quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O habitual cheirinho a derrapagem



Quem passe pela zona da fábrica da electricidade em Belém, depara com um grande estaleiro de demolições. No sítio, erguer-se-á o novo Museu dos Coches, projecto tão controverso quanto necessário, por várias razões.

Pode ser bastante discutível a construção de um imenso bloco de betão naquela zona. Isto, em detrimento do espaço já existente e susceptível de ser prolongado através de um túnel que ligaria o Picadeiro à nova zona hipoteticamente situada na Calçada da Ajuda, em instalações desactivadas e que têm pertencido às Forças Armadas. Esta era entre outras, uma das propostas aventadas. Contudo, há que fazer algo que corrija a actual situação de desleixo e pouco interesse estético do conjunto de carruagens que se encontram amontoadas sem qualquer critério.

A colecção deve ter uma apresentação condigna, com espaço, luz, qualidade ambiental e oferecendo a possibilidade de visitas mais longas às exposições a realizar. Decerto contaremos com mais viaturas provenientes de Vila Viçosa e se existir algum bom senso, o Museu poderá alargar em muito, o âmbito das suas actividades.

O que parece inacreditável, é a pressa no anúncio da conclusão da obra a ser inaugurada dentro de dez meses. Será possível tal milagre? Num país onde a construção de um pequeno colector de rua demora anos a fio, como podem ousar prometer a abertura de portas do Museu dos Coches no próximo 5 de Outubro de 2010 ? É um autêntico jogo do risco a que a tutela se sujeita e veremos se esse afã construtor não implicará como é habitual, uma colossal derrapagem de custos que claro está, jamais serão adjudicados às comemorações da famigerada república. Se a isto acrescentarmos a homenagem da Câmara Municipal de Lisboa ao Buíça - as tais pretensas "cartas de marear" no Terreiro do Paço-, aí temos a mais reles provocação em todo o seu duvidoso esplendor.

Sabemos como as coisas funcionam. Engenheiros que se atrasam nos projectos, modificações de última hora na arquitectura, faltas na entrega de materiais, etc. Desta vez, será salutarmente desejável o catastrófico adiamento da conclusão das ditas obras, eximindo o próprio regime à vergonha do enaltecer da usurpação, subversão, assassínio e toda uma longa série de deboches aviltantes que o regime de 1910 significou. Para nem sequer falarmos da apropriação de símbolos que significam precisamente o oposto daquilo que querem comemorar, isto é, a consagração dos futuramente anónimos senhores deste preciso momento.

Estas fortes chuvadas com as consequentes enxurradas, são um excelente sinal dado pelo braço forte de uma Natureza que é mais sábia que uns tantos milhões de neurónios alojados aqui e ali nos cérebros dos decisores dos nossos destinos e carteiras.

Existem sérias dúvidas acerca da viabilidade da dita inauguração na data anunciada. Esta gente gosta de anunciar e principalmente, de inaugurar para telejornal ver. Talvez - e com muita sorte - lá consigam realizar uma cerimónia onde cheguem nos nossos Mercedes pretos a 150.000 Euros/unidade, com batedores da policia e banda da GNR. Um grande discurso acerca das novas iniciativas do progresso, uma fita verde e vermelha a ser cortada por um desconhecido de ocasião e aí, a oficial inauguração do futuro colector de esgotos do futuro edifício do remotamente futuro Museu dos Coches. Tal e qual como as famosas auto-estradas inauguradas a metro. Logo a seguir, um grandioso repasto a ser debitado nas despesas de representação do Estado.

O povo paga para no final da obra concluída e ao ler as brochuras referentes ao Museu dos Coches, ter a perfeita consciência do valor da colecção e principalmente, a quem ela se deve.

Logo à entrada, inevitavelmente estará o retrato da fundadora, benevolamente sorridente e grandiosa no seu majestático porte. Quem se lembrará então dos presidentezinhos disto e daquilo, de ministrozecos de caspenta barbicha, das pançonas de secretários de Estado ou dos opinionistas regimentais?

A realizar-se pela multiplicação de esbulhos, derrapagens e todo o tipo de subsidiarismos do costume, a inauguração do Museu dos Coches "em 5 de outubro de 2010", será um violento e masoquista estaladão que a república desfere na própria fuça. Ficamos a rir.


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