quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Fontes

Fontes: Fernando de Castro Brandão, a 1ªRepública Portuguesa-uma cronologia, Livros Horizonte, Lisboa, 1991Eurico Carlos Esteves Lage Cardoso, Primeira República Em Datas e Ilustrada 1910-1926, edição do autor, Lisboa, 2008José Adelino Maltez, Tradição e Revolução uma biografia do Portugal Político do séc XIX ao XXI vol II, tribuna, Lisboa, 2004

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Monárquico sem vergonha – um ideal em três pontos

Quando somos chamados a reflectir sobre uma qualquer doutrina política, principalmente se a mesma for referente à chefia de estado de um país, neste caso do nosso país, arrastamo-nos quase sempre para o facilitismo do “porque sim”. Gostava que um qualquer republicano, ou monárquico que seja, me explicasse o porquê de preferir um rei ou um presidente para chefiar o seu país, neste caso Portugal. Os argumentos recorrentes dos “porque sim” levam-nos ao marialvismo monárquico por um lado e ao jacobismo esquerdista por outro. No fundo, os dois “porque sim” são a mesma coisa – transformados anualmente em material de show business, pronto a animar as madrugas televisivas dos vários primeiros de Dezembro.

Para uma pessoa defender uma doutrina política, enganem-se os que pensam que não falamos de um doutrina política, é preciso ter uma argumentação sólida sobre a mesma. Não basta sermos crentes, não basta sermos monárquicos ou republicanos “porque sim”, se assim fosse não estaríamos a reflectir sobre política, mas sim sobre religião. Gostava então de começar por expor o porquê de eu me dizer monárquico. Vou tentar ser breve e ao mesmo tempo não pecar por falta de argumentação, que aliás comecei por criticar.

Defendo uma monarquia moderna para Portugal, uma chefia de estado de cariz hereditário e europeísta, herdeira do legado deixado pelos nosso últimos reis. Pegando neste ponto, a primeira razão para me dizer monárquico é uma motivação histórica e identitária de um jovem do século XXI que olha para Portugal. Estamos perto de comemorar o centenário da república e a esta distância podemos começar a reflectir sobre as verdadeiras motivações do regicídio e também da revolução republicana do 5 de Outubro. Não me quero alongar neste ponto, até porque muito já foi dito e escrito neste último ano, mas basta compararmos as personalidades dos nossos dois últimos reis com a dos nossos vários presidentes do século XX português. Cem anos de república, foram em parte 40 anos de ditadura fascista, de isolamento diplomático e de um retroceder cultural. Tudo aquilo contra o qual o Rei D. Carlos e o Rei D. Manuel II lutaram. Um rei é um garante da soberania, da cultura e da história de um povo – o rei é livre, o país também.

A segunda razão é óbvia para quem observa esta questão sem filtros, sem palas e sem preconceitos. Portugal é hoje um país de compadrios, onde impera a corrupção, os escândalos que envolvem políticos e gestores das grandes empresas, onde os ricos são cada vez mais ricos e conseguem com facilidade manipular os políticos, nascidos e criados nos aparelhos partidários. Tem alguma lógica que um chefe de estado venha do próprio sistema? Sendo o chefe de estado o arbitro e moderador das relações políticas do país, deverá ele vir dos próprios aparelhos partidários? Esta promiscuidade não existe quando o chefe de estado já o nasce sendo, sem precisar de vender a sua alma ao capital, aos interesses e aos lobbys. É este o principal paradigma da república, que a faz ser cada vez mais questionada.

A terceira e última razão é de ordem prática. Um rei, ao contrário de um presidente da república, tem por parte do povo e da comunidade internacional uma legitimidade que um presidente da república não tem. Por parte do povo, porque o rei é rei de todos os portugueses, ao contrário do presidente da república que é eleito apenas por uma parte dos eleitores, que posteriormente não se reflectem na sua figura – Cavaco Silva é um exemplo por demais evidente. Por parte da comunidade internacional, por razões históricas, familiares e mais importante do que as outras duas, por ser independente face a pressões políticas de grupos partidários de cariz internacional.

Assumo-me assim como um monárquico sem vergonha de o ser. Como diria o Miguel Esteves Cardoso, “os monárquicos são o maior partido clandestino existente em Portugal” e para ser monárquico não basta ter um autocolante estampado na traseiro do carro e dizer que o somos “porque sim”. Por esse motivo, para que se desmascare a república e se faça uma reflexão séria sobre o ideal monárquico, aceitei o simpático convite do João Távora e assim começo a minha travessia no “Centenário da República”.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Mais um monárquico - Virgílio Castelo

(imagem picada daqui)

Eu até já estava deitado mas levantei-me logo e tive que vir aqui escrever. Estava há poucos minutos a assistir ao programa de entretenimento da TVI "CQC" (Caia Quem Caia), e numa entrevista de rua em que pediam aos transeuntes na zona da Baixa/Chiado para se colocar no papel de Presidente da República e endereçar à nação a mensagem de fim de ano solicitaram a Virgílio Castelo que o fizesse, que prontamente acedeu declarando "Enquanto Presidente declaro a República morta", e pedindo que se fizesse um referendo à monarquia (o mais correcto será referendar é a República, creio). Um Bem Haja caro Virgílio Castelo!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Votos de Feliz Natal 2008

Entre Outubro e Dezembro de 1910, Afonso Costa, ministro da Justiça e dos Cultos do Governo Provisório, aboliu os feriados católicos excepto o Natal, que passou a chamar-se Dia da Família. Enquanto se substituía afanosamente a ancestral toponímia das cidades com a nova nomenclatura República Cândido dos Reis, Elias Garcia e demais revolucionários, estalou uma polémica com o inconcebível bolo-"rei", que passou a chamar-se "democraticamente" bolo-nacional.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A podridão da república novíssima

A República está de tal maneira apodrecida que já nem respeita a sua História e os seus fazedores. A RTP está tão moralmente corrupta que deturpa a realidade, faz apologia dos crimes e dos criminosos (como aconteceu também na série sobre o Regicídio em que os regicidas foram exaltados), prestando assim um "serviço público " à ralé que tenta controlar o pensamento político dos portugueses pela inversão de valores e pelo seu espezinhamento. Nem com muitas décadas vai conseguir endireitar-se, porque é o espelho do regime caduco e corrupto que temos.

"Grandes portugueses

A RTP assinalou a data da morte de Sidónio Pais com a exibição do documentário: “o homem que matou Sidónio Pais”. Uma hora e tal sobre a repressão e a utopia anarquista durante a república nova. Está de parabéns a RTP. Na data da morte de Sidónio Pais um documentário sobre o homem que o matou. Mais umas décadas e talvez seja possível exibir um programa sobre o “o homem que José Júlio Costa matou”.

Rodrigo Moita de Deus, no 31 da Armada

Entrevista à Revista Homem Magazine (4)

Última parte da entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro:

Quais as pretensões políticas da plataforma?

R: A nossa grande ambição política é o alargamento das comemorações do centenário. Queremos tirar-lhe o carácter de comemorações estritamente oficiais e laudatórias e aproveitar a oportunidade para fazer uma revisão crítica do republicanismo português, na sua ideologia e na sua prática. Tencionamos pôr na agenda política a discussão sobre o legado que os fundadores da república deixaram aos seus herdeiros, apresentando à apreciação pública temas como estes:

O que é que se vai comemorar no ano 2010?

Qual é o lugar do republicanismo na tradição política portuguesa? Ruptura, continuidade ou navegação ao sabor da corrente?

Poderá alguma corrente ideológica dos nossos dias reclamar a herança do Partido Republicano Português?

Queremos um alargado debate sobre estas matérias. Estamos a dar os primeiros passos na nossa campanha e as reacções que temos tido mostram uma atmosfera muito favorável a este tipo de debates.

Fim
Leia a entrevista na integra aqui

domingo, 14 de dezembro de 2008

Uma boa ideia.



Grande parte da população portuguesa sofre hoje de uma doença chamada alergia à coroa causada pelo estereótipo que liga todo e qualquer tipo de monarquia a um regime autoritário (ou pior que isso, liga qualquer monárquico ao PPM). Devido aos últimos comentários que tenho ouvido acerca desta temática, preocupa-me o facto de muita gente não conseguir distinguir politicamente incorrecto de politicamente absurdo.
Tendo em conta estes constantes atropelos à racionalidade, história e ao bom senso, só posso fazer um comentário, é mais que necessária a publicação de uma obra que explique de forma muito simples as várias correntes da monarquia, o Regicídio, a fantástica e celebrada primeira república e o conceito de res publica, porque não um “Monarchy for dummies”?


É esta a excelente ideia - e de simples concretização - de João de Brecht, um membro da equipa do Estado Sentido (com 18 anos de idade!).

