sábado, 6 de fevereiro de 2010

O republicanismo em Portugal: uma análise.

Um dos factos que as actuais comemorações do Centenário permitem esclarecer é que existem pouquíssimos republicanos, ou seja, portugueses que se identificam com o regime e nele acreditam, que sabem destrinçar entre os símbolos identitários nacionais e a iconografia da república portuguesa, por exemplo. Uma viagem pela internet oferece-nos uma leitura proveitosa, a que alguns chamariam sociológica.

Por um lado, um pequeno punhado de literatos, na maioria ligados ao ensino (universitário ou liceal) inauguraram blogues cujo objectivo é veicular informações sumárias de carácter histórico, biográfico e bibliográfico sobre o regime e a sua ideologia. São discretos. Exaltam, embora de forma velada, a maçonaria (a cuja instituição devem pertencer) e outros instrumentos do republicanismo português. O seu projecto é anónimo ou quase (assinam o trabalho com iniciais e, ou, pseudónimos) e constituem um movimento silencioso que conquista através da publicação de um conjunto de imagens fortes que aliam a iconografia nacionalista à ideia de república como entidade indissociável de pátria. É o caso do Almanaque Republicano e do "República 100 anos 1910-2010".

Por outro lado, destaca-se um conjunto mais activo e interventivo de blogues que, embora assumindo a sua posição republicana são, essencialmente, espaços de discussão política, onde se comentam os assuntos cadentes e onde a República é apenas símbolo, como a Esquerda Republicana. Dentro desta categoria podemos incluir, ainda, os blogues de opinião pessoal. Conhecemos poucos republicanos dispostos a lutar pela república no espaço da internet, mas devemos destacar o sítio do Prof. Carvalho Homem, defensor acérrimo dos valores republicanos que não se coíbe de promover em entrevistas, conferências e estudos históricos que executa ou dirige.

Finalmente os blogues ou sítios que apresentam conteúdos propedêuticos, para além de propaganda ideológica, são em maior número por força das circunstâncias comemorativas, mas ficam aquém do que se suporia. O facto é que o número de investigadores sobre a República Portuguesa é extremamente diminuto e está concentrado, sobretudo, na Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas), tendo à cabeça o Dr. Fernando Rosas, cuja formação de base até é o Direito. É uma historiografia tendenciosa, herdeira do pensamento do falecido Prof. Doutor A. H. de Oliveira Marques, grande historiador que nunca se coibiu de manifestar a sua protecção e predilecção pela obra republicana. Como tal, cabe aquele grupo de investigação fazer as honras do regime, que se desdobra em iniciativas e apoios para acalentá-lo. Em Coimbra, um núcleo menor, constituído por alguns moderados, fica com a restante fatia de investigação e influência historiográfica que, ainda assim, não tem força para ultrapassar o forte lobby lisboeta. Basta percorrer os escaparates das livrarias para aquilatar da dimensão e força deste grupo: todas as semanas são publicadas luxuosas edições sobre temas republicanos e História Contemporânea de Portugal.

Devemos assinalar, ainda que, recentemente, foi constituído na internet um grupo intitulado Republicanos Portugueses. A ele pertencem cerca de 500 pessoas. É um campo interessantíssimo de estudo. Constituído na sua maioria por emigrantes, são reveladoras as mensagens nacionalistas deixadas pelos seus elementos. Para eles, a ideia de republicanismo existe apenas na consagração de pátria, ou dos seus símbolos e ídolos (onde se destacam os futebolistas). Não há antítese possível a esta ideia, ou seja, a ideia de monarquia ou outro qualquer tipo de regime nem sequer é ali discutido. Apenas a anulação da pátria, pela supressão da nacionalidade. Neste sentido, a doutrinação republicana iniciada em 1910 falhou e mesmo que uma parte dos dez milhões de euros despendidos nestas comemorações se destinem à veiculação de “valores” republicanos pelas escolas do país (no fundo uma forma de catequese ideológica), julgamos que será necessário um orçamento semelhante, doravante anual, para criar alunos conscientes dos ideais de República.

Não há um movimento global de defesa da República, nem movimentos menores, que permitam identificar o apoio colectivo ao regime e à “ideologia”. Pontualmente, como no caso do 31 de Janeiro, pequenas colectividades, associam República e Resistência, confundido noções como democracia, fascismo, ditadura, etc. Mas essas associações não são republicanas: exaltam o espírito de liberdade e cidadania – uma análise do vocabulário utilizado na elaboração dos seus objectivos exclui a República e os seus “valores”. A “ética republicana”, expressão que nada significa e atenta contra a própria noção de ética, que se quer universal e plural, recusando ideologias e crenças, não tem raízes no republicanismo que herdámos da primeira república. É que apesar do período entre 1926 e 1974 constituir parte destas comemorações, contra a vontade de muitos dos seus corifeus, a doutrinação republicana foi suspensa nesse período, (a qual, em abono da verdade, resistiu em alguns indivíduos como forma de oposição, de resto elemento comum entre republicanos, monárquicos integralistas ou constitucionais, anarquistas, socialistas, marxistas, etc) para reintegrar-se, mais fraca, menos consistente, depois do 25 de Abril de 1974.

Por isso, e infelizmente, não pode a Comissão do Centenário senão ir beber nas fontes da Primeira República, profundamente exclusiva, nada moderada e fortemente autoritária. Mas, dado o tempo que atravessamos, tal colagem até pode fazer sentido…

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