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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um exemplo da ética repúblicana

Papa em Portugal


Grão-Mestre da Maçonaria defende que José Sócrates não deveria ter ido à missa do Papa

O Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, António Reis, afirmou esta tarde à Antena 1 que o primeiro-ministro não deveria estar presente na missa celebrada esta tarde pelo Papa Bento XVI no Terreiro do Paço. António Reis lembrou que o primeiro-ministro espanhol também não esteve presente na missa aquando da visita do líder católico a Espanha
 
Fonte: http://tv1.rtp.pt/noticias/?t=Grao-Mestre-da-Maconaria-defende-que-Jose-Socrates-nao-deveria-ter-ido-a-missa-do-Papa.rtp&headline=46&visual=9&article=343696&tm=72
 
 
Leiam a resposta dada pelo porta voz do vaticano:
 
http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Porta-voz-do-Vaticano-admirado-com-controversia-da-participacao-de-Socrates-na-missa.rtp&headline=46&visual=9&article=343739&tm=72

sábado, 17 de abril de 2010

Monarquia bate República em duelo - JN de 17-4-2010 por Fátima Mariano

Afonso Costa não era homem para deixar passar em branco uma ofensa à sua honra e, apesar de ser proibido pelo Código Penal e condenado pela Maçonaria - instituição à qual pertencia -, desafiava não raras vezes os seus oponentes para um duelo. Foi o que aconteceu a 14 de Julho de 1908.

Durante um dos seus inflamados discursos na Câmara dos Deputados, o líder do Partido Republicano Português insurgiu-se contra a Monarquia e os seus representantes, deputados monárquicos incluídos. Como resposta, um desses, o conde de Penha Garcia (primo de João Franco), aproximou-se de Afonso Costa e disse-lhe baixinho: "Quem assim desconsidera a honra alheia, não pode prezar a honra própria". Como resposta apenas um seco "Logo falaremos".

Assim que terminou o seu discurso, Afonso Costa constituiu os seus padrinhos para tratarem do duelo, escolhendo para o combate a espada francesa. O conde de Penha Garcia era muito melhor espadachim do que o líder do PRP, o que deixou os padrinhos e as testemunhas preocupadas.

Nesta disputa estava em causa muito mais do que uma simples defesa da honra. Os dois protagonistas estavam em lados opostos de uma guerra que há muito tinha espoletado.

Os monárquicos receavam que se Afonso Costa fosse mortalmente ferido, os grupos populares aguerridos espalhariam a ideia de qu ele tinha sido assassinado. Os republicanos, por seu lado, temiam ficar sem o seu líder, indispensável para levar a cabo o derrube da Monarquia.

Antes de se dirigir ao local do duelo, Afonso Costa escreveu a Bernardino Machado: "Vou tranquilo para este lance. Se for fisicamente vencido, o meu sangue regará a terra sagrada da Pátria, e mais um passo se terá dado para a República. Bato-me pela nossa causa e, por isso, quando a sorte me for pessoalmente adversa, convido-o, a si em nome de todo o nosso Partido, a dar à minha memória a compensação de uma vitória próxima".

O duelo realizou-se pelas 11 horas na estrada militar da Ameixoeira, palco habitual deste tipo de contendas.

Temendo que uma eventual morte de Afonso Costa o tornasse um mártir, algumas testemunhas afiançaram que o conde de Penha Garcia se limitou a desferir um ligeiro golpe no braço esquerdo do adversário, deixando-o a sangrar um pouco.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Ocuparam a sede do partido de Franco quando mataram o Rei e lá nasceu o SLBenfica - Jornal a Bola dia 12-4-2010

