sexta-feira, 6 de novembro de 2009

«Os republicanos e o comicio do Porto» [visto do interior de Portugal]

No meio da crise angustiosa, que temos atravessado, e continua, vemos os republicanos, propugnadores das ideias avançadas, apparecerem na praça publica, a fazer manifestações ruidosas, a voltar aos ventos e encher os ouvidos da plebe, de palavras de patriotismo, com o fim, não de resolver o momentoso problema da dificil situação economica e financeira, que nos assoberba, mas -oh! patriotas- para tão sómente crearem difficuldades ao governo.
Discursos, palavras, gestos declamatorios, telegrammas para a imprensa estrangeira annunciando a revolução, eis as armas que de se serve esse grupo de portuguezes para salvar a situação.
Só a república -entendem esses senhores- póde salvar o nosso credito abalado, restaurar as nossas finanças e melhorar a situação economica do paiz.
É ridiculo esse movimento; magoa até, vêr meia duzia de aventureiros, appellidarem-se de portuguezes, todos inchados de patriotismo, apresentaram-se para salvar a patria, quando, na quasi totalidade, ignoram os principios mais rudimentares de administração publica e desconhecem por completo a forma de restaurar o nosso credito e finanças.
Nem um plano, nem um alvitre, sequer, indicam. Cerebros vasios que, na sua ignorancia, pretendem saltar por cima dos homens praticos e de reconhecido saber, para impõrem uma ideia ao paiz que poderá ser bonita como ideal, mas deixaria em peor estado a nossa situação.
Quando, depois do ultimatum houve o movimento contra a Inglaterra pelo assalto de tigre com que nos feriu na nossa dignidade nacional, houve enthusiasmo que, por vezes, subiu até ao delirio, e a resistencia, embora exhorbitante, produziu algum resultado util.
Assim houve, e ainda ha, quem movido justamento pelo odio contra a Inglaterra, repudiasse productos da industria ingleza, para se fornecer dos de industria nacional. Este facto é legitimamente patriotico. (…)
Á semelhança do que se fez desejaria eu que esses patriotas republicanos, em vez de blafesmarem na praça publica, e insultarem pela imprensa as instituições e os homens publicos, se congregassem e unissem em um só pensamento, promovendo por todos os meios uma grande subscripção que tendesse a exonerar-nos dos encargos que pesam sobre a nação; que apresentassem e publicassem planos financeiros com o mesmo fim; e finalmente que fizessem alguma cousa de util e proveitoso para o paiz.

F., - A Justiça [de Cinfães], 5-Setembro-1897.

Nota: Este artigo refere-se ao comício realizado na rua do Bonjardim no dia 13 de Junho de 1897 e onde Afonso Costa, que mais tarde haveria de ser um dos mais destacados paladinos do extremismo republicano português, fez um discurso inflamado perante um auditório de comerciantes e caixeiros - território humano bastante susceptível de adesão aos movimentos minoritários e revolucionários do republicanismo. Era aliás esta pequena burguesia, juntamente com o proletariado e operariado rural destacado no Porto, que levava até Cinfães os ideais de república, que relutantemente contaminariam os jornaleiros, lavradores ou proprietários locais, pouco instruídos, pouco politizados e tementes à Religião.

4 comentários:

NRC disse...

Excelente e lúcida análise.
Pena que não tenha havido mais gente a pensar o mesmo, na altura.
Mas afinal, ainda hoje andam por ai muitos à nora a seguir uns poucos demagogos.

Bom F.S. e bom trabalho!

rotunda disse...

Nunca houve uma reacção monárquica digna desse nome, pelo simples facto de não haverem monárquicos. Foi a debandada, mesmo antes da implantação da República, o rei e a família real andavam sozinhos. Nunca surgiu do povo a vaga de fundo para uma eventual restauração da monarquia. nem a monarquia do norte o foi. nada.
O país podia não ser republicano no seu todo, mas de certeza que não era monárquico. estava perfeitamente a borrifar-se, eventualmente na ignorância, para o assunto.

Borrifou-se o povo para o rei, como o (outro) rei se entediava e enojava com o "chiqueiro" do seu reino. lixou-se.

João Amorim disse...

Quando o "rotunda" fala da" vaga de fundo" deve estar-se a referir a uma "organização" como a carbonária e as milícias populares que propagavam o terrorismo? os "monárquicos" tinham de andar de cartão ao peito? De 1910 a 1926 quem entrasse numa Igreja a discutir política, quem nas filas para comprar pão fosse ouvido a discutir o regime, quem se reunisse em comícios sem autorização da GNR, quem escrevesse contra a República era perseguido e espancado. Sabia que quem falasse publicamente mal da república era registado e não podia votar? Leu ou viu algumas das imagens do funeral da rainha D. Amélia em Lisboa, 1959 (salvo erro)? O "rotunda" anda às voltas de um discurso malicioso. A "República" sobreviveu através de sucessivas ditaduras até 1974 e depois daí também não sei...

Anónimo disse...

"lixou-se"? Rotundo dislate.
Lixaram-nos.