quarta-feira, 19 de novembro de 2008

19/11/1918: a esquadra do Kaiser aguça cobiças...



Há exactamente noventa anos, partia em direcção ao internamento na Grã-Bretanha, a maior parte da Hoch See Flotte imperial alemã. Composta por onze couraçados, cinco cruzadores de batalha, oito cruzadores e quarenta e oito contratorpedeiros, cumpria uma das cláusulas do Armistício de 11 de Novembro. Temendo o poder desta moderna esquadra que pretendia rivalizar com a Royal Navy, o governo de Londres exigiu o imediato internamento da mesma, decidindo-se o seu destino na assinatura do futuro tratado de paz.  Comandada pelo almirante Reuter, a poderosa armada chegou ao Firth of Forth, onde se fiscalizou o seu desarmamento, antes da prevista dispersão nos portos de internamento. Para grande furor dos alemães - que esperavam o seu internamento em portos neutrais -, a Inglaterra decidiu fundear a K.M. em Scapa Flow, numa clara e abusiva interpretação das cláusulas do Armistício.

 

Esta captura integral de navios modernos, bem armados e até então invencíveis na batalha, despertou de imediato a cobiça dos vencedores, entre os quais as pequenas potências almejavam  obter a título de reparação, uma parte considerável dos despojos. Entre estas, encontrava-se o Portugal da I república e sendo a Marinha considerada como o braço armado do regime, de imediato despoletou a febre pela pilhagem fácil. Tendo prometido ao país uma esquadra poderosa e moderna que ombreasse pelo menos com a sua congénere espanhola, a república falhara totalmente nos seus grandiosos propósitos, contentando-se com os navios herdados dos tempos da monarquia.

 

Tal como as reivindicações territoriais desmesuradas que a imprensa a soldo dos "democráticos" propalava como inevitáveis, a esquadra do Kaiser era agora o novo ponto de interesse da demagogia arruaceira que imperava nas ruas, tascas de vinhos e carvão e  no simulacro parlamentar que era o hemiciclo de S. Bento. Enquanto empurravam os caracóis fritos pela goela abaixo, emborcando o típico carrascão do Cartaxo, os sábios mestres escola da república lá iam dando as suas lições de estratégia naval aos papalvos, entrecortando a erudição com a necessária limpeza dos beiços, nas mangas das jaquetas. Já se imaginavam coloridos cenários tágicos, onde uns quantos reluzentes couraçados e cruzadores saqueados à boa maneira dos corsários do século XVII, justificariam aos olhos dos basbaques, as certezas e luminosas esperanças salvíficas daqueles  barbichosos heróis, que de toalha enrolada à cintura na húmida e quente sala de vapores dos Banhos de S. Paulo, tinham esperado o triunfo na Rotunda.

 

O almirantado britânico inquietava-se com uma insustentável situação dúbia da ameaçadora armada que tinha à sua guarda. Não podia apossar-se da mesma, nem destrui-la para consumar a vitória sobre a poderosa rival. Durante dois anos, as negociações arrastaram-se, algumas unidades menores foram prometidas ao Japão, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, para serem utilizadas como alvos em testes. Das unidades maiores - os couraçados e os cruzadores -, as potências não podiam facilmente dispor, sem desequilibrarem perigosamente a relação de forças entre as mesmas. Para os chefes militares, a posse destas unidades por países onde a instabilidade política, económica e social era regra - Portugal, Grécia, Jugoslávia ou aliados sul-americanos -, a hipótese da concessão de navios tão valiosos estava fora de qualquer cogitação.