Por António Simões
O Sport Lisboa era de Belém e não tinha campo. Mirabolantes algumas histórias dos seus primeiros tempos – em que as balizas se montavam e desmontavam para treinos e jogos e as redes eram da pesca. Como o Sport Benfica tinha campo e sede de luxo, mas não tinha jogadores, fundiram-se. E o que era para ser o Sport Clube de Lisboa e Benfica acabou à última hora por ser... Sport Lisboa e Benfica.Aurélio Paz dos Reis ganhou fama e fortuna como comerciante de flores que criava no jardim do seu palacete, no Porto. Era da maçonaria – e envolveu-se na revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891. Alargou o negócio à estereoscopia – a fotografia em relevo -, na sua loja de máquinas de escrever passou a vender igualmente películas da Lumière & Jougla. De súbito, saltou-lhe, ousada, a ideia: comprar cinematógrafo aos irmãos Lumière. Largou, então, para Lyon – quando lá chegou os Lumière disseram-lhe que não vendiam a máquina por dinheiro nenhum, que fora promessa feita ao pai. Paz dos Reis, não desistiu – e acabou por descobrir em Paris o cronofotográfico que os irmãos Werner inventaram entretanto. Foi o que trouxe para o Porto, revolucionário. Deu-lhe, pomposo, outro nome: kinetógrafo português. E a 12 de Novembro de 1896, apresentou no Teatro do Príncipe Real, vários «quadros de fotografias em movimento», um deles era sessão de Jogo do Pau em Santo Tirso. Levou a novidade a Braga – e ao Brasil. No Rio, o negócio falhou, pô-lo em stand by, retornou ao Porto, dedicou-se ao comércio de automóveis Minerva - e quando a monarquia caiu chegou a vereador da Câmara Municipal.Algures por 1896, Manuel Maria da Costa Veiga conhecera em Lisboa Edwin Rousby. Chamavam-lhe O Electricista de Budapeste, uns diziam que era húngaro, outros que era americano. Viera a Portugal como agente de Robert Williams Paul, tentando vender a sua última invenção: o Paul-Acres Camera, «máquina de filmar cujas imagens eram passadas em peep-show, uma caixa fechada dentro da qual se via o filme através de um óculo». Para melhor mostrarem a sua novidade, fizeram várias filmagens em Portugal, uma Tourada à Antiga Portuguesa no Campo Pequeno – e A Praia de Algés na Ocasião dos Banhos, nesse trecho de um minuto, como todos os demais, «as atracções foram a ginasta Amparo Aguilera e o actor Jaime Silva, artistas do Real Coliseu». O exibidor era, claro, Costa Veiga. Mas, ao saber que Paz dos Reis se tornara ele próprio «caçador de imagens», decidiu fazer o mesmo – e em 1899 comprou num leilão protótipo do «mecanismo de Paul». Implantara-se já como empresário do «mundo do espectáculo», conseguira financiamento para construir o Teatro Avenida, inaugurara o Éden Concerto – e abrira em Cascais a Esplanada D. Luís Filipe, onde exibia os filmes que Rousby e Paul lhe enviavam do estrangeiro. Fundou a Portugal Filmes em Algés – e a sua primeira produção foi Aspectos da Praia de Cascais: D. Carlos a banhos, o chique do veraneio, o glamour do Sporting Club na Parada...Contudo, nada disso teve o impacto de uma outra coisa, que em 1904 empolgou uma certa Lisboa: o animatógrafo, assim se chamou às salas destinadas a projecções de cinema. O primeiro foi o Salão Ideal, lançado por João Freire Correia, dono de um estúdio de fotografia na Rua da Prata, em Lisboa - e que em 1910 assinaria o primeiro documentário verdadeiramente desportivo em português: A Corrida de Automóveis na Rampa da Pimenteira, fundara já a Portugália Films, associado a Manuel Cardoso Pereira. As primeira entradas para o Salão Ideal custavam seis vinténs – mas durante largo tempo «a moral e os bons costumes» marcaram o animatógrafo como «símbolo de escândalo, interdito às meninas de sociedade» porque a «obscuridade das salas» era «propícia à sedução e à intimidade».Modéstia de Cosme Damião e prisão de Cruz ViegasFoi nesse ano de 1904, a 28 de Fevereiro, que antigos alunos da Casa Pia e jogadores do Grupo dos Catataus se juntaram na sala de reuniões da Farmácia Franco para fundarem um novo clube. Primeira sugestão de nome: Grupo de Football Lisboa. José da Cruz Viegas, então aspirante do exército, que na I Guerra Mundial cairia, prisioneiro, nas masmorras dos alemães, contrariou-a com curioso argumento: «As iniciais dariam GFL, talvez aparecesse alguém a suor que se trataria da Guarda Fiscal de Lisboa». Falou-se em Grupo Sport Lisbonense – e em Grupo Sport Lisboa se ficou, não muito depois já era simplesmente Sport Lisboa. A Cosme Damião coube redigir a acta da fundação – mas por modéstia não escreveu nela o seu nome. Logo se acertou que presidente seria José Rosa Rodrigues, o mais velho dos irmãos Catataus; que o símbolo seria uma águia - «por significar elevação de propósitos, largo espírito de iniciativa e ânsia de subir o mais alto possível»; que a divisa seria Et Pluribus Unum como apologia de união na comunhão de sentimentos. As cores, escolheu-as Cruz Viegas: vermelho e branco por «traduzir alegria, colorido e vivacidade e ser fonte de entusiasmo». Bola em segunda mão, 1500 réis...Compraram-se camisolas de flanela na Alfaiataria Nunes e uma bola em segunda mão ao Cricket Club por 1500 réis. As redes eram umas que tinham sido usadas na pesca da corvina, na Trafaria – e para os jogos e treinos, que se faziam, ali mesmo em Belém, numa faixa de terreno junto da linha de comboios para Cascais, montavam-se e desmontavam-se as balizas, havia um carpinteiro que recebia 50 réis pelo trabalho. Para o banho usava-se a água de um poço, um moço retirava-a com um balde e despejava-a pela cabeça abaixo dos jogadores. A 1 de Janeiro de 1905, fez-se o primeiro jogo «formal», contra o Campo de Ourique. Treinador foi Manuel Gourlade – e o SL venceu por 1-0. Nesse, como em vários outros jogos seus esteve apenas um polícia à guarda, pelo serviço lhe deram 500 réis – e o Sport Lisboa criou igualmente o hábito de oferecer lanches aos adversários, nos seus primeiros documentos de contabilidade há