segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A MORTE SAIU À RUA

A morte saiu à rua num dia assim

Naquele lugar sem nome para qualquer fim

Uma gota rubra sobre a calçada cai

E um rio de sangue dum peito aberto sai


O vento que dá nas canas do canavial

E a foice duma ceifeira de Portugal

E o som da bigorna como um clarim do céu

Vão dizendo em toda a parte o rei morreu!


Teu sangue, Rei, reclama outra morte igual

Só olho por olho e dente por dente vale

À lei assassina à morte que te matou

Teu corpo pertence à terra que te abraçou


Aqui te afirmamos dente por dente assim

Que um dia rirá melhor quem rirá por fim

Na curva da estrada há covas feitas no chão

E em todas florirão, as flores duma nação


Poema de José Afonso, com ligeiras alterações minhas que em nada afectam o seu sentido.

4 comentários:

Anónimo disse...

porra... é preciso ter lata!

josé afonso às voltas no caixão...

pedro oliveira disse...

Hoje falar-se-á muito dum professor e dum pintor.
Assassinar um artista é, de algum modo, matar, simbolicamente, a cultura de Portugal.
O Sr. Dr. José Afonso ilustrou dum modo magnífico essa morte simbólica no poema que podemos ler ali em cima.
Detenhamo-nos nalguns pontos:
Uma gota rubra sobre a calçada cai e um rio de sangue dum peito aberto sai.
Uma gota rubra, não caiu na calçada sangue azul, jorrou o sangue dum homem, sangue igual ao que nos faz bater o coração, um rio de sangue dum peito aberto sai.
Teu sangue pintor reclama outra morte igual.
A morte do Rei artista (pintor) e do filho primogénito do Rei (outra morte igual).
Eu, provavelmente, muitos leitores, entendia este poema como um poema para Catarina mas nos campos do Alentejo não há calçadas e a enigmática referência ao Pintor (assim em maiúsculas) sempre me confundira.
A ceifeira de Portugal (reparem não refere a ceifeira da república portuguesa) será uma alegoria à agricultura, o som da bigorna uma alegoria à indústria.
Como um clarim do céu vão dizendo em toda a parte o pintor morreu
Tal como Zeca entre os assassinos e a cultura prefiro a cultura.
[publiquei isto no meu «blog» em 2008.02.01]
Não deixa de ser interessante partirmos ambos do mesmo poema para efectuarmos «a mesma» análise.

Luís Bonifácio disse...

No poema de Zeca Afonso, o Pintor era José Dias Coelho, abatido a tiro numa rua de Alcântara.

pedro oliveira disse...

Eu agora sei, Luís.
Na altura comentaram assim o meu «post»:
"um minimo de investigacao levaria a encontrar o significado da letra...nao se refere a catarina, refere-se a josé dias coelho, funcionario do pcp e lutador antifascista.

Esta semana morreu outro grande pintor, Rogerio Ribeiro...mais um pintor morreu..

«Na noite de 19 de Dezembro de 1961, José Dias Coelho, funcionário clandestino do PCP, seguia pela Rua dos Lusíadas. Cinco agentes da PIDE saltaram de um automóvel, perseguiram-no, cercaram-no e dispararam dois tiros. Um tiro à queima-roupa, em pleno peito, deitou-o por terra; o outro foi disparado com ele já no chão. Os assassinos meteram-no no carro e partiram a toda a velocidade. Só duas horas depois, quando estava a expirar, o entregaram no Hospital da CUF.»

«Artista plástico de mérito reconhecido, José Dias Coelho aderiu ao PCP com pouco mais de vinte anos e algum tempo depois passou a funcionário clandestino. Entre muitas tarefas que desempenhou, nomeadamente a de responsável pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP, da actividade de José Dias Coelho enquanto funcionário do Partido, sobressai o importante trabalho, realizado com Margarida Tengarrinha, relacionado com a falsificação de documentos de identidade necessários aos quadros clandestinos do Partido.»

«De todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas»: eis a legenda que José Dias Coelho escreveu na sua última gravura, criada um mês antes de ser assassinado, e representando o assassínio do operário Cândido Martins (Capilé) à frente de uma manifestação popular.»"