. Mas o ponto nem me parece ser este.
Muito mais curisoso é o jovem jornalista sentir a necessidade de se afirmar republicano e de considerar que as monarquias modernas se baseiam "na imparcialidade". O que não é apenas um facto. É um verdadeiro trunfo. E um trunfo genético, diria eu. Por não depender de quaisquer aparelhos ou de famélicas clientelas, a legitimidade real assume, geneticamente, a sua imparcialidade. Aliás, o jovem jornalista refere que "Juan Carlos não vota em eleições. Não que a constituição o proíba, mas porque quer ser o rei de todos." O Rei está acima das partes e, nessa medida, pode exercer o seu magistério moderador com superior liberdade e pura isenção. Estranho é que, para o jovem jornalista, a "imparcialidade" monárquica seja tida por "inexistência política". Esta conclusão, mais do que apoucar a Instituição Real, diminui a própria construção republicana. A "existência política" da República tem, afinal, um preço. Um preço caríssimo: a parcialidade.

domingo, 2 de novembro de 2008

A imprevisível “agenda” da história


A respeito da revolução de 14 de Maio de 1915, escreve a condessa de Mangualde numa carta ao seu marido deportado:

Vivemos numa atmosfera de terror, em que só se ouve falar em tiros e mortos.
O drama do João de Freitas foi horrível. Hoje diz o Diário de Notícias que foi morto a tiro no Porto o Homero de Lencastre. De certo que esse merecia castigo, mas a facilidade com que se manda assim gente para o outro mundo, faz estremecer. Parece impossível que este Portugal seja o mesmo que ainda há dez anos era a terra mais pacata e mais sossegada do mundo. Que responsabilidade medonha têm os que transformaram o bom povo português nas feras que agora andam por aí!

Memórias da condessa de Mangualde – Quetzal editores, Fevereiro 2002

sábado, 1 de novembro de 2008

Monarquismo e complexo ideológico

A defesa da monarquia em Portugal é profundamente inquinada de toda a espécie de estereótipos politicamente correctos: os monárquicos são fascistas, capitalistas, autoritários, velhos do Restelo, medievos e sabe-se lá mais o quê, desde que caiba no vasto léxico abrilino da vigente censura democrática. No fundo, somos uma cambada de otários agarrados às velhas máximas que as gloriosas luzes de Rousseau fizeram rolar no cadafalso. O problema da nossa causa é, no entanto, mais vasto e profundo. Não se trata só da terminologia que nos arremessam diariamente, numa constante perturbação da paciência que ainda vamos conservando, mas de uma ruptura interna que nos martiriza sem dó na persecução do necessário esclarecimento doutrinário. O problema desta causa é, para além de tudo o resto, o problema de não termos a mesma causa, ainda que sob a mesma coroa.

Os monárquicos portugueses dividem-se em três grupos distintos que protagonizam uma separação que quase ninguém conhece. O primeiro é o dos meninos Pierre Cardin, que em nada diferem dos do Bloco: acreditam em algo pelo algo que esse algo lhes proporciona. O segundo enche-se de partidários do liberalismo, tantas vezes de um socialismo envergonhado, onde circulam parceiros do sistema, amigos das Lojas, conhecidos dos parlamentares, grande parte das famílias da "tradição" e alguns Pierre Cardin mais esclarecidos (até onde o esclarecimento os consegue levar...). O terceiro é o dos miguelistas, os tais que dão má fama à coisa, os que atraem todos os estereótipos e mancham (dizem os anteriores) qualquer tentativa de modernização da ideia monárquica. Entre todos estes, encontram-se os que sabem muito bem do que se fala quando se discute a monarquia, mas preferem acreditar numa solução vendida ao que chamam de “inevitabilidades”, em vez de apostarem na resolução dos equívocos que afectam a boa compreensão da questão civilizacional que nos devia mover.

Ser monárquico em Portugal é (ou deveria ser) remontar a causas estruturantes para um anúncio conceptual com essa lógica civilizacional. Antes de qualquer defesa de um projecto concreto, há um longo caminho a percorrer para o esclarecimento das bases que sustentam o edifício orgânico da comunidade política que queremos restaurar. É também por não existir este esforço conceptual, nem o desenvolvimento da capacidade intelectual para o realizar em maior escala, que acabamos por desembocar em sucessivas tentativas falhadas de apresentar publicamente algo que previamente sujámos com todas as influências que levaram à nossa república. A mais grave, e também a mais comum, advém da confusão entre um nacionalismo que defenda a solução monárquica para Portugal e um monarquismo que queira aplicar essa solução além fronteiras; entre o patriotismo que seja revelador de uma consciência política que ultrapasse a defesa do regime por complexo ideológico e um outro patriotismo republicanista da primeira experiência portuguesa nesse regime. O esforço para instaurar um regime, se ele qual for, deve ser causado pela vontade de alcançar o Bem-Comum, mesmo que este seja melhor servido com a república. Mas o que sucede em Portugal, quer pela história quer pela génese própria da nação lusa, é que a monarquia está inscrita no corpo genético da estrutura comunitária de tal forma que o cumprimento daquele Bem requer a Saudade do que fomos perante a desgraça do que somos.

É por isto, talvez por muito mais, que não me encaixo nem no primeiro nem no segundo grupo de que vos falei. Isso implica não ser democrata, liberal, defensor dos Direitos, do Estado laico e admirar a obra do Estado Novo? Sim, implica, pelo menos em Portugal. Pelo menos para não estar inquinado pelo estereótipo e poder escrever destes textos sem preocupações de grande monta. Pelo menos para ser livre.