despesas de 4,5 litros de vinho por 540 réis e de 36 sanduíches por 1800 réis. O truque da sede dos franquistasA 19 de Maio de 1906, D. Carlos colocou ponto final ao rotativismo entre regeneradores e progressistas que vinha de 1893 – nomeando João Franco para primeiro-ministro. Ele prometeu governar, liberal, democrata, à inglesa – mas depressa passou a governar, autocrático, ditador, à turca. Semanas depois, a 26 de Julho, fundou-se o Sport de Benfica, José Duarte foi o seu primeiro presidente. Três meses volvidos sucedeu-lhe Luís Carlos Faria Leal, major do exército – e em Maio de 1907, o SB por 40 mil réis ao ano, tomou posse de terreno da Quinta da Feiteira onde montou campo de futebol de 120 por 79 metros. Passou tempo com o Benfica a brilhar em ciclismo e atletismo – e a 31 de Janeiro de 1908 Franco convenceu o rei a promulgar decreto que permitia a deportação dos presos políticos para as colónias de África ou para Timor. Ao assiná-lo, D. Carlos largou, premonitório, num murmúrio: - Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o querem...No dia seguinte, o rei e o príncipe real caíram às balas de dois carbonários. E ali mesmo, no olho da tragédia, ao avistar João Franco, Maria Pia, a velha rainha-mãe, praguejou, apontando para os cadáveres de D. Carlos e D. Luís Filipe estendidos no chão do Arsenal: - A vossa obra, Senhor Presidente! Diziam que o senhor era o coveiro da monarquia. Foi pior. Foi o assassino de meu filho e de meu neto...D. Manuel assumiu a coroa – e atirou João Franco para o exílio. Alguns dos membros do Centro Regenerador Liberal da Cruz da Pedra, o braço político franquista, que tinha a sua sede na Travessa de Sanches de Baena, eram também sócios do Sport Benfica - e Faria Leal contou não muito tempo volvido: «Porque os franquistas haviam abandonado, na retirada, armas e bagagens –numa simulada assembleia geral, aprovámos acta testamentária a considerar por herdeiro o Sport Benfica, que assim se viu pomposamente instalado, com uma sala de bilhar e um decente e moderno mobiliário...» Tinha campo, tinha sede – só não tinha grandes jogadores de futebol. Cosme Damião, a alma do Sport Lisboa, também era um dos 129 sócios do Sport Clube de Benfica. E como o SL tinha jogadores, mas não tinha campo, lembrou-se de fundi-los. António Freire Sobral apresentou em AG a proposta de junção e sugeriu o nome: Sport Club de Lisboa. Achou-se que ficaria melhor Sport Clube de Lisboa e Benfica – e a 13 de Setembro de 1908, ao oficializar-se a união, a designação que se acertou, à última hora, foi Sport Lisboa e Benfica. 720 réis por causa de um candeeiroJoão José Pires, que a 28 de Junho fora eleito presidente do Sport Clube de Benfica, foi indicado primeiro presidente do Sport Lisboa e Benfica – após a fusão com o Sport Lisboa. Ao assumir o cargo teve de suportar dívidas que vinham de Belém: 157$500, sendo, por exemplo, 110 mil réis ao salão de jogos da Viúva Sena Cardoso e 47$500 a uma mercearia! Lá, no SL, criara-se, entretanto, outro costume: no final dos jogos, aos adversários ingleses, dava-se... uísque. Pouco depois Cosme Damião, o capitão da equipa de futebol, pagou às Companhias Reunidas Gás e Electricidade 720 réis – por «prejuízos causados num candeeiro d´iluminação», uma bola que ele chutara violentamente, galgara a vedação do campo e partira globo e lâmpada! Como Lisboa se iluminava...A ideia de iluminar as ruas de Lisboa foi do intendente da polícia Pina Manique, no reinado de D. Maria I. Os primeiros apareceram por volta de 1780 – eram lampiões de azeite, suspensos em consolas, davam uma luz ténue, fusca, apenas. Já no século XIX substituiu-se o azeite por óleo de purgueira ou de baleia, mais barato, mas muito mais mal cheiroso – e houve um tempo em que também se tentou por petróleo.Em 1848 havia em Lisboa 2168 candeeiros a óleo – e a Companhia Lisbonense espalhou pela cidade os «vaga-lumes» - que se acendidam manualmente. No ano seguinte eram já 402 os candeeiros a gás. Trinta anos depois, D. Luís ofereceu à Câmara Municipal seis candeeiros de lâmpadas de arco tipo Jablochkoff, que tinham sido usados na Cidadela de Cascais, por ocasião das festas de aniversário de D. Carlos. Eram iguais aos que, quatro meses antes se usaram para iluminar a praça do Teatro da Ópera em Paris – e foram instalados na rua dos Mártires, no Chiado, no Largo das Duas Igrejas e na varanda do Hotel Gibraltar. As «velas Jablochkoff» eram de carbono – e não duravam mais de hora e meia. Por isso, para mantê-las acesas precisava-se de servente de escadote, sempre pronto, sempre alerta – que no fim da combustão de cada uma a substituísse. João Rodrigues Ribeiro era padre, reitor do Liceu de Santarém – e «hábil mecânico». Celebrava missa com um cálice que ele próprio fabricara – e imaginou o «comutador automático» - que resolvia, de facto, a baixo custo e com grande simplicidade o problema da iluminação eléctrica de Jablochkoff. Em 1879, publicou o seu plano de «comutação de velas» no Jornal das Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais – mas apesar das suas qualidades não registou a patente, nunca se levou à prática a sua invenção. E por entre a discussão sobre o seu alto custo e o seu «eventual perigo para a saúde», os seis candeeiros que iluminaram a esplanada da Cidadela de Cascais e foram motivo de pasmo na cidade afundaram-se assim na penumbra da história.Em 1887 a Câmara Municipal celebrou com uma empresa belga contrato para fornecimento de gás à cidade – e colocou-lhe como condição que iluminasse a Avenida da Liberdade e os Restauradores. Utilizou-se o sistema de manga incandescente – e dois anos depois, inauguraram-se os primeiros 38 candeeiros eléctricos na Avenida da Liberdade. Em 1902 estava já generalizada a iluminação das ruas, durante a I Guerra muitos deles apagavam-se para que se poupasse em energia - e apenas em 1965 deixou de funcionar o último candeeiro a gás na cidade, no Campo de Santana...

