domingo, 11 de abril de 2010

Fialho de Almeida, um exemplo

José Valentim Fialho de Almeida representa uma das mais correctas escritas da literatura nacional. Deixou ironia, mordacidade, e um estilo conseguido, interessantíssimo. Ele próprio devia achar que, por vezes, se excedia nas suas críticas. E depois temia - há exemplos concretos - os resultados da sua escrita, mormente o desafio para duelos por parte dos visados nas suas crónicas.
Aliás, nunca foi além dos contos. Muitos e belíssimos - é ler «A Ruiva», páginas imortais da nossa literatura. Mas, porque nunca chegou ao romance, ficou-lhe o «ódio» por tantos seus coevos, desde logo Eça.
Publicou muita crítica política e social, desvastadora, e será de perguntar porque a República não lhe ergueu estátua alguma - logo após o Ultimato, num seu escrito célebre, disse assim: «Há vinte anos que o País não faz senão gritar Viva a República»!
A explicação é simples - andados os anos, Fialho de Almeida publicamente manifestava o seu apoio ao Governo de João Franco.
Conheceu a mudança de regime. Mas já então era a favor da Monarquia. E morreu em 1911, em circunstâncias misteriosas, tudo levando a crer que se tratou de suicídio.
Fialho de Almeida foi um homem honesto. Nasceu pobre, casou rico. Viúvo, herdou considerável fortuna. Podia ter acabado os seus dias sossegadamente.
O seu percurso de vida merece um estudo que o status quo evita. Viveu republicano, envelheceu monárquico.
Fica aqui um excerto seu, de o 1º volume de «Os Gatos». Por ele se alcança muito: sobretudo acerca de certas histerias e da mentalidade de que despertou o regime agora centenário:
«CARICATURA DA VALENTIA ALFACINHA
Na noite em que explodiram as primeiras rebeliões contra o tratado, um homem depois de tomar o chá com a família, pôs os dois sobrolhos carrancudos, levantou a gola do casaco, e preparou-se a sair para as barricadas. Sobressalto da esposa, que branca de morte lhe pergunta, da cancela, o que vai ele fazer.
- O que vou fazer? Juntar-me aos meus irmãos: a pátria agoniza: saberei morrer, se for mister.
Ela suplica pela Virgem, que suba, e não exponha o repouso dos seus filhos: o que ainda mais a aziuma, o amor mavórtico do bravo. Mas já na rua, mirando os ares nublados:
- Cuidas então que isto pode ficar assim? Com mil demónios, nunca! Ouves? Manda-me cá abaixo o guarda-chuva.
Este valente podia bem chamar-se o povo de Lisboa».

3 comentários:

Anónimo disse...

O alfacinha era um revolucionário do tempo da pneumónica.

M. Figueira.

Filipa V. Jardim disse...

João Afonso,

Uma boa escolha a deste Fialho cheio de colorido e simultaneamente mordaz.
Mas olhe que era meio alfacinha, meio alentejano. Isso nota-se nos contos, especialmente.
As crónicas serão mais citadinas, mais mundanas...

João Afonso Machado disse...

Filipa:
Sim, perdia muito tempo a maldizer os literatos nas suas crónicas, e a sociedade em geral. "Actores e Autores" é um compacto exemplo disso mesmo.