Hoje...


...completam-se 90 anos sobre o assassinato de Sidónio pais, vítima de um atentado, na Estação do Rossio, em 14 de Dezembro de 1918. Ver mais>>>

sábado, 13 de dezembro de 2008

Porque a Monarquia não foi restaurada em 1949



Antes de tudo, preocupa-me a existência dos pobres, dos necessitados, dos trabalhadores; e, num aumento geral de riqueza, o conjunto de providências que a todos devem levar pão e alegria. Penso, do mesmo modo, no nosso lugar no mundo e no completo resgate da civilização que Portugal tão largamente difundiu e tantos males e experiências têm ameaçado. Estas preocupações e os sentimentos de justiça que as determinam, derivam dos fundamentos morais dos princípios que sustento, da própria ética cristã que os formou, sem necessidade de outras razões.
Desejo ainda notar a circunstância feliz do meu Herdeiro ter nascido nas primeiras horas de paz no Ocidente e da vitória da nossa aliada, a Grã-Bretanha, a quem nos prende, e ao seu Rei, uma amizade muitas vezes secular, sem esquecer outras nações a nós ligadas pelo sangue, pelo espírito e pela afinidade de interesses europeus ou universais.
E podeis acreditar que, em meu Filho, continuará a dedicação com que vos acompanho, pensando só no bem de todos vós e na grandeza da Pátria.

A conclusão a retirar desta mensagem, é muito simples: D. Duarte Nuno, ao declarar ..."que só na Monarquia reencontrará as garantias, direitos e liberdades derivadas dum Poder que, por ser legítimo e natural, não depende de divisões nem de egoísmos"..., ameaçou claramente o Estado Novo e obrigou os seus mais altos responsáveis a agir em conformidade. No Congresso da União Nacional, no momento exacto em que os monárquicos eram maioritários em S. Bento, Marcello Caetano impediu que Portugal preparasse a sucessão, tal como Franco fez em Espanha. Perdemos uma excelente oportunidade.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Básica...



"Há uma regra básica de todos os Presidentes da República: nunca interferir na organização do funcionamento da Assembleia da República e das assembleias legislativas regionais". Estas e outras palavras ajudam os cidadãos de Portugal a perceber o género de interesses que envolvem a República e, igualmente, esclarecer as atitudes oscilatórias dos políticos que têm funcionado no Palácio de Belém. Digamos que esta regra tem o nome preciso do regime que a pratica...

As duas propagandas


Em contraponto ao habitual discurso catastrofista da propaganda revolucionaria republicana do “povo oprimido e reduzido à miséria”, da “pátria agonizante”, da doença, do desamparo, da fome, do desespero, do “ódio santo”, outra realidade antagónica foi descrita e apresentada em Paris pela missão internacional de Magalhães Lima e José Relvas meses antes da revolução, em que se desvendava um promissor país em franco progresso. A questão é que a credibilidade e as simpatias internacionais eram urgentes metas para os republicanos que se preparavam para assaltar o poder e lidar com a realidade. Leia tudo no site centenário da republica, aqui.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

¡Muera el Borbón!

O deputado Joan Tardà da Esquerra Republicana de Catalunya apelou à morte "do Bourbon" num comício do seu partido e, não contente com isso, chamou corrupto ao tribunal constitucional espanhol.
Confrontado com as primeiras declarações, declarou ter-se tratado de um grito oriundo da guerra de sucessão de Espanha no século XVIII, onde nós também molhámos a sopa, que não se dirigia directamente à pessoa de Juan Carlos I. É um encanto, este rapaz.
Pena que o deputado Tardà esqueça o exemplo responsável de republicanos de toda a vida como Santiago Carrillo, que aceitaram a monarquia a bem da transição e da unidade nacional, e opte por declarações incendiárias que em nada dignificam a sua causa. Tardà constitui o exemplo hodierno do tipo de gente que, no princípio do século passado, acharam que a política portuguesa deveria mudar a tiro. Ainda hoje o nosso país paga pelas palavras e pelas acções desses beneméritos.

domingo, 7 de dezembro de 2008

A qualidade humana que querem abolir







Nós tivemos como últimos Reis um tradutor de Shakespeare e melómano (D. Luís I), um cientista oceanográfico de renome mundial e pintor de mérito (D. Carlos I) e um bibliófilo que deixou obra ainda hoje considerada incontornável para o estudo da imprensa em Portugal (D. Manuel II).
Os tailandeses têm como Rei um dos mais galardoados compositores de swing, que gravou e tocou com Benny Goodman, um fotógrafo que integra todas as antologias da história da fotografia na segunda metade do século XX e um pintor. É isto que a ganga capitalisteira e analfabeta quer destruir. São dois mundos imiscíveis: o poder dos parvenus sem nível, descerebrados e medíocres e a exigência do belo como categoria indissociável de uma visão sã do mundo; logo, aristocrática, criadora e perfeccionista.


Miguel Castelo-Branco, COMBUSTÕES

Entrevista à Revista Homem Magazine (3)

Continuação da entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro:

HM - Que acolhimento têm tido da parte de historiadores, investigadores e outros académicos?

R - Temos recebido apoio de vários investigadores, alguns com sugestões de temas a explorar. Já convidámos os mais empenhados a apresentarem textos bem documentados e temos muitas promessas de colaboração, mas os resultados vão demorar porque os historiadores são perfeccionistas e não querem fazer afirmações que possam ser contestadas. Entre os colaboradores voluntários temos de conciliar os ímpetos dos que querem fazer uma propaganda agressiva contra a república, e os daqueles que, pelo contrário, querem alongar-se em eruditas dissertações especializadas sobre cada tema.
Do lado contrário já recebemos algumas críticas. Os dirigentes do grupo “República e Laicidade” acham que a questão está mal apresentada, que a memória da república foi denegrida pelo Estado Novo, e acrescentam que se houve distorção da história, a república foi mais vítima do que beneficiada. Nós já escrevemos um texto mostrando que os primeiros responsáveis pelo denegrir da imagem da república foram os republicanos, e não os de segundo plano mas os mais autorizados dirigentes do regime. Reconhecemos que o Estado Novo, para se justificar, invocou muitas vezes a desordem e a improdutividade da Primeira República, mas também verificamos com facilidade que deixou cair no esquecimento a maior parte das arbitrariedades desse período, e a própria inconsistência do pensamento republicano ficou coberta pela poeira do tempo.

HM - Qual o teor das propostas que pretendem fazer chegar ao Ministério da Educação?

R - Temos um grupo que está a estudar essas propostas, examinando os programas e as dificuldades que os manuais encontram na exposição dos temas. Vamos propor que os programas contemplem uma descrição mais pormenorizada e coerente dos regimes políticos, com alguma uniformidade nos critérios de ensino. Não se pode admitir que ao estudar um regime seja atribuída importância primordial aos limites da liberdade de expressão, à existência de presos políticos, à adulteração dos resultados eleitorais, enquanto no estudo de outro essas características sejam ignoradas, como insignificantes pormenores. Queremos que se tenha cuidado com os conceitos políticos usados nos manuais, de forma a incutir noções mais precisas do que é liberdade, ditadura, democracia, eleição, censura, regime representativo, revolução, totalitarismo, constituição e outros. Vamos também propor que se inclua nos programas uma explicação breve mas rigorosa do que foi o pensamento republicano em Portugal.

HM - Que Iniciativas públicas estão programadas durante os próximos dois anos?

R - Estamos a preparar uma exposição sobre a imprensa perseguida durante a república, uma homenagem aos presos políticos e outra aos jornalistas perseguidos. Para estas cerimónias serão convidadas as principais associações ligadas à defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, além de representantes dos partidos políticos. Programámos, além disso, debates sobre os principais temas que apresentamos no nosso site, e serão também convidados representantes de diversas correntes políticas. Tencionamos ainda comemorar algumas das datas mais significativas da história da república, com palestras sobre os acontecimentos celebrados: o dia do assalto aos jornais monárquicos, o dia das pseudo-eleições, o dia da entrada na guerra, etc. E no ano de 1910 publicaremos uma selecção dos principais textos reunidos no site e no blog do Centenário da República. Entretanto, estamos a preparar também a edição de um folheto em que se expõe a história da república vista por republicanos e, ao lado, a mesma história vista por nós, para se perceber como os mesmos acontecimentos podem ter diferentes interpretações.
Vamos ainda entregar aos principais museus ligados à memória da república - Museu da República e Resistência, Museu da Presidência da República e outros - alguma documentação sobre a história da república, incluindo exemplares de jornais apreendidos, censurados, suspensos ou proibidos depois de 5 de Outubro de 1910.

... hão-de tornar a chamá-los...



“Se mandarem os reis embora, hão de tornar a chamá-los”.