À espada, duelo de Afonso Costa contra o conde do comité olímpico - Jornal a Bola

Por António Simões:
Nasceu «exposto na roda», eufemismo usado para bebés abandonados. Mal entrou no Parlamento, Afonso Costa escreveu carta à mulher a dizer: «já comecei a guinchar» - e logo se falou dele como «deputado da peste». Andou ao soco, lutou à espada, pelos seus duelos passaram o Conde do Comité Olímpico e a guerra ao monopólio do inglês que levou a primeira bola de futebol para a Madeira... Foi em 1884. Nunca na política, o desafio, a batalha, se fizera assim. Sebastião de Magalhães Lima era já advogado ilustre – e, republicano e maçon, fundara O Século. Ao saber que por ocasião das eleições houvera na Madeira, onde Manuel de Arriaga era candidato, violenta carga policial – correu para o seu jornal e «tomando a pena» desafiou o rei D. Luís para pancada: «Eu não posso bater-me com os lacaios de vossa majestade, mas se vossa majestade tem nas veias o sangue quente dos seus avoengos, desça à rua e me encontrará um adversário». O impulso do sangue quente – levou-o a condenação a ferros no Limoeiro, outras vezes por lá passaria. Ah! E outra vez também se bateu em duelo ao sabre com Pinheiro Chagas, então director do Diário da Manhã, deixando-o ferido. Inspirado nesse espírito de Magalhães Lima, refinando-o, aguçando-o, radicalizando-o, entrou Afonso Costa na política. Polarizou paixões e ódios. Tornou-se ídolo de multidões – que o cunharam Pai da República. Outro tanto frenesim despertou em adversários e inimigos – que lhe chamaram Chefe de Calceteiros, Jacobino de Algodres, Conspirador Bolchevista, Mata-Frades. No Parlamento temiam-lhe o ardor e a ironia, o tiro mordaz, o sorriso perverso. Num ponto, todos concordam: sem ele, sem a sua coragem, o seu voluntarismo, a monarquia não teria caído quando caiu, como caiu. E Joaquim Vieira escreveu na sua Fotobiografia: «Pertence àquela pequena galeria de homens que passaram à História envoltos por lendas. Apologéticas e demonizadoras. Ora idealista e patriota. Ora ambicioso e sem escrúpulos. Ora democrata. Ora ditador. Chegou dele a dizer-se que batia na mãe...»Cabeça como «assador de castanhas»Segundo Oliveira Marques, «chegou ao mundo fraco, com escrófulas e achacado» - e sobreviver foi a sua primeira grande batalha. Ele, Afonso Augusto da Costa sempre disse ter nascido em São Tiago, Seia, a 6 de Março de 1871. E isso é certo – só que nesse dia no registo paroquial o único Afonso que aparece é Afonso Maria de Ligório, «exposto na roda» - eufemismo que então se usava para bebés abandonados à nascença. Ligório, dizia-se, lhe chamaram em homenagem a um arcebispo de Milão que protegia jesuítas. Sobre as suas origens nunca quis falar muito, disso fez mistério. De saúde débil, aos três anos dos médicos «deram-no como perdido» - por uma angina. Acabara de fazer 10 quando foi perfilhado por Sebastião Fernandes da Costa, advogado que deixara o Seminário de Coimbra e o «destino de padre» e que depois se envolvera em nebuloso relacionamento com Ana Augusta Pereira, «filha de uma tecedeira de Gouveia precocemente cega, a quem morrera o marido em consequência de perseguições do facínora João Brandão». É o nome dela que aparece, como mãe, no BI de Afonso Costa. Que de si próprio contaria: «Já de pequeno era bastante insubmisso: gostava muito de brincar com a água e de jogar a bilharda, o pião e ir aos ninhos, jogar a travar lutas com condiscípulos, estabelecer verdadeiras guerras de pedra com a garotada, ficando tantas vezes com a cabeça rachada, que se cortasse o cabelo à escovinha, ela faria lembrar um assador de castanhas». O «deputado da peste» a guincharAos 12 anos, mandaram-no estudar para a Guarda – brilhava nos estudos, dava nas vistas na sala de ginástica – e «nos pátios e nas ruas, improvisando ruidosas brincadeiras que não raro terminavam por batalhas e duelos, ora à pedra, ora ao soco. Não costumava recuar, nem desistir, e se levava muito dava sempre quanto podia». Assim continuou. Sempre. Para Coimbra foi, então, Afonso Costa estudar direito – e foi a contestação ao Ultimatum que o lançou, fulgurante, à política. Tinha 19 anos. Já doutorado, em 1900, com 29, tornou-se deputado. Ele, Paulo Falcão e Xavier Esteves foram os primeiros que o Partido Republicano teve. Eleitos pelo Porto. Surto de peste negra levara o governo de José Luciano de Castro a criar na cidade cordão sanitário formado por militares – despertando a ira popular, que o PRP aproveitou. Por isso (e não só...) lhes chamavam «os deputados da peste». No dia 19 de Junho de 1900, Poças Falcão, presidente da Câmara de Deputados, deu-lhe, inquieto, a palavra – pela primeira vez. No jornal O Norte, João Chagas escreveu: «Todos os olhares caem sobre o deputado do Porto, que começa a falar alto e no seu habitual tom de energia. Começa a ler, lentamente, como um juiz lê uma sentença, aquela formidável moção de ordem. O murmúrio, a princípio vago, vai aumentando. É a tempestade que quer rebentar. Mas Afonso Costa não lê: impõe. Quando ele conclui – porque conclui! – é um ah! de espanto!»O que Costa pedira ali – não era um pedido qualquer. Era um manifesto. O que ele pedira era que a substituição das instituições monárquicas - «por outras diferentes, de feição republicana, graças às quais o governo da Nação pertence à própria Nação e não a uma família, casta, grupo ou classe privilegiada e seus aderentes». Falcão cortou-lhe a palavra – e antes de abandonar a sala lançou, ainda mais provocador, em desafio: «A última partida há-de ser nossa». Chegou a casa – e escreveu carta à mulher, dizendo-lhe: «Já comecei a guinchar»! O primeiro até no... soco!O Novidades, diário... governamental, comentou assim a sua estreia parlamentar: «É dos três republicanos o de palavra mais