 

O impasse  chegou ao fim, quando em 21 de Junho de 1921 e aproveitando a saída daHome Fleet para exercícios, o almirante Reuter deu o sinal "Parágrafo Onze. Confirmado", que era o código para o imediato afundamento dos navios. Apesar do frenético esforço dos britânicos, todas as unidade mais importantes da Kaiserlische Marine desapareceram sob  as ondas, numa atitude de desafio aos seus captores. Para grande alívio da Royal Navy e profunda frustração do regime dos senhores Costa, Almeida e Bernardino, 400.000 toneladas deixavam de poder alimentar despropositadas megalomanias. Mais um auspicioso evento a comemorar pela Comissão regimental do centenário da república.

 

Uma sugestão: seguindo o exemplo dos "pais da república", os ministros da defesa bem podem ir imaginando e torcendo pela queda da monarquia em Espanha e o consequente desmembramento do país em risonhas republiquetas de carnaval, com castanholadas, peinetas e boleros. E a consequente partilha da esquadra. Bem podiam lançar o gancho aos porta-aviões João Carlos I e Príncipe das Astúrias, rebaptizados respectivamente,  com os nomes de NRP Aníbal Cavaco e NRP Patrícia Cavaco. Isso é que era...

13 comentários:

Jorge Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jorge Santos disse...

Podemos não ter conseguido despojos da guerra assim que se assinou a paz, mas conseguimos o nosso principal objectivo e o mais importante - a manutenção das colónias africanas.

Nuno Castelo-Branco disse...

o space aye anda muito politicamente incorrecto. A defender o império, ora ora... vá lá...

Nuno Castelo-Branco disse...

E, Space aye, uma vez que a Inglaterra ficou com a parte de leão das colónias alemãs - o Tanganica e o Sudoeste Africano -, deixou de haver razão para partilhar Angola e Moçambique. A frança riscava pouco, diga-se, nada. E Portugal estava mais que nunca, subjugado às vontades de Londres. Em 1925 estivemos para ser colocados sob mandato da SDN. Está a ver a coisa, não está? Ao estilo do Kosovo, por exemplo. Ou de Timor -leste antes da independência.

JSM disse...

Excelente e esclarecedor postal, especialmente para os súbditos 'portugueses' de sua majestade britânica, aliás súbditos de qualquer majestade desde que não seja lusitana. E depois destas e doutras humilhações ainda se admiram com a chegada dos hitlers!!!
Saudações monárquicas.

Jorge Santos disse...

Pois mas ninguém sabia qual o desfecho que a guerra iria ter. A Alemanha podia até ganhar e depois anexar as nossas colónias.

"Em 1925 estivemos para ser colocados sob mandato da SDN. Está a ver a coisa, não está? Ao estilo do Kosovo, por exemplo.
Ou de Timor -leste antes da independência."


Não sei se isso é verdade, mas de qualquer forma já não seria mau, tendo em conta que depois disso obteriamos independência reconhecida (provavelmente por todos os países) e não iriamos cair em ditadura.

Nuno Castelo-Branco disse...

O problema, Space Aye, seria apenas um: adivinhe quem obteria o tal mandato da SDN? O Afonso XIII bem se mexeu, mas em Londres lá estava o D. Manuel para lhe estragar a golpada.
Após 1917, já era muito difícil a Alemanha obter a vitória militar total. Os EUA estavam na guerra e a Rússia czarista resistiu mais do que se pensava. Aliás, sacrificou-se pela França. No Marne, os franceses foram salvos pela ofensiva nos lagos Masúrios (Prússia Oriental) e em Verdun, pela ifensiva de Brussilov na Galícia austríaca. Nada disto impediu que os parisienses tivessem comemorado a queda do czar. Gratidões... Talvez aqueles mesmo que receberam delirantemente o rei D. Carlos, com milhares de pessoas nas ruas. Nomearam-no membro da Academia Francesa e pouco depois, conspiravam para ditar a sua morte às mãos dos confrades do p.r.p (reunião em certa "loja" e num certo café do boulevard de la Poisonnière. Sabemos bem como a França funciona.

Anónimo disse...