Alexandre Herculano

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A alvorada da civilização


Convenientes patranhas são arvoradas pelos mais empedernidos republicanos quando atribuem ao regime vigente em Portugal há quase cem anos as conquistas civilizacionais trazidas pelo Século XX: ele é a justiça, ele é os direitos da mulher, ele é a instrução publica, ele é o sufrágio directo etc. etc.
Então pergunto eu: porque não damos também graças à república pela penicilina, mortalidade infantil, crescimento económico ou pela liberalização de costumes? E para quando o resgate às trevas das monarquias europeias?

...um referendo todos os dias...



In Combustões

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Mensagem de S.A.R. Dom Duarte de Bragança

Sendo o 1º de Dezembro um dos dias mais importantes da nossa História, não posso deixar de transmitir a mensagem de Sr. D. Duarte (Nota: Não sendo monárquico, rever-me-ia perfeitamente numa Monarquia em Portugal).

Mensagem de S.A.R. Dom Duarte de Bragança, de 1 de Dezembro de 2008

Portugueses:

No 1º de Dezembro de 1640, os nossos antepassados devolveram Portugal aos Portugueses. Souberam responder à crise do seu tempo, lutando pela nossa independência. Hoje, olhamos para o nosso país, e vemos que se acentua a dependência externa e a obediência a directivas quantas vezes alheias à nossa própria vontade.

Anunciam-se dias difíceis. Parece evidente que 2009 será pior que os já duros anos recentes, particularmente para os mais desfavorecidos. É nos momentos de provação que se testa a alma de um povo. Para enfrentar a crise e manter a coesão social devemos invocar os valores espirituais da nossa cultura e vivermos em coerência com a nossa identidade e tradição. O reforço dos laços familiares, o sentido de comunidade e de povo são atitudes urgentes e decisivas em alturas como esta.

Enfrentámos muitos problemas terríveis ao longo da nossa História, que o nosso ânimo conseguiu ultrapassar. E daqui apelo aos instintos de iniciativa e solidariedade, de generosidade e de engenho.

É preciso ampliar a visão, ensaiar ousadia, e confiar a nós mesmos a garantia de desenvolvimento sustentado.

Vivemos uma ocasião propícia para rever as nossas prioridades. Devemos aprender a viver melhor consumindo menos, poupando os recursos limitados do nosso planeta. Para isso é importante apoiar a acção pedagógica de cientistas e organizações ambientalistas. Somos o país europeu com a menor percentagem de filiados nestes movimentos, que mereciam mais representação parlamentar.

A hora é de investir no povo português. As grandes opções para o nosso desenvolvimento têm agora uma oportunidade única para alterarem o rumo. Em vez de se deixar bloquear por falta de critérios técnicos ou por pressões de interesses, o Estado, o sector privado e as associações devem dar as mãos para ultrapassarmos as dificuldades. Queremos medidas mais justas e mais equitativas, e não apenas declarações que chegam tantas vezes tarde demais…

Como disse, a hora é de investir no povo português. É o que têm feito as famílias portuguesas que, com muito sacrifício, apostam na educação dos seus filhos. A qualificação dos jovens é indispensável e os movimentos de professores e de pais clamam por melhor Escola, em programas de ensino adequados, e pela dignificação e respeito pela missão dos professores.
A hora é de investir na terra portuguesa. É o que têm feito os agricultores que se recusam a abandonar a terra, contrariando as directivas desencontradas e a concorrência desleal por parte de outros países onde são muito mais apoiados. Portugal não precisa apenas de uma política de comércio livre; precisa sobretudo de uma política de comércio inteligente e justo.
Os nossos agricultores sabem produzir. Falta que saibam melhor associar-se e cooperar para distribuir os seus produtos directamente aos consumidores. Nos últimos dez anos perdemos 180 mil hectares de boas terras agrícolas comprometendo gravemente a nossa capacidade de produção de alimentos, acentuando a nossa vulnerabilidade. Ainda recentemente experimentamos os perigos que daí podem advir.

A hora é de investir no território português apoiando empresas inovadoras que recorram a energias alternativas.
Simultaneamente devemos combater os desperdícios energéticos e dar prioridade a transportes ferroviários e marítimos, como alternativas competitivas. A capacidade de auto-sustentação no plano energético é cada vez mais necessária. Por exemplo, modernizando as barragens hidroeléctricas já existentes, aumentaríamos a produção de energia em 20%.

O Estado deve promover e praticar uma política de gestão rigorosa dos seus recursos de modo a promover a nossa competitividade; deve ter um orçamento equilibrado para poder baixar os impostos de modo selectivo.
O Estado deve desistir das obras faraónicas, aumentar a produtividade da função pública, encorajar os investimentos privados que produzam riqueza, preferindo sempre bens e serviços produzidos em Portugal. Por exemplo, o facto dos fundos da Segurança Social não serem investidos exclusivamente em empresas portuguesas, contribui para a descapitalização nacional e para o desemprego.

Apelo aos partidos políticos para que não se deixem tornar em meros mecanismos de conquista do poder; que se lembrem que têm um papel decisivo nos debates sobre as doutrinas e as práticas políticas. Mas para isso, devem ser uma escola da cidadania, dialogando com as organizações não governamentais.

Este sentimento geral de que a democracia deve ser melhorada entre nós, levou-me a apoiar o recém-criado Instituto da Democracia Portuguesa, que tem já desenvolvido múltiplas e úteis actividades em várias regiões do país, em colaboração com diversas organizações e com as autarquias locais.

Em 1975 recuperámos as liberdades de expressão e de participação política que já existiam antes da revolução de 1910. Mas cada vez mais ouço especialistas e pessoas de bom senso a dizer: Portugal atrasou-se no séc. XX porque prescindiu do poder moderador do seu Rei, ao contrário de Espanha, Inglaterra e Bélgica, e outros países europeus, que prosseguiram na vanguarda do desenvolvimento.

Tenho percorrido o país de lés a lés. Sou sempre cordialmente acolhido pelos autarcas e pelas populações às quais agradeço o carinho que me dispensam. Nessas ocasiões, apercebo-me da grandeza do nosso património cultural, erudito e popular. Basta apreciar as nossas tradições culturais para me dar conta de como se formou a gente portuguesa, nas várias regiões em que se expressa a alma nacional. É este “produto interno bruto” que mantém em alta a bolsa de valores humanos em que nós devemos investir.

Quero aqui lembrar as numerosas homenagens a D. Carlos promovidas por várias Câmaras Municipais, com destaque para a ocasião em que o Chefe do Estado inaugurou a magnífica estátua erigida em Cascais.
Durante todo este ano tiveram lugar inúmeros eventos de carácter cultural em homenagem ao Rei e ao Príncipe Dom Luís Filipe, organizados pela Comissão D. Carlos 100 Anos, integrada na Fundação D. Manuel II. Salientou-se o congresso “Os Mares da Lusofonia” que reuniu representantes de todos os países que falam português. Pelo interesse suscitado, foi lançado o desafio de a realizar cada dois anos, em países diferentes.

Continuei este ano a colaborar com vários dos países nossos irmãos, especialmente a Guiné-Bissau, Angola e Timor, mediante programas de desenvolvimento rural e protecção ambiental.
Aproveito para saudar o Primeiro Ministro Xanana Gusmão, actualmente de visita a Portugal, como líder que soube conduzir o heróico Povo timorense na luta pela liberdade e agora o serve com seriedade e competência no caminho do progresso material e espiritual.

. Saúdo o alargamento da CPLP esperando que em breve, Marrocos, o Senegal, as Ilhas Maurícias, a Guiné Equatorial e os nossos irmãos galegos possam fazer parte dessa comunidade. A Galiza procura afirmar a sua identidade cultural através da sua “fala”, que está na origem do português moderno.
Tive a alegria de levar a minha Família ao país de minha Mãe, trineta do primeiro Imperador, Dom Pedro, para participar nas celebrações dos 200 anos da transferência do Governo e do Rei para o Brasil. Finalmente foi feita justiça ao tão caluniado D. João VI!
A crescente importância económica e política do Brasil no Mundo é um motivo de orgulho e de oportunidade histórica para Portugal. Felicito os nossos governantes por a saberem aproveitar.

Deixo para o fim a instituição militar que, desde a fundação de Portugal tem estado intimamente ligada ao nosso percurso colectivo. Hoje, defendendo Portugal “lá fora”, tem contribuído de forma impar para o prestígio e afirmação nacionais e para a paz e a segurança da população portuguesa e das regiões em que tem operado.
A canonização, em 2009, de D. Nuno Álvares Pereira, patrono das Forças Armadas, será uma providencial ocasião para aprendermos com os seus exemplos de valentia e caridade, inteligência militar e política, e defesa intransigente da nossa liberdade e independência. Saibamos aproveitar essa oportunidade!