correcta, mais espontânea, com modulações mais variadas. Dos três é o que sabe encontrar notas de originalidade e tem arrojos de expressão que revelam o orador de raça». E Oliveira Marques acabaria por dar ainda melhor recorte à sua virulência, à sua eficácia, anos depois: «Foi ele talvez o mais poderoso aríete na demolição do regime. Chegava a intervir nos debates diariamente, discursando, respondendo, interrompendo, requerendo, propondo». Num ápice se veria que não havia na monarquia deputado republicano mais turbulento, mais truculento, mais agitador. Quer pelas palavras, quer pelos actos. Em 1902, bateu-se ao soco com Sampaio Bruno – em plena Rua Sá da Bandeira, por o seu correligionário o ter acusado de «desleal republicano». Passados seis anos Afonso Costa deu dois murros a Martins de Carvalho, deputado franquista, em plenos Passos Perdidos – levando José de Castro, futuro ministro republicano, a exclamar: «Sempre o primeiro! O primeiro no parlamento, o primeiro no foro e até o primeiro no soco!». Adiantamentos para não pagarCorreu o tempo e D. Carlos continuou a intitular-se, pomposo, Rei de Portugal, d´Aquém e d´Além Mar em África, Senhor da Conquista e da Navegação da Etiópia, da Arábia, da Pérsia e da Índia – mas era o monarca de mais acanhados rendimentos em toda a Europa. Para os seus gastos, o orçamento de Estado atribuía-lhe 100 contos anuais – e 60 à rainha D. Amélia, outro tanto à rainha-mãe, D. Maria Pia, 20 ao Príncipe Real, D. Luís Filipe, 10 a infante D. Manuel e o mesmo a D. Afonso, irmão do rei de quem se dizia que não casava por falta de dote. Chamavam-lhe A Lista Civil – e todo esse dinheiro não bastava para sustentar o aparato do regime, conservar palácios, pagar viagens e cerimónias, queixava-se a Casa Real – e em segredo, continuava a pedir à Fazenda adiantamentos que nunca pagava. Aires de Ornelas, o ministro do futebolBernardino Machado, lente de Coimbra, eleito presidente do directório do Partido Republicano, ao desembarcar na estação do Rossio – tinha à sua espera multidão de apoiantes. Sobre eles carregou a polícia com violência – causando 70 feridos. O comandante da polícia revelou que Hintze o instruíra no sentido de «prevenir com antecedência os maiorais do Partido Republicano», de se absterem de «dar gritos subversivos», de se manifestarem «contra as instituições». Os jornais republicanos da manhã seguinte foram todos apreendidos «à ordem do Juízo de Instrução Criminal» - e até no Diário de Notícias, que era a «voz do ordeirismo», se lamentaram as «violências de déspota». Dois dias depois, D. Amélia foi a uma tourada no Campo Pequeno – e quando Afonso Costa entrou na praça largaram-se vivas à República e alguém contou que a rainha não contivera as lágrimas ao ver aquele frenesim, aquela algazarra, «tanta gente a virar as costas ao camarote real». Foi nesse cenário a rasgar-se no drama que a17 de Maio de 1906 se deu a demissão de Hintze Ribeiro – e assim se colocou ponto final no rotativismo que se iniciara em 1893, o seu último governo durara dois meses apenas. Face ao desprestígio dos dois principais partidos, o Progressista e o Regenerador, à queda sucessiva dos ministérios organizados ora por um, ora por outro, dois dias passados o rei chamou João Franco, chefe do Partido Regenerador-Liberal ao governo. Mal tomou posse prometeu «governar à inglesa, desenvolvendo a instrução e afastando-se do proteccionismo e do favoritismo reinantes na administração pública portuguesa». Amnistiou os crimes de abuso de liberdade de imprensa – e os amotinados dos cruzadores. O seu ministro da Justiça era Aires de Ornelas, que em 1888 participou no primeiro «ensaio» de futebol que se fez em Portugal Continental - na Parada, em Cascais, uma bola que Guilherme Pinto Basto trouxera de Inglaterra. Outros ilustres que então jogaram? Salvador Correia de Sá Benevides, o visconde de Asseca – oficial de engenharia militar, que depois se tornou oficial-mor da casa real e vedor de D. Manuel II. E Vasco de Sabugosa, conde de S- Lourenço – que na aclamação de D. Manuel II haveria de servir como alferes-mor do Reino, o pai o Conde de Sabugosa, mordomo-mor de D. Carlos, era o poeta distinto que fez parte dos Vencidos da Vida, a mãe a condessa de Murça, dama camarista da rainha D. Amélia. 8000 de défice, 4000 da Casa Real! Em Junho de 1906, o rei ordenou, por proposta de João Franco, a dissolução das Cortes, eleitas dois meses antes. Novas eleições se marcaram para 19 de Agosto – Franco ganhou-as e em Lisboa o Partido Republicano elegeu quatro deputados: António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga e João de Menezes. O parlamento abriu em Setembro – e as primeiras sessões giraram em torno da questão da nacionalidade no indigitado Ministro da Fazenda: Ernesto Driesel Schroter, filho de austríacos. A explosão deu-se, logo depois, a 20 de Novembro. Quando Franco reconheceu em São Bento que o Ministério da Fazenda procedia, desde há vários anos, a «adiantamentos» de somas avultadas aos membros da família real. Era a primeira vez que um chefe de estado reconhecia as histórias que corriam pelos cafés em dichotes e lamúrias – que «dos oito mil contos de défice, quatro mil é a a Casa Real que os gasta», dizia-se. Expulso do Parlamento à... coronhada Em Novembro, Afonso Costa falou disso no Parlamento como «crime de peculato», agitou a câmara ao bradar: — É dinheiro arrancado ao pobre povo desgraçado, que o entrega com tanto suor e tantas lágrimas...E virando-se para João Franco incendiou ainda mais o cenário:— Ordena o povo que logo que esteja pago digo o Sr. Presidente do Conselho ao Rei: retire-se, Senhor, saia do país, para não ter de entrar numa prisão, em nome da lei! Com os deputados de pé, a sala a estoirar em burburinhos, frenesins