sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Parece que foi ontem...


9 de Outubro de 1910

Oh, meu Deus; nestas ocasiões é que eu queria ver por dentro estes homens lívidos e com um sorriso estampado na cara, que sobem as escadas dos ministérios para aderirem à República!
É este e aquele, os que estão ameaçados de perderem os seus lugares, as altas situações, o Poder. Os tipos não importam – o que importa é o fantasma que transparece atrás da figura; o que importa é o monólogo interior, as verdadeiras palavras que não se pronunciam, o debate que não tem fim, o que nestas ocasiões de crise ruge lá dentro sem cessar. Escutá-los a todos! Possuir o dom mágico de ouvir através das paredes e dos corpos!…Toda a noite, toda a noite de Cinco de Outubro, quantos perguntaram, ansiosos: quem vai vencer? Onde é o meu lugar? …Bem me importam a mim as tragédias e as mortes!… Interesses, ambição, medo, tantos fantasmas que nem eu supunha existirem e que levantam a cabeça!…
Não há nada que chegue a estes momentos históricos em que o fundo dos fundos se agita e remexe, para cada um se avaliar e saber o que vale uma alma…
E o desfile segue – o desfile dos tipos que sobem as escadarias dos ministérios, dos que descem as escadarias dos ministérios, uns já com o olhar de donos, mas vacilantes ainda, sem poderem acreditar na realidade, outros com um sorriso estampado que lhes dói. Estamos todos lívidos, por fora e por dentro…

Raul Brandão, Memórias (13º Volume), via Caminhos da Memória.

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