Do fundo da história vem uma certeza que os monges de Alcobaça redigiram numa das mais belas frases da monarquia portuguesa: “O rei é livre e nós somos livres!”.
Neste convento do Beato, situado na Lisboa Oriental onde se começou a conspirar para o 1º de Dezembro, deixai-me hoje proclamar: “Eu sou livre e vós sois livres!”. “Eu sou livre” e “Vós sois livres” porque ser monárquico é também defender Portugal acima de todos os interesses. Juntos poderemos renovar a democracia portuguesa pela Instituição Real que só poderá vigorar por vontade do povo, com o povo e enquanto o povo o entender.

A minha Mulher, eu, e os nossos filhos Afonso, Maria Francisca e Dinis, a isso nos comprometemos porque Portugal pode, Portugal deve, e Portugal quer continuar democrático e independente!

Todos os que pensarem que o sonho dos fundadores e dos restauradores ainda está vivo, venham ter connosco; e se alguém questionar este crescente sentir do poder do povo, a resposta é hoje, como o foi no primeiro 1º de Dezembro: “O rei é livre e nós somos livres!”

Convento do Beato, 30 de Novembro de 2008

O dia mais importante da nossa História



Em 1995, uma simples afirmação do então presidente Mário Soares, demoliu um mito propagandístico velho de mais de um século. Para grande desespero ou despeito dos sátrapas e escribas do pensamento oficialista, Soares justificava a sua participação como P.R., na cerimónia de Estado em que consistiu o casamento dos actuais Duques de Bragança. Acompanhando naquele importante momento um amigo de décadas, M. S. declarava também estar Portugal a prestar uma homenagem à Casa de Bragança pelos relevantes serviços prestados à Pátria, à sua liberdade e independência.

Ficaram assim soterradas as grandes tiradas retóricas das Conferências do Casino, osFinis Patriae que culminaram com o Crime no Terreiro do Paço e as justificações fastidiosas, incipientes e vazias de conteúdo histórico escritas por um Oliveira Martins que sendo um impenitente idealista, vergastou a dinastia para acabar por nela reconhecer, sob o turvo prisma do cesarismo, a redenção de Portugal.

Todas as velhas nações possuem as datas que calendarizam glórias passageiras, aquelas que ingratamente o tempo condena ao posterior olvido pelas gerações que não as viveram. Os desastres das batalhas perdidas são frequentemente compensados pela gesta de uns poucos - o Decepado, o Soldado Milhões ou um D. Sebastião - que souberam bem morrer ou resgatar a periclitante honra dos outros, que ausentes do campo onde de pé se morria, nem por isso se sentiam menos atingidos por uma tragédia ainda não percebida, mas que inexoravelmente sobre as suas cabeças faria tombar a vingativa espada do inimigo. Os grilhões apostos aos conquistados, seriam então exemplar justificativo e testemunho do espírito de sacrifício Santificava-se desta forma, aos olhos de um misericordioso Deus que do alto velava pelo seu povo e lhe forjava no ânimo, esse querer de libertação e do retorno a um perdido mas não esquecido tempo, onde a Lei dos naturais conformava a espontaneidade de um sentido de pertença à comunidade, a Grei.

A Monarquia Portuguesa criou a nação que somos e essa identidade tem sido ao longo das centúrias, plenamente justificada através de nebulosos e por vezes lendários indícios da especificidade das populações que foram consecutivamente ocupando o território que ainda hoje se chama Portugal. Os lusitanos, os conventos romanos e a criação do primeiro mas efémero Império Ibérico, erguido pela força guerreira visigótica, enraizaram nas mentes daqueles que lhes sucederam, essa certeza do direito à constituição de uma entidade territorial distinta daquelas outras com quem ainda partilhava o idioma e mais importante ainda, a Fé.

14 de Agosto de 1385 consistiu talvez, a data a partir da qual este país deixou para sempre a contraditória e incerta condição estatutária de uma parte independente de uma grande Galiza. Essa confusão decorrente do próprio processo de criação do reino no século XII, ditava uma aparente edição localizada e muito particular do feudalismo que imperava além Pirenéus e que das suas faldas se estendia até à foz do Niémen. Um qualquer acaso sucessório derivado da morte de um monarca sem descendentes, ou um negociado matrimónio que forjava uma outra realidade política na Respublica Christiana, modificava então as sempre frágeis fronteiras e no tempo fidelizava os povos à nova dinastia. Aljubarrota foi importante, servindo de marco ao reconhecimento do interesse específico das ..."muitas e desvairadas gentes"... que viviam naquele espaço criado jurídica e perpetuamente pelo tratado de Alcanizes. Os portugueses tinham como cumprida a sua parte na Reconquista da terra outrora cristã, há séculos avassalada e subjugada pelo invasor que viera do outro lado do mar, com desconhecidas línguas, estranhos costumes e exótico deus.

Pela primeira vez, uma vitória militar colocava em definitivo, a realidade territorial Portugal, no palco de uma Europa que perdidas as ilusões de uma reunificação que fizesse ressurgir o cristão império romano, levava os seus reis, príncipes ou republicanos condottieris, a gizar alianças, garantindo a sua supremacia sobre rivais e vizinhos. No entanto, Aljubarrota consistiu no culminar de um curto e turbulento período de realinhamento interno de forças políticas, económicas que confluíram no interesse pela preservação da independência que surgia como a essencial condição da prosperidade e realização pessoal de quem mais podia e o repúdio por todos os demais, de um poder estranho e até então considerado inimigo. O 14 de Agosto escancarou as portas daquele sentido de urgência de acrescentamento do domínio, cumprindo-se assim simultaneamente, o brado "Deus o Quer" de uma cristandade que tudo podia justificar.

A chegada de Gama à Índia, a descoberta do Brasil - uma das grandes e actuais razões do nosso direito a existir como Estado e inegável símbolo da grandeza histórica de Portugal - e aquela ininterrupta série de espantosas, mas hoje infelizmente esquecidas vitórias nas quentes águas do Índico e do Pacífico ocidental, podiam almejar ao título da mais importante data da História de Portugal. Contudo, se nos tornaram para sempre visíveis perante um mundo que até então nos ignorava, não foram suficientemente prenhes de consequências que garantissem aquela certeza de pertença e de necessária preservação de um legado já antigo de quase meio milénio.

A morte do vate nacional, Camões, num hipotético 10 de Junho de 1580, quando ostercios de Alba implacavelmente escreviam uma nova página possibilitada pelo desastre de Alcácer Quibir, surgiu para as mentes dos românticos oitocentistas, como única e diamantina oportunidade de distanciamento de uma outra data, que para a totalidade do corpo nacional, servia de pendão de honra ao espírito de resistência que esmagara invasores, rasgara tratados iníquos e galvanizara o ânimo consagrador da liberdade desta nação que há muito era uma Pátria.

O dia 10 de Julho será então imaginado pelos seus promotores como a unanimemente aceitável data que divorciaria os portugueses daquela clara manhã de 1640, em que o escudo de armas português para sempre se retirava da simbólica da União Dualista. Esta União - afinal sempre desejada pelos promotores republicanos do 10 de Junho de 1880 - baseara a sua legitimidade na força da espada e no ouro das moedas corruptoras e enlouquecedoras do espírito de discernimento de alguns. O fim último desta tentativa do radicar de uma nova data que seria assim considerada como a mais importante da História de Portugal, era o rebaixamento da dinastia que surgia como um mero e fortuito acaso ou recurso de um grupo de abnegados e bravos redentores a ela alheios. Fantasiaram-se episódios de resistência do duque D. João e justificou-se a aceitação do Levantamento por parte dos Braganças, pelo "varonil ânimo" da castelhana duquesa D. Luísa de Guzmán. Construiu-se habilidosamente o mito da indecisão e do espírito timorato daquele, que afinal pela sua prudência, sageza de pensamento e resolução na acção de estadista, garantiu o sucesso da Revolução. Arruinou materialmente a sua Casa, mas ganhou a coroa e a liberdade de Portugal como reino independente que pela força das armas e astúcia dos políticos, conservou o legado ultramarino que ao tempo interessava. É a definitiva confirmação de um novo vector da nossa presença no mundo, que da Ásia transita para o espaço Atlântico onde ergueria um novo império, ainda hoje um grande entre os maiores.

Não cabe aqui o desfiar das desditas que para este país significou o seu achincalhar à condição de província de uma Grande Ibéria que estendia os seus braços à Europa Central, Flandres, Reno, Milão, ao sul da Itália e que transformava vastas regiões católicas do Sacro-Império, em simples dependências ou inevitáveis e subalternas aliadas.