e vozearias, Costa largou: — Por menos do que fez o Sr. D. Carlos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI. Tomás de Mello Sampaio, o Presidente da Câmara de Deputados, exigiu-lhe que retirasse a ofensa ao Rei, Costa reiterou-a. Intimou-o a abandonar a sala, ele recusou sair. Entraram soldados da Guarda levaram Afonso Costa para os Passos Perdidos, à coronhada. Por um mês o suspenderam de deputado – e os jornais republicanos mantiveram a questão ao rubro, a ferro e fogo. O Diário Popular escreveu: «A ladroeira está proclamada». O Mundo promoveu o rei a «gatuno, insaciável por dinheiro», a «bandido e assassino». E A Luta revelou: «com o dinheiro dos contribuintes D. Carlos terá adquirido em 1902 dois prédios para instalar uma amante». Do dinheiro que o Estado lhe dava, D. Carlos retirava para seu «salário anual» quatro contos e meio. Oficial do exército ganhava então 700 mil réis – e os operários da Carris até 350 mil. Assinatura anual de telefone andava pelos 50 mil réis - e botas de futebol na Casa Senna pelos 6500 réis. Por par de sapatos de senhora cobravam-se 3200 réis – e por um barril de água ao domicílio 200 réis. Golpe para rei não dever nadaEm Abril de 1907, D. Carlos dissolveu o Parlamento - e numa carta a João Franco pôs, preto no branco: «São precisas obras e não palavras. De palavras, bem sabemos está o país farto». E, depois, numa entrevista ao jornal francês Le Temps, revelou: «Caminhávamos não sei para onde. Foi então que dei a João Franco os meios para governar. Fala-se da sua ditadura, mas os outros partidos, os que mais gritam, pediram-me também a ditadura. Para a conceber, exigia garantias de firmeza para levar as minhas ideias a bom fim. João Franco foi o homem que eu desejava».A 27 de Maio, o Partido Republicano fez grande comício na Avenida D. Amélia – que depois de 5 de Outubro passou a Avenida Almirante Reis. Votou-se moção de Brito Camacho em que se considera D. Carlos, ao aceitar a ditadura de João Franco, violava a constituição – e «lavrara, portanto, o termo da sua abdicação». Em funcionamento estava já o «gabinete negro», instituído pela Lei de Imprensa: delegados do Ministério Público censuravam tudo o que nos jornais pudesse incomodar o franquismo.Três meses depois, João Franco deu, enfim, conta certa aos Adiantamentos: 771 contos - e arranjou forma de liquidá-los num golpe contabilístico: 465 seriam pagos através do arrendamento de edifícios da Casa Real e 306 pela compra do iate Amélia. E foi assim que a Coroa ficou sem dever nada – e o Rei ainda viu a Lista Civil aumentada em 160 contos. Reacendeu-se, pois, o escândalo. Aquilino, a bomba e os comboiosEm ebulição andava a resistência republicana – e foi por essa altura que Lisboa se agitou com a notícia de que numa casa da Rua do Carrião, à Estrela, o médico Gonçalves Lopes e o comerciante Belmonte de Lemos foram «vítimas mortais da explosão de bombas que estavam a manipular». Com vida escapou Aquilino Ribeiro, então redactor de jornal republicano – que lá morava. A polícia levou-o, ferido, para a esquadra do Caminho Novo, acabaria por evadir-se dos calabouços. Eram os três da Carbonária - e logo Juiz de Instrução Criminal enviou à «Exma. Direcção dos Caminhos de Ferro do Estado, Serviço de Movimento», ofício que dizia: «evadiu-se calabouços da Polícia Civil de Lisboa o preso Aquilino Gomes Ribeiro, escritor, natural do Carregal, concelho de Sernancelhe e com os sinais seguintes: alto, magro, 22 anos, barba e cabelos crescidos de dois meses, cor pálida. Solicita-se a sua captura. O preso é da máxima responsabilidade, por ser acusado de um crime muito grave e por esse motivo se lhe recomenda a maior vigilância possível nos passageiros do seu comboio e se for reconhecido, deverá empregar todos os meios ao seu alcance para o deter tendo o máximo cuidado em o não deixar de novo evadir-se...»O caminho-de-ferro fora introduzido em Portugal em 1856. Em 1900 12 milhões de passageiros circularam nos comboios portugueses. Nos jornais, anunciavam-se excursões de comboio a Paris, ida e volta, por 45 mil réis em primeira classe e 35 mil réis em segunda – ou a Londres por 61 mil réis e 46 mil réis. O valor mais barato equivalia a mês e meio de ordenado de um funcionário público inferior, a semana e meia de salário para um chefe de repartição. De Sete Rios a Sintra, demorava-se duas horas... Na prisão, contra o que a carroça levavaPreso no Quartel de Cabeço de Bola, na sequência do falhanço do Golpe da Biblioteca de 28 de Janeiro de 1908, Afonso Costa escreveu a 30, no seu diário de cativeiro: «Pelas 10 horas da manhã levantei-me. Pouco depois, notei que na parada do quartel havia movimento desusado. Era uma carroça, que, segundo as conversas dos soldados perto do meu calabouço, vinha carregada de bombas apreendidas aos revolucionários! Podia lá ser! Mas a verdade é que, muitas ou poucas, sempre fui estranho e contrário a semelhante meio de luta, ainda mesmo só em defesa, por o considerar um perigo para quaisquer instituições, ainda as mais liberais. Não me parece que o problema das bombas tenha fácil solução. Esses desvairados, que um dia começaram a fabricá-las, arranjaram, pelo visto, prosélitos e imitadores. Esse terrível problema só se resolve governando bem, ou educando muito. Com a nossa miséria, com o nosso pavoroso analfabetismo e com os erros dos governantes, o mal agravar-se-à sempre, com perigo para todos nós, até para os que queremos novas instituições, em que esse meio de luta será tão perigoso como na monarquia...»Ponto assente, pois: Costa era contra a violência bombista, a lei da bala. E parecia que estava a advinhar: dois dias depois D. Carlos e D. Luís Filipe estavam mortos. Não, o regicídio não amansou a polémica dos Adiantamentos. Lá, na luta