Estou admirado com alguns dos seus conhecimentos.
E estou a ver que finalmente alguém deixa de fugir ás questões e dá respostas decentes aqui neste blog.
Mas olhe que Portugal não entrou na guerra "após 1917", entrou em Março de 1916, numa altura em que a Alemanha ainda tinha boas hipóteses de ganhar a guerra.
Mas claro que a França, apesar de ter tido muito ajuda da Russia, por trás conspirava contra o czar porque era republicana e via com muito maus olhos o tratamento que o czar dava ao seu povo, que não era mais do que escravo.
Sabemos bem como a Russia sempre funcionou.

Anónimo disse...

Sim o Povo era escravo do Czar e depois de 1918 ficou escravo do aparelho Soviético ... tiveram a carnificina de Staline ...
Que maravilha de churrasco :) Puramente comunista

Anónimo disse...

Concordo inteiramente.
A Russia é assim, parece que só gostam de ditaduras.

Nuno Castelo-Branco disse...

Vejamos, Space:
Em 1916 os Centrais venciam a Roménia, mas o fulcro da guerra era a frente ocidental, onde o impasse era total. A batalha da Jutlândia foi inconclusiva e a consequente campanha submarina, fez com que os EUA hostilizassem abertamente o Reich, procurando apenas um pretexto (típico USA) para entrar no conflito. O que é inegável é o facto do governo português querer a guerra a todo o transe, para "reconhecimento internacional". Não é o lado que está em causa, pois em monarquia, estaríamos com a Entente, fosse de que forma fosse. Mas as F.A. não se encontravam minimamente estabilizadas para um empreendimento daquela envergadura e o kaiser não estava propriamente à mesma altura do Gungunhana...
Quanto à Rússia. O regime autocrático estava de facto a chegar ao fim e a evolução para uma monarquia constitucional - de que o governo de Witte tinha sido uma primeira experiência - seria o desenlace previsível. Mas o gigantismo do país, a falta de preparação militar, a relutância do czar em proceder ao levantamento geral que Estaline não hesitaria em fazer; a pressão dos dois grandes exércitos dos Centrais, enfim, uma série de factores levou á queda do império. Na verdade, ninguém esperava a guerra naquele verão de 14. nem o czar, nem os dois kaisers, nem os ingleses. talvez apenas a França a desejasse há muito, mas não creio que a pensasse realizável naquele momento. funcionou a engrenagem das alianças. Assim sendo, congratulemo-nos com a derrota da senhora Palin há apenas duas semanas.
A evolução da Rússia actual... pois é, parece enveredar para uma espécie de autoritarismo mitigado pelas novas tecnologias da informação que impossibilitam - até agora - o uso de recursos mais extremos de controle da opinião. eles lá sabem. No fundo, de quem eles gostam é de Pedro o grande, catarina II e Estaline sem Béria ou Iezhov. Impossível...

*Acredite no que lhe digo: aqui é bem-vindo. Sem "gente do contra", isto não teria piada nenhuma!

Jorge Santos disse...

Pois é, a Russia com ous em revoluções sempre foi reacção e autoritarismo.
E os EUA os maiores hipócritas á face da Terra possuidos por um conservadorismo e nacionalismo chocante e altamente perigoso para o mundo.
Na verdade a Russia e os EUA são muito semelhantes, por isso mesmo partilham o controlo mundial, e a Europa deve distanciar-se de ambos ao tornar-se autónoma e manter-se livre.

Nuno Castelo-Branco disse...

Qual das Europas, space? A Alemanha, a Inglaterra ou a França? Acredita mesmo que esses países têm projectos conciliáveis? Mas numa coisa estamos de acordo: tería sido fantástico o lord Cornwallis ter capturado o senhor Washington e tê-lo levado a passaer até Tyburn. Tinha evitado muita porcaria e a prova disso, é o canadá. Como o Michael Moore diz, vê-se bem a diferença. Mas... que chatice (para si), o Canadá é uma monarquia. Bolas...