1580 reduziu e inferiorizou um Portugal já imperial, com domínios que se estendiam das plagas norte-africanas às costas do Japão. Porto de abrigo e de comércio para todas as nações cristãs, Lisboa habituara-se à presença das alvas gentes do Norte e à colorida presença daqueles que oriundos da África, Índia, China ou zona malaia, provavam o senhorio reclamado pelos monarcas que ostentavam orgulhosamente o título de Senhores do Comércio e da Navegação na Guiné, Etiópia, Índia, etc.

A permanente e férrea política de alheamento dos conflitos continentais que esmagavam populações, devastavam campos e semeavam a perniciosa semente da inimizade histórica entre vizinhos, fortificou a consciência da identidade nacional, a necessidade de com todos dialogar e comerciar e o direccionar dos esforços para a preservação e dilatamento do património territorial conseguido com tantos e custosos sacrifícios.

Existem algumas efemérides que embora sejam importantes marcos e signifiquem o início de novas experiências políticas que uma mudança de regime implica - o 24 de Julho, o 5 de Outubro, o 28 de Maio ou o 25 de Abril -, não se revestem daquele transcendente significado que a palavra Liberdade no seu sentido mais lato - o da gente e o da Pátria como entidade política autónoma e internacionalmente reconhecida pelas outras - só é conseguido por aquele dia em que se restaurou a independência portuguesa.

O 1º de Dezembro de 1640 é a data mais importante da nossa História, pois se internamente consagra o desejo da totalidade de uma Nação que animicamente já o era há muito, internacionalmente consistiu na confirmação de uma necessidade desejada por todos aqueles que combatiam uma prepotente e implacável hegemonia, cega ao direito das terras e das gentes. A Restauração foi saudada com efusão em boa parte da Europa e se para alguns consistiu numa oportunidade para o abatimento do Leviatã que há mais de um século ditava a lei nas relações entre Estados, para outros oportunamente surgia como ocasião para a consolidação do esbulho do património luso espalhado pelo mundo. A vontade e o sacrifício abnegado dos portugueses de então, desiludiu aqueles que apenas esperavam um passageiro e apetecido contratempo à imperial Espanha de Filipe IV e de Olivares.

O dia 1 de Dezembro de 1640, foi o mais longo da nossa História e prolongou-se por vinte e oito anos de terríveis sacrifícios. Os portugueses bateram-se praticamente sós, contra as duas grandes potências de então - a Espanha e a Holanda -, vencendo uma nos campos de batalha da raia e a outra, a belicosa Batávia, nos mares, no sertão brasileiro, em Angola e nas longínquas paragens asiáticas. A Guerra da Restauração foi um conflito em múltiplas frentes, onde o ferro da espada e a pluma dos diplomatas e dos grandes homens que juridicamente justificaram perante o mundo a libertação, se irmanaram num indissolúvel elo que garantiu o sucesso final. Se na Europa os terços lusos conseguiram rechaçar a coligação de nações que era o exército dos Habsburgos espanhóis, no além-mar Portugal defrontou e acabou por vencer o mais implacável, fero e traiçoeiro inimigo de que há memória. De facto, a luta contra a talassocracia e o poder financeiro da hostil e exterminadora Holanda, criou tantas e aprioristicamente inultrapassáveis dificuldades, que o resultado da emancipação foi por muito tempo incerto e geralmente considerado como condenado pelas chancelarias europeias, desde o Vaticano às monarquias do Norte. A França surge como transitória protectora interessada em tolher o movimento à sua rival continental que via desprender-se o mais precioso florão da sua coroa e a Inglaterra, baqueava na guerra civil, impotente para o pleno cumprimento do papel que o velho Tratado de Aliança lhe ditava como obrigação. Os portugueses - Portugal, um todo - para sempre tornou presente a sua condição de Estado, numa Europa que via nascer e desaparecer entidades políticas, conforme a vontade dos grandes do momento e desta ou daquela guerra perdida. A memória de 1640 reavivou-se naquela outra Restauração em 1808, quando pela primeira vez derrotado o invasor francês, a legitimidade erguida como bandeira pelo povo, fez saber ao soberano no distante Brasil, o apego da nação à sua liberdade entre as demais.

Portugal inteiro o quis e assim o fez. Lutou, negociou, transigiu por vezes. Contra todos os prognósticos, restaurou a legitimidade do seu Direito e no trono colocou quem dele tinha sido pela força esbulhado em 1580. Venceu o irredutível ânimo de todos, irmanados no resgate de uma liberdade que justificava assim, a própria existência das gentes que alçando o pendão da nossa terra, tornou seu o bradoLiberdade! Liberdade! Viva El-Rei D. João IV!

Hoje, decorridos trezentos e sessenta e oito anos e num momento grave que compromete os ideais de 1640, devemos sentir como próprias as palavras do duque D. Duarte:

"Todos os que pensarem que o sonho dos fundadores e dos restauradores ainda está vivo, venham ter connosco; e se alguém questionar este crescente sentir do poder do povo, a resposta é hoje, como o foi no 1º de Dezembro: O rei é livre e nós somos livres!"

domingo, 30 de novembro de 2008

Entrevista à Revista Homem Magazine (2)

Continuamos hoje a transcrição da entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro:

Perseguições, políticas, fraudes eleitorais e perseguições à imprensa são algumas das acusações feitas. Como explicam que até hoje não tenham sido devidamente denunciadas?

No princípio encontra-se uma boa porção de facciosismo, depois a situação de “encobrimento” prolonga-se, sustentada na inércia, no comodismo e no muito respeitinho pelas instituições vigentes.

Durante décadas, escrever a história da república equivalia a um acto de fé contra o Estado Novo. Quem se debruçava sobre esse período eram jornalistas de temperamento combativo como Carlos Ferrão e Raúl Rego, que viam nos seus livros o prolongamento de polémicas da imprensa contra os “monárquicos” e os “nacionalistas”. As obras deles eram comemorativas e justificativas da república, sem disfarce algum. Cada frase que escreviam constituía um argumento a favor do regime caído em 1926. Procuravam, acima de tudo, calar os inimigos da república, reduzir a pó os argumentos dos que a atacavam. Essa fase foi ultrapassada e a investigação académica produz hoje em dia literatura abundante, muito especializada, sobre aspectos parciais da vida da república. Mas os conceitos definidos nas primeiras gerações continuam a impor-se com uma certa força, não só no meio académico mas também naquelas instituições que têm por missão defender a memória do regime: museus, bibliotecas, ministérios e parlamento.

Uma das mais persistentes ideias que se colaram à imagem da república é a de um regime democrático perturbado pelas ditaduras de Pimenta de Castro e Sidónio Pais. Na história da república tudo parece impreciso, só os períodos ditatoriais são definidos com precisão, como se houvesse uma nítida fronteira entre as ditaduras e o que se lhes antecedeu ou seguiu. Depois de definidos estes períodos de ditadura, inclui-se tudo o resto no conceito de democracia. Todos os políticos que se opuseram aos “ditadores” são classificados como “genuínos” ou “lídimos” democratas, o que pode parecer lógico mas exige muita distracção na forma como se apreciam os acontecimentos. Um governante pode ter proibido a circulação de jornais, pode ter mandado prender monárquicos, pode ter organizado eleições sem oposição, pode ter transferido juízes para os confins do império, pode ter tirado o voto aos analfabetos. Tudo isso lhe será descontado na biografia se ele se tiver oposto aos “ditadores” Pimenta de Castro e Sidónio Pais. E não é raro vermos exposições ou homenagens públicas onde se exalta o percurso de um destes heróis da república, elogiando-se a sua postura de oposição a todos os “totalitarismos”. Estes rótulos são usados à laia de biografias, dispensando mais amplas indagações.

No ensino escolar, onde predomina a falta de espaço para explicações coerentes, a república é despachada em meia dúzia de frases, cujo objectivo é justificar a curta vida do regime sem lhe manchar a imagem. E encontram-se textos notáveis pela concisão, como o de um manual de História do 11º ano, publicado pela “Asa”, onde se conta que a república resvalou para a ditadura do Estado Novo porque a constituição de 1911 era “excessivamente democrática”, permitindo que mudassem os governos “por dá cá aquela palha”, o que lhe deu uma grande instabilidade: 48 governos em 16 anos.

Devemos reconhecer que a república portuguesa não se encaixa facilmente num manual escolar. As suas contradições, os fantasiosos temas em que se concentrou a sua propaganda, pedem explicações complexas e demoradas. Logo na primeira época do republicanismo, a da propaganda, se manifestam as dificuldades: como explicar que um partido revolucionário escolha para seu inimigo e responsável por todos os males do mundo os jesuítas? E como justificar a escolha, para herói e ídolo da democracia portuguesa, do Marquês de Pombal, com o seu perfil desfigurado ao ponto de se fazer dele o homem que aboliu a inquisição? Não admira que os autores de manuais escolares prefiram começar a história do republicanismo português com o episódio do ultimato inglês em 1890 e a indignação levantada por este. Daqui passam directamente ao regicídio e logo a seguir falam da proclamação da república. Assim seguem um caminho mais compreensível, embora ponham de parte os temas predilectos da imprensa republicana.