que ele adorava, que o empolgava, na Câmara dos Deputados, Afonso Costa voltou com ela à berlinda, acusou o Conde de Penha Garcia de como Ministro da Fazenda em 1905 ter dado 1,8 milhões de réis ao Infante D. Afonso e, provocador, largou: - Se os republicanos tivessem sabido mais cedo dos aidantamentos não havia já monárquicos em Portugal. Tumultos de novo – mais uma sessão suspensa. Carta dramática, braço a sangrar...Para duelo à espada francesa Afonso Costa o desafiou. Marcaram-no para 14 de Julho de 1908, na estrada da Ameixoeira, em Lisboa. Antes de para lá partir, Costa escreveu a Bernardino Machado carta em tom trágico: «Vou tranquilo para este lance. Se for fisicamente vencido, o meu sangue regará a terra sagrada da Pátria, e mais um passo se terá dado para a República. Bato-me pela nossa causa e, por isso, quando a sorte me seja pessoalmente adversa, convido-o, a si em nome de todo o nosso Partido, a dar à minha memória a compensação de uma vitória próxima».Sobressalto também em torno dos monárquicos - que temiam que se Costa fosse mortalmente ferido e os apoiantes o transformassem em mártir, mais um rastilho para a revolução. Houve quem afiançasse que foi por isso que o Conde de Penha Garcia, muito melhor esgrimista que Costa, se limitara, com a sua perícia, a atingi-lo, subtil, apenas num braço, que deixou a sangrar suave... Conde no COI mesmo com RepúblicaNo ano seguinte, em 1909, o Conde de Penha Garcia subiu à presidência da Sociedade Promotora de Educação Física, embrião do Comité Olímpico de Portugal - que promoveu os primeiros Jogos Olímpicos Nacionais. E saltou para delegado permanente de Portugal no Comité Olímpico Internacional, lugar que manteve mesmo quando, desfeita a monarquia, se exilou em Genebra. Nasceu no Fundão em 1872, filho de um grande proprietário da província da Beira Baixa, Presidente da Câmara, governador civil, presidente da Junta Geral de Castelo Branco, deputado em várias legislaturas e par do Reino. Depois de se formar em direito em Coimbra - em 1892 José Capelo Franco Frazão foi para Paris frequentar a École Livre des Sciences Politiques, onde se formara Pierre de Coubertin, o refundador dos Jogos Olímpicos. Mal regressou a Lisboa em 1895, ajudou a fundar a União Velocipédica de Portugal, tornou-se presidente do Centro Nacional de Esgrima, foi campeão de espada, iniciou actividade profissional na área do Direito, no escritório de Veiga Beirão – e dois anos depois filiou-se no Partido Progressista. A deputado chegou em 1898, eleito pelos territórios coloniais de Macau e Timor. Em 1900, D. Carlos atribuiu-lhe o título de conde de Penha Garcia – e quando a monarquia caiu, em 1910, era ele o presidente da Câmara dos Deputados. Hinton, o da primeira bola na MadeiraNão foi apenas contra o Conde de Penha Garcia que Afonso Costa lutou, audaz, à espada. Outro duelo travou – quando a monarquia estava já em estertor. Largos anos antes, em 1875, no largo da Achada, na Camacha, Harry Hinton organizou o primeiro jogo de futebol que em Portugal se fez – com bola que trouxera de Londres, onde estudava. O pai fora para a ilha tratar de doença, fundou a fábrica de açúcar de cana do Torreão, lá ficou. Harry cedo se dedicou ao «sport»: cricket, natação, ténis, tiro e pesca, em tudo foi ás. Epidemia de filoxera atacou em 1895 a Madeira, para lhe minimizar os efeitos o governo fixou por cinco anos o preço e as condições de importação de melaço, açúcar e álcool, concedendo mão-cheia de regalias alfandegárias. Em 1903, a Hinton & Sons que monopolizava o negócio na ilha pretendeu que o Estado lhe mantivesse os privilégios por mais 15 anos. Não o conseguiu de imediato - conseguiu-o, contudo, no orçamento de 1904. Cinco anos volvidos, o governo de Campos Henriques apontou para novo regulamento, Hinton ameaçou: se se mudasse o quadro exigiria indemnização de 673 mil libras. No impasse se foi ficando... Até que a 21 de Abril de 1910, Afonso Costa, no seu jeito incendiário, de nunca ter a discussão em anemia, revelou que ia levar a São Bento «cartas altamente comprometedoras» a propósito da Questão Hinton – e nesse dia a câmara de deputados não funcionou por falta de quórum. Prometeu lê-las na sessão seguinte. A que o governo faltou, «numa enormíssima prova de cobardia moral», alguém escreveu. As «cartas da polémica» eram de D. Fernando Serpa Pimentel, comandante do D. Amélia. Conhecera Harry Hinton a bordo do iate – quando ele por lá andava conviva de D. Carlos, isso logo se soube. Temendo que a sua leitura espalhasse ainda mais a arruaça pelo parlamento (e não só...) D. Manuel II publicou de imediato decreto encerrando as Cortes. Caíram mais achas na fogueira - o que só depois se saberia é que afinal as cartas não eram tão comprometedoras como Costa insinuara, mas não deixaram de acelerar o desejo de que a República acabasse de vez com o «regabofe da monarquia». Entre muros, duelo que Costa ganhouAfonso de Albuquerque escreveu em O Liberal artigo contra Afonso Costa, a título puxou: «Mentira, traição, calúnia, ladroeira». Acusava-o do roubo das cartas, de ser «a vergonha do parlamento, da advocacia, do partido republicano e da pátria». E logo Costa o desafiou para duelo à espada. Não se fez na via pública, como o de Penha Garcia - escondeu-se por trás dos muros altos da Quinta dos Loureiros, em Benfica. Venceu-o, atingindo Albuquerque no peito, deixando-lhe corte profundo, a sangrar. Afonso Costa aprendera esgrima na classe que Veiga Ventura montou na Penitenciária de Lisboa, Norton de Matos era um dos seus companheiros de treino, e sobre esse seu jeito escreveu Rocha Martins: «era bom esgrimista apesar de gaucher» - e outros duelos deixou pelas «pendências» com Augusto Forjaz, Teixeira de Vasconcelos e Pinheiro Chagas.
01:11 - 15-02-2010

