Como seria de esperar, a blogosfera transmite tudo aquilo que é próprio daquele mundo animal, ao qual jamais deixámos de pertencer. Alguns velhos ódios e rivalidades que se esgrimem sem atender a um mínimo de moderação nos argumentos, preenchem durante horas a fio, páginas de leitura que por vezes se torna viciante, tal a qualidade de alguns textos. Noutros casos, as coisas não se passam da mesma forma, alternando entre o comum sarcasmo atirado boca fora, devido à conveniente protecção da varanda onde se encavalita o valente e o insulto ordinário que assim sendo, dispensa a réplica.
Não é este o caso. O Albergue Espanhol - o qualificativo espanhol parece hoje ser uma monomania de fim de estado de coisas - tem entre os seus cronistas, o
jornalista Luís Naves, homem contra quem nada encontro, para uma animosidade de estimação. Luís Naves é mesmo um singular, existe, é de carne e osso e dá a cara. Não sendo um imaginativo "colectivo Abrantes, algures num T3 alugado perto de si, em Lisboa", pelo que se lê, tem
vivido habitualmente o sistema implantado, sem que isso queira dizer que dele retire algum benefício próprio, colhido na selecta coutada a que alguns têm exclusivo acesso. Acredita que "assim estamos melhor" e esse é um direito que assiste à sua cidadania. Luís Naves está convencidíssimo daquilo que mais de um século de publicidade - o termo
Propaganda, é por demais ofensivo e insinua desleixo mental do receptor - enraizou nas sempre permeáveis gelatinas cerebrais de quem se encontra disposto a escutar. Se existe aquele velho lugar comum que diz ser "a palavra de prata e o silêncio de ouro", tal se deve à sabedoria inata de dúzias de gerações de ignaros, fossem eles servos da gleba, mesteirais ou frequentadores de aprazíveis flanares em Paços perfumados por limoeiros, ou outros, mais modernos, confortáveis e funcionais, à beira Tejo. A avareza nas categóricas afirmações, dita sempre, aquela necessária prudência que conformará actos com indeléveis resultados políticos, afectando a indefesa massa de obscuros sujeitos de um poder indiferente, mas bastante senhor dos seus chamados "direitos adquiridos". Esses mesmos direitos ardilosamente adquiridos, simplesmente expressos em comissões, gabinetes, fundações, prémios, acumulação de reformas, jogatanas fora de Bolsa e outras tantas trivialidades, são hoje em dia, pobremente expostas nos parques de 920 automóveis que após dois ou três anos, podem ser adquiridos pelos usuários, a um preço de colocar os olhos em bico, qualquer chinês de loja de ocasião.
É este o pesado ónus da cadavérica
República Portuguesa. Violentamente arrebatado o trono, em prol dos círculos de amigos e influentes militares, financeiros ou meros agentes do Partido, esse poder pode ser hoje considerado, como dilecto exemplo daquela figura jurídica que consagra o esbulho da vítima pela sua impotência ou ignorância do facto, plasmando-se assim o
Usucapião. Bem vistas as coisas, esta figura do direito, está bem patente nos mirandeses
Limites Materiais à Revisão Constitucional, impondo fórmulas imorredouras para alguns, mas muito prepotentes para os demais. A alegação auto-confiante, infalivelmente assenta no menosprezo da dimensão física da massa oponente - a "minúscula minoria" que Luis Naves insiste em querer imaginar, sem que para tal afirmar, conceba sequer o contar das espingardas próprias e alheias - e sempre que necessário, no recurso ao conhecido saquinho de onde saem os ovos podres arremessados à honorabilidade e sanidade mental daqueles que contestam já há muito, improváveis verdades intemporais. "Estúpidos", "bacocos", "toureiros semi-analfabetos", "bigodes retorcidos" e outros mimos do costume. Mal imaginam os ainda donos desta manada, que para cada epíteto arremessado aos "imbecis", existem outros com os quais a opinião pública criteriosamente julga o Esquema vigente: se os monárquicos são "estúpidos", os republicanos deste regime serão os bem conhecidos
"chicos-espertos", como o comprovam as notícias diárias relidas em qualquer órgão noticioso escrito, orado ou
online. Se os monárquicos são "bacocos", os republicanos poderão bem ser os tais ...
"chulos que metem a unha à grande", de qualquer conversa escutada no café da esquina, ou na fila da caixa do Minipreço do bairro. Se os monárquicos serão os "toureiros semi-analfabetos", o que serão então os republicanos que pontapearam várias gerações deste país, para o mais inacreditável
estádio de borreguismo que se conhece na Europa ocidental? Quanto aos há tantas décadas desaparecidos "bigodes retorcidos", é com um certo gáudio que ainda vemos por aí, uns exemplares repescados de outras gerações, mas que adoptando um modelo perene
à egípcia, vão mantendo aquelas características imediatamente identificáveis de clã. Enfim, umas