(Continua)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Parole, parole

Parece ter havido um sítio onde José Relvas nunca conseguiu proclamar a república: precisamente o coração da própria mulher. Quem visitar a Casa dos Patudos percebe rapidamente o porquê desta ilação. É que todos os livros de orações de Eugénia Relvas ostentavam as armas reais de Portugal e assim se mantiveram. Por mais que o marido dissesse o que dissesse...

1º de Dezembro

Curiosa afirmação republicana

Pedro Lomba, jovem intelectual e comentador muito lido, que já se afirmou publicamente republicano, na sua crónica de hoje no Diário de Notícias, sob o título "Deixem o Presidente fora disto", comenta a tentativa de ligação do Prof. Cavaco Silva ao escândalo do BPN e termina assim:" Vejam, por isso, se resguardam o Presidente, que do regime não sobra muito". Se são os próprios republicanos a afirmá-lo, porque é que nós haveríamos de os contradizer?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Seara Nova e o 19 de Outubro

A Seara Nova e o 19 de Outubro





O nº2 da Seara Nova saiu a 5 de Novembro e trazia, sobre a noite sangrenta, um artigo de Raul Proença e uma adenda de Jaime Cortesão a um artigo seu (A Crise Nacional), que apresentamos noutro local .
A Seara Nova apresentou-se sempre como a opinião daqueles que queriam ter uma opinião que não fosse apenas um interesse camuflado. Para ela o país era um lamaçal de corrupção, a grande imprensa como o Diário de Notícias e O Século, apenas servia a oligarquia financeira e o resto dos jornais era um mero instrumento de partidos comprometidos na corrupção.
Os seareiros seriam a revolta dos intelectuais de esquerda contra o regime. Mas intelectuais de diversos quadrantes também desprezavam o regime republicano. Curiosamente, e apesar da polémica de Raul Proença contra o Integralismo Lusitano, em Dezembro de 1923 apareceu a Revista dos Homens Livres que congregava seareiros (António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão), integralistas (António Sardinha e Pequito Rebelo), o monárquico conservador Carlos Malheiro Dias, o ex-franquista Agostinho de Campos, o sebastianista Afonso Lopes Vieira (que pretendia «aportuguesar» Portugal) e muitos outros, numa miscelânea heteróclita, todos unidos contra «a finança e os partidos».
António Sérgio, ao escrever nessa revista, na nota de abertura, propunha a procura «duma ideia nacional, de uma finalidade portuguesa, anterior e superior às finalidades partidárias». Numa tentativa de justificar a união de todos aqueles intelectuais de tão diferentes e opostos quadrantes, acrescentava que «a grande linha divisória, nestes nossos dias, não é a que separa as direitas das esquerdas; é, sim, a que distingue [...] os homens do século XX dos homens do século XIX». A «nação», entidade que Sérgio define como um fim e não como uma realidade existente, deveria ser o quadro desta confluência de opiniões. Nenhuma destas opiniões diferencia António Sérgio de intelectuais de direita, ou mesmo fascistas, que emitiam então opiniões semelhantes.
Mais tarde, na revista Lusitânia (1924-1927), dirigida pela figura prestigiada e consensual de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, seareiros e integralistas voltaram a colaborar nesse mesmo objectivo de «enquadrar-se no grande movimento de recriação do espírito da pátria».
Quando toda a elite cultural de um país, da direita à esquerda, se une contra um regime, que despreza, há certamente algo de muito errado e muito maléfico nesse regime.
É certo que um seareiro, António Sérgio, foi tentado pelo poder, e chefiou o Ministério da Instrução no governo de Álvaro de Castro, a partir de Dezembro de 1923, experiência que, aliás, só durou dois meses. A Seara Nova prometeu então manter no Governo «a nossa atitude da oposição». Ora esta é uma posição absurda. Não é possível, nem sério, estar num governo e ser simultaneamente opositor desse governo. Governar obriga a concessões, mas os seareiros que detinham, segundo eles, o monopólio da razão não eram adequados a quaisquer concessões. Na maioria dos casos estariam eventualmente certos, como a tentativa de António Sérgio em obrigar a que os funcionários do seu ministério cumprissem os horários, medida que foi altamente impopular e polémica (!?). Aliás o governo caiu sob a ameaça de greves do funcionalismo.
Depois da implantação do salazarismo, a Seara Nova, e os líderes republicanos, em Portugal e no exílio, dedicaram-se à piedosa tarefa de branquearem a 1ª República. Os motivos podem concitar muita simpatia. Lutava-se contra a Ditadura e os seus opositores sentiam-se na obrigação de defender o regime da 1ª República que era o que tinham de palpável, o único exemplo nacional que poderiam opor ao regime ditatorial. Mas o facto é que esse branqueamento era falso e era uma mistificação histórica. A 1ª República havia concitado contra ela todas as forças do país. Os últimos líderes republicanos, principalmente António Maria da Silva, eram unanimemente execrados pela sua baixa estatura ética, caciquismo eleitoral, corrupção, etc.. A 1ª República caiu e afundou-se no mar de lama que ela mesmo tinha produzido.
Condenada por todos, a 1ª República cairia sempre e em qualquer circunstância. Todos, desde a Seara Nova à Cruzada Nun’Álvares pediam a Ditadura. Não se referiam, certamente, ao mesmo tipo de Ditadura. Mas quando ela apareceu, começou por ser uma ditadura de republicanos moderados (Mendes Cabeçadas) para rapidamente passar para as mãos da direita e depois de Salazar.

Fonte : http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/historia_de_portugal/

Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921

Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921


Estes dois textos a seguir apresentados são reveladores das contradições dos seareiros. Por um lado, simpatizavam com o movimento, «por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes», por outro lado ficaram estupefactos de horror perante o seu desfecho. Mas mesmo na descrição dos horrores, Cortesão, aliás então bastante próximo dos anarquistas, escreve: «Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário». Um 1º Ministro, e os outros altos dirigentes, não eram vítimas suficientes para tamanha repulsa. Era importante acrescentar ... «um operário».

Simultaneamente o disparar em todas as direcções, meter no mesmo saco tudo e todos, só servia (e serve) para branquear as verdadeiras causas, cujo enunciado todos temiam, pois todos estavam, quer directa, quer indirectamente, implicados.