domingo, 28 de março de 2010

Sociedades iniciáticas por Pedro Olavo Simões - JN de 28 de Março de 2010

Carbonária foi o motor da conspiração que levou ao 5 de Outubro de 1910, sendo enquadrada por sectores da Maçonaria portuguesa.

Talvez o êxito da revolução republicana tenha assentado na transição da propaganda para a conspiração. Solidificada a ideia de que só pela força das armas cairia a monarquia, havia que preparar o golpe de forma discreta e eficaz, isto é, com protagonistas que não o eram, na sombra permanecendo.
Assim se entendeu a consolidação da Carbonária, sociedade iniciática enquadrada por sectores da Maçonaria e não pelo todo desta, pois aí coabitavam republicanos e monárquicos.
Se o regicídio, a 1 de Fevereiro de 1808, também com dedo de carbonários, deixou num impasse a caminhada republicana, certo é, também, que foi com esta organização que se chegou ao 5 de Outubro de 1910. Se pode a Maçonaria ser apontada como uma organização de elites (nota A. H. de Oliveira Marques que metade dos ministros do Governo Provisório - 1910/11 - eram maçons), a Carbonária era, complementarmente, como nota Joaquim Romero Magalhães, "uma associação popular, deliberadamente interclassista".
O segredo do segredo era, justamente, o segredo. Expliquemo--nos. Com esta organização, formou-se uma vasta teia conspirativa, mas muito poucos eram os que tinham efectivo conhecimento do que era preparado. Para o êxito da estratégia valia a componente iniciática. Os rituais a que os "primos" (assim eram designados, à semelhança dos "irmãos" maçónicos) eram submetidos incutiam-lhes o sentido de discrição e a prontidão para promover a queda definitiva da monarquia. Quando tinham de agir, os "primos" pouco mais sabiam do que a tarefa específica que lhes cabia.
Nomes cimeiros da Carbonária, como o grão-mestre, Artur Luz de Almeida, ou o famoso tribuno António José de Almeida eram, simultaneamente, maçons. Com Luz de Almeida, António Maria da Silva e Machado Santos formavam a Alta Venda do Jovem Portugal, órgão de topo da Carbonária. Deles partia a estratégia e o recrutamento, a nível nacional (Luz de Almeida corria o país, fazendo-se passar por caixeiro-viajante) e estendido, especialmente a partir de 1909, aos militares.
Nem sempre a febre revolucionária dos carbonários estava em harmonia com as cautelas do directório, mas diligências do republicano Magalhães Lima, grão--mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, introduziu novos elementos militares na conspiração, para travar os ímpetos da Carbonária. Sempre em secretismo, e não com o brado popular que, por exemplo, era sonhado por João Chagas, a República foi preparada para ser ganha pelas armas, mas também com o apoio dos cidadãos. Nem revolta popular nem levantamento militar, o 5 de Outubro foi um misto das duas , enquadrado por estas organizações.

terça-feira, 23 de março de 2010

100 anos da República: portugueses de Macau influenciaram passado da China

Um ano após a implantação da República em Portugal, em 1910, seria a vez da China ver cair a dinastia imperial para dar lugar à república, uma ação onde os portugueses desempenharam um papel determinante.
João Guedes, jornalista e investigador português residente no território defende que a "influência de Macau na proclamação da República da China a 10 de outubro de 1911 é tão evidente, quanto mal conhecida" devido à falta de investigação.
"Uma parte significativa dos revolucionários da segunda metade do século XIX, que contribuíram para a implantação da República da China era originária da província de Guangdong, com destaque naturalmente para Sun Yat Sen", um médico radicado em Macau que viria a ser o primeiro presidente chinês.
Sun Yat Sen nasceu na pequena aldeia de Kui Heng, a pouco mais de 30 quilómetros de Macau e viveu no território onde, confessou, "ganhou consciência social".
Depois de concluir o curso de medicina em Hong Kong, Sun Yat Sen fixa-se em Macau, exerce no hospital Kiang Wu e estabelece um consultório e uma farmácia.
"Ele próprio afirma que o exercício da medicina em Macau visava facilitar as suas actividades propagandísticas contra o Império", sublinha João Guedes.
O jornalista explica que Sun Yat Sen formou em Macau o "bando dos quatro", um "grupo impulsionador da formação dos clubes de leitura que incentivavam a população a ler jornais e levava a cabo sessões de propaganda política."
Viviam no território "alguns dos vultos mais destacados" que a república chinesa haveria de produzir, publicavam-se jornais proibidos no continente e que derivavam de várias orientações políticas e que eram depois distribuídos clandestinamente na China.
João Guedes defende também que o republicanismo que dominava na Maçonaria - que tinha forte implantação em Macau através do Grande Oriente Lusitano - "explica" a cumplicidade de Macau nas actividades subversivas contra a China Imperial e salienta a figura de Francisco Hermenegildo Fernandes, proprietário de diversos jornais em Macau, um maçon que era o contacto entre os republicanos chineses e as autoridades locais.
"Foi Francisco Fernandes que acolheu Sun Yat Sen em Macau após a sua primeira e malograda tentativa de revolta contra o regime imperial (1895), organizando-lhe a fuga para o Japão. Há correspondência entre Francisco Fernandes e Sun Yat Sen, que revelam além do grau de amizade pessoal, a partilha dos mesmos ideários políticos e, em determinados aspetos, os laços de fraternidade maçónica que detinham entre si", disse.
Por Macau passaram também vários ideólogos chineses, desde liberais a republicanos que influenciaram Sun Yat Sen e os seus correligionários, destacando-se Zheng Guan Yin, autor de várias obras de economia - escritas e publicadas em Macau - que refletiam as correntes mais modernas do pensamento económico do liberalismo Ocidental.

domingo, 2 de agosto de 2009

Vinganças republicanas.


Jornal ABC (Madrid), 10 de Julho de 1912 (do correspondente em Lisboa)

As notícias sobre uma República nada tolerante e extremamente repressiva repetiam-se nos jornais nacionais (a que a censura não deitava a mão), mas sobretudo nos periódicos estrangeiros. A vingança contra monárquicos, clérigos, católicos e não apoiantes, foi o pão nosso de cada dia até 1926. Perseguições e assassinatos constituíram os métodos para consolidar o regime imposto em 5 de Outubro de 1910. A Carbonária, que preparara o regicídio, nunca esmoreceu no seu papel de exército subversivo que limpava o caminho aos senadores da mui fraterna e democrática República.