Os Últimos Acontecimentos

Mais uma vez a mais perigosa das utopias levou este país à epilepsia da desordem, já o tínhamos previsto. Nem foi surpresa para ninguém. Desta vez, porém, a impotência do movimento revolucionário revelou-se tão formidável, que eu julgo-o de incontestável beneficio educativo para o país. Ele lançou talvez o definitivo descrédito sobre o processo. Pôs a claro as ilusões que o determinaram, as mentiras em que se baseia, as consequências que traz consigo. E' um processo em franca liquidação Não cremos que ele possa tornar a arrastar grandes massas de homens; e aos que nos perguntavam no dia seguinte à revolução se ela tinha sido o triunfo da Seara Nova, nós poderíamos ter respondido que sim: pois que contribuirá, mais do que nenhuma outra, para demonstrar que só uma profunda acção educativa e social poderá trazer a este povo os benefícios que ela até agora tem esperado do motim e das revoluções improvisadas. A tese da Seara Nova recebeu mais uma confirmação. A gravidade dos factos compreendemo-la, mas não nos deixamos vencer por ela. Não cremos que seja este o último dia da nossa vida, e o dia de amanhã só tem— quem sabe?—que lucrar com as tristezas e as misérias do dia de ontem. Aprenderemos, fatalmente teremos que chegar a aprender à custa dos nossos desatinos e do nosso sangue. Experiência dolorosa, trágica, mas nem por isso menos salutar e necessária.
Não duvidamos das boas intenções dos organizadores do movimento revolucionário que acabou de se produzir. Simpatizamos com muitas das ideias do seu programa. Coincide em muitos pontos com a nossa a sua orientação política Não podemos deixar de reconhecer a nobre e dolorosa verdade que há na sua condenação de todo o passado da Republica. Mas já no primeiro numero da nossa revista afirmámos duma maneira categórica que «todos os processos de assalto revolucionário, em que o poder é tomado por surpresa, Sem o esclarecimento prévio do país sobre as intenções dos seus dirigentes, só poderão esperar da nossa parte, e sejam quais forem os princípios de que pretendam inspirar-se, a mais formal e indignada condenação »
Não temos de alterar uma só palavra ás afirmações que fizemos. Continuamos a acreditar que o país só poderá salvar-se depois duma profunda conversão das consciências, duma renovação da mentalidade, dum vasto movimento democrático em que todas as soluções sejam debatidas, esclarecidas e vulgarizadas; numa palavra, depois que se conquiste para um dado plano de reformação uma opinião publica perfeitamente consciente de si mesma, que permita a solução viável e segura de todos os problemas, sem receio de que, dum momento para o outro, falte aos «salvadores» a base da sua acção política. Continuamos a julgar que é um crime decidir da surte do país sem o país ser esclarecido e consultado Continuamos a rotular de «môsco» político o sistema que consiste em abrir as portas do Terreiro do Paço, na calada da noite, pela gazua das revoluções. Queremos fazer a revolução que pregamos à luz do dia, por processos enérgicos, mas pacíficos, em que toda a consciência nacional colabore, e não admitimos nela os criminais-natos que buscam nos movimentos revolucionários uma derivante aos seus instintos antisociais e a satisfação das suas perversas tendências destruidoras.
E a verdade é que, quando um movimento sedicional se produz nas circunstancias do actual, por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes, a baixa vasa humana dos sectários acha neles ocasião asada para exercer os seus instintos de morte e de rapina. Uma meia dúzia de homens caiu varada pelas balas dos assassinos. Prosternemo-nos perante os seus cadáveres. Choremos sobre todos eles as desditas da Pátria. Não perguntemos qual foi a sua política, quais os! seus erros, e os seus nomes Não nos atrevamos sequer a fazer distinções. Foram homens que caíram, vitimas dos erros e dos crimes de nós todos --dos deles próprios também. Vitimas de tudo o que fizemos e do que não fizemos; do que dissemos e do que calámos; do que praticámos e do que consentimos; do nosso egoísmo e do nosso silencio; da ignorância profunda em que deixámos o povo; da nossa falta de ideal, de espírito democrático e visão total das realidades. O sangue dos que caíram deve tingir as mãos de nós todos; e a sua ultima agonia devemos senti-la todos na garganta.
Nos lamentáveis sucessos cabe grande parte de responsabilidade aos dirigentes da Revolução. Porque o mais grave do caso é que podem não ter sido propriamente uns facínoras os homens que mataram António Granjo. Soldados broncos, sem nenhuma espécie de cultura, sem a menor noção das questões políticas e do grau de responsabilidade dos políticos nas desgraças nacionais, talvez julgassem que, se estavam empenhados, eles, soldados da Ordem, em fazer uma revolução contra o governo dum determinado homem, é porque esse homem era um criminoso culpado dos delitos mais graves. Exercendo esse selvagem morticínio, porventura eles teriam julgado praticar um acto de justiça sumaria. Dura e tremenda lição para os que, de aqui em diante, se lancem em movimentos revolucionários que podem armar, como este, os braços dos assassinos - dos que matam pelo prazer de matar ou pelo desejo de desforra, ou dos que assim praticam por considerarem tais actos perfeitamente justificados dentro da lógica e da moral revolucionarias.
O que vai sair de aqui? Quem é bastante estulto para esperar a salvação? Quem acredita ainda nas fraudes revolucionarias? Quem esperará ver nos ministérios que imediatamente se seguirem outra coisa que não sejam ministérios de simples expediente administrativo? E isto quando a força das coisas e a própria lógica das circunstancias nos não levarem para uma ditadura militar, com toda a opressão do sistema militar, e o predomínio dos interesses militares.
Nós, que fizemos o voto de dizer toda a verdade, e de conservar sempre acesa a sua chama luminosa, levantamos a nossa voz de protesto e acusação. Acusamos os de ontem e os de hoje. Os que já fizeram o mesmo e agora condenam nos outros, e os que, para corrigir os erros passados, começam por seguir os métodos do passado. Acusamos os partidos da oposição que conheciam o que se ia passar, e nada fizeram para evitar a catástrofe. Acusamos os que fomentaram todas as desordens, os que fizeram silencio sobre todos os desvarios demagógicos (Afonso, Sidónio e tantos outros), que não tiveram uma palavra de condenação e de proscrição para os miseráveis que, dizendo-se seus partidários, desmentiam todos os sentimentos da humanidade. Acusamos os potentados da finança, os últimos dos pervertidos morais (exploradores, especuladores, açambarcadores, falsificadores, inimigos do Povo, criminosos sacrílegos) que vivem de sugar todo o sangue da nação pelas ventosas da sua ambição desmedida. Acusamo-nos a nós próprios por só agora termos tido este grito, por só agora jogarmos a bem da nação o nosso próprio destino.
Desanimamos definitivamente? Não, cremos ainda. E sobretudo cremos na mocidade, que nós subtrairemos ás ilusões sub-humanas do snobismo, por ser ela aquela parte da nação que melhor pode compreender o nosso gesto e as nossas palavras, por não ter feito ainda do coração a lama asquerosa onde vegetam os baixos sentimentos do egoísmo e da rapina. Compete à mocidade portuguesa o destino mais belo do mundo: fazer duma nação vergonhosa, presa ao vilipêndio de todas as nações, uma nação humana e digna, capaz de se instituir em exemplo de virtude e de trabalho. Que a mocidade responda ao nosso apelo; siga o nosso exemplo; diga como nós: Basta! E como nós se lance na grande aventura de dar à Pátria a salvação. Só assim o sangue dos mortos fecundará a terra em que que nascemos!
20-Outubro-1921. R. P.

Em aditamento ao seu artigo «Crise Nacional» Jaime Cortesão escreveu:

Nota.—Tínhamos escrito estas palavras, antes dos últimos acontecimentos revolucionários. Não temos que alterar uma única. Ao contrario, aqueles factos vieram confirmar e agravar muitas das nossas afirmações. Cremos, ao invés dos dirigentes revolucionários, que a crise nacional se agravou temerosamente nestes dias. A boa vontade dos homens não pode modificar dum dia para o outro os vícios e defeitos, que representam a obra e a infiltração dos anos ou dos séculos.
Referimo-nos atrás ao desfecho que a crise nacional fatalmente há de ter, se a tempo não nos emendarmos:—«depois dalguns dias de desordem sanguinária, em que todos, todos temos a perder, a tutela estrangeira, clara ou disfarçada». Não estávamos, todavia, convencidos que os factos viessem confirmar tão completa mente essas palavras. Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário, seguidos dos «desejos» do corpo diplomático devem bastar como sinal e amostra, para convencer os mais incrédulos da inadiável urgência de mudar inteiramente de caminho.
JAIME CORTEZÃO

Não basta entregar a "declaração de interesses" no Tribunal Constitucional é necessário entregar a declaração de "desinteresses" no tribunal popular

Podem ser patrocinadores honestos, honestos de antes-de-ontem, desonestos, o que é necessário é o povo saber, durante as campanhas, quem ajuda financeiramente a "eleger" os presidentes da República para assim se perceber a composição da "carta" do sr. presidente. Não é uma causa de presidência. Está em causa a essência do "Regime".

terça-feira, 25 de novembro de 2008

19 DE OUTUBRO DE 1921 o fim da 1ª República


19 DE OUTUBRO DE 1921


O 19 de Outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela continuou até 28 de Maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos respectivos caciques, directas ou por interpostos testas de ferro; a eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP: renunciou e abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa com destino ao estrangeiro.

Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de Outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efectivos passaram de 4575 homens em 1919 para 14 341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal cacique e mentor da GNR, em Fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efectivos do corpo de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de Agosto, era o alvo.

O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas actividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projectava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de Agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d’ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».

O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G. N. R., e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertos logo a seguir, o movimento de 19 de Outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à acção as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às 9, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.

Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.

O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».

Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107), «Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e sonho...».

Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.

Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.

A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.

Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»

A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de Outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.

A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados… Se querem prender Machado Santos venham por aqui…». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.

Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.

Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus actos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?

O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correcta: os assassínios de 19 de Outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da turba—a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo acto, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».

Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam aceitar a explicação simples que teria sido a sua acção, o radicalismo da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas (desde que favoráveis), aos regicidas, a desencadear tanta monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração monárquica e ibérica; a Maçonaria (a acção da Maçonaria sobre a Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não significa que desse ordens para aqueles crimes)

Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos, aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos, na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de vingar Outubro de 1910, mas sim Dezembro de 1917. Carlos da Maia e Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos, coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de Outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à República Nova e não ao 5 de Outubro. Aliás, num gesto significativo, os revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.

Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de Outubro, a Imprensa da Manhãreivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente: depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte àImprensa da Manhã para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã. Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa realização.

Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo, razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento (ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.

Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos «outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos. Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16 de Dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.

A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.

A república ficara ferida de morte.

Nota - sobre este assunto ler igualmente:
A Seara Nova e o 19 de Outubro
Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921
~

Fonte :http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2004/10/19_de_outubro_d.html

Vamos "abolir" a ignorância?


"(...) A monarquia ainda esteve no poder durante mais dois anos, chefiada por Manuel II, mas viria a ser abolida em 5 de Outubro de 1910, implantando-se a República".

...até parece que houve um "decreto" vindo de algures....! 
Apenas um exemplo de como se vai picando a história nossa, escrita e propagandeada aos soluços e com ignóbil intencionalidade. Depois queixam-se dos problemas na Educação....

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Provar do mesmo prato....


Pois. Uma das armas dos republicanos até 1926 foi a injúria. Era vê-los, de prosa porca na boca a dizer tu ta e meia do chefe de estado, da família Real, depois dos seus correlegionários e demais chefes de chinelo. A imprensa, então, não podia ser mais sensacionalista do que a de hoje, ou melhor, a de hoje é mais latrina do que alguidar. Quando em Junho de 1903 foi assassinada a família real sérvia, escreveu o José Alpoim: «Foi uma limpeza!» Quando foi impresso o "Marquês da Bacalhoa" os jornais exortavam "em Lisboa vende-se a sorrelfa" [escrita por um autor conhecido por o "Lêndea" (imaginem porquê?)]. Pelos vistos o respeitinho continuou, continua, e agora temos um presidente da república – em comunicado – a exigir respeito por si e pelo cargo face a notícias, colagens e bocas nos jornais... é caso para dizer que pelos vistos provar do mesmo prato servido aos últimos chefes de estado, do antigo regime, não é lá muito saboroso... 

domingo, 23 de novembro de 2008

Entrevista Revista Homem Magazine (1)

Durante as próximas semanas iremos transcrever aqui uma entrevista da jornalista Cláudia Baptista sobre o projecto Plataforma do Centenário da República publicada na revista Homem Magazine de Novembro.

HM - Quem são João Távora e Carlos Bobone?

R: Somos dois cidadãos da república portuguesa que tiveram a ideia de viajar até às origens do regime que nos tutela e ficaram fascinados com esse mundo tão desconhecido e tão diferente do nosso. Achámos que a experiência merecia ser divulgada e pusemo-nos ao trabalho, reunindo documentos, jornais, livros e fotografias que dão um panorama do que se passava e pensava na época da implantação da república. Não temos passado político.

HM - Em que principais aspectos acham que a história da república está mal contada?

R: Os aspectos mais repressivos e impopulares da história da república encontram-se protegidos por um manto de pudor que os protege de olhares indiscretos. Parece haver partes da história que não se devem desvendar, tal como há partes do corpo que se escondem dos olhares exteriores. Na história de Portugal a linha que demarca o pudor acaba em 1926. A partir daí expõem-se todas as “vergonhas”. Qualquer cidadão minimamente instruído conhece o aparelho repressivo do Estado Novo, e se tiver dúvidas a esse respeito encontra abundantíssimo material para seu esclarecimento: livros, revistas, catálogos de exposições, actas de colóquios, testemunhos públicos e privados explicar-lhe-ão o que se passava a respeito de censura, polícia política, eleições e oposição.
Quem dirija a sua curiosidade para os primórdios da república recebe um tratamento bem diferente. Não só terá de fazer sozinho a maior parte do trabalho de pesquisa, consultando jornais, folhetos, testemunhos da época, como encontrará pelo caminho obras recentes que o induzirão em erro, por vezes com o patrocínio do Estado Português. Se quiser saber, por exemplo, qual era a situação da imprensa durante esse período, arrisca-se a comprar, no Museu da República e da Resistência ou na Biblioteca da Assembleia da República, um livro muito bem ilustrado, onde lhe dirão que a república trouxe consigo uma nova era de ampla liberdade de imprensa, interrompida esporadicamente pelos efeitos da primeira guerra mundial e pela necessidade de defesa contra as agressões monárquicas. Mas nas próprias ilustrações do livro encontrará motivos para duvidar do optimismo do texto.

(Continua)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

19/11/1918: a esquadra do Kaiser aguça cobiças...



Há exactamente noventa anos, partia em direcção ao internamento na Grã-Bretanha, a maior parte da Hoch See Flotte imperial alemã. Composta por onze couraçados, cinco cruzadores de batalha, oito cruzadores e quarenta e oito contratorpedeiros, cumpria uma das cláusulas do Armistício de 11 de Novembro. Temendo o poder desta moderna esquadra que pretendia rivalizar com a Royal Navy, o governo de Londres exigiu o imediato internamento da mesma, decidindo-se o seu destino na assinatura do futuro tratado de paz.  Comandada pelo almirante Reuter, a poderosa armada chegou ao Firth of Forth, onde se fiscalizou o seu desarmamento, antes da prevista dispersão nos portos de internamento. Para grande furor dos alemães - que esperavam o seu internamento em portos neutrais -, a Inglaterra decidiu fundear a K.M. em Scapa Flow, numa clara e abusiva interpretação das cláusulas do Armistício.

 

Esta captura integral de navios modernos, bem armados e até então invencíveis na batalha, despertou de imediato a cobiça dos vencedores, entre os quais as pequenas potências almejavam  obter a título de reparação, uma parte considerável dos despojos. Entre estas, encontrava-se o Portugal da I república e sendo a Marinha considerada como o braço armado do regime, de imediato despoletou a febre pela pilhagem fácil. Tendo prometido ao país uma esquadra poderosa e moderna que ombreasse pelo menos com a sua congénere espanhola, a república falhara totalmente nos seus grandiosos propósitos, contentando-se com os navios herdados dos tempos da monarquia.

 

Tal como as reivindicações territoriais desmesuradas que a imprensa a soldo dos "democráticos" propalava como inevitáveis, a esquadra do Kaiser era agora o novo ponto de interesse da demagogia arruaceira que imperava nas ruas, tascas de vinhos e carvão e  no simulacro parlamentar que era o hemiciclo de S. Bento. Enquanto empurravam os caracóis fritos pela goela abaixo, emborcando o típico carrascão do Cartaxo, os sábios mestres escola da república lá iam dando as suas lições de estratégia naval aos papalvos, entrecortando a erudição com a necessária limpeza dos beiços, nas mangas das jaquetas. Já se imaginavam coloridos cenários tágicos, onde uns quantos reluzentes couraçados e cruzadores saqueados à boa maneira dos corsários do século XVII, justificariam aos olhos dos basbaques, as certezas e luminosas esperanças salvíficas daqueles  barbichosos heróis, que de toalha enrolada à cintura na húmida e quente sala de vapores dos Banhos de S. Paulo, tinham esperado o triunfo na Rotunda.

 

O almirantado britânico inquietava-se com uma insustentável situação dúbia da ameaçadora armada que tinha à sua guarda. Não podia apossar-se da mesma, nem destrui-la para consumar a vitória sobre a poderosa rival. Durante dois anos, as negociações arrastaram-se, algumas unidades menores foram prometidas ao Japão, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, para serem utilizadas como alvos em testes. Das unidades maiores - os couraçados e os cruzadores -, as potências não podiam facilmente dispor, sem desequilibrarem perigosamente a relação de forças entre as mesmas. Para os chefes militares, a posse destas unidades por países onde a instabilidade política, económica e social era regra - Portugal, Grécia, Jugoslávia ou aliados sul-americanos -, a hipótese da concessão de navios tão valiosos estava fora de qualquer cogitação.

 

O impasse  chegou ao fim, quando em 21 de Junho de 1921 e aproveitando a saída daHome Fleet para exercícios, o almirante Reuter deu o sinal "Parágrafo Onze. Confirmado", que era o código para o imediato afundamento dos navios. Apesar do frenético esforço dos britânicos, todas as unidade mais importantes da Kaiserlische Marine desapareceram sob  as ondas, numa atitude de desafio aos seus captores. Para grande alívio da Royal Navy e profunda frustração do regime dos senhores Costa, Almeida e Bernardino, 400.000 toneladas deixavam de poder alimentar despropositadas megalomanias. Mais um auspicioso evento a comemorar pela Comissão regimental do centenário da república.

 

Uma sugestão: seguindo o exemplo dos "pais da república", os ministros da defesa bem podem ir imaginando e torcendo pela queda da monarquia em Espanha e o consequente desmembramento do país em risonhas republiquetas de carnaval, com castanholadas, peinetas e boleros. E a consequente partilha da esquadra. Bem podiam lançar o gancho aos porta-aviões João Carlos I e Príncipe das Astúrias, rebaptizados respectivamente,  com os nomes de NRP Aníbal Cavaco e NRP Patrícia Cavaco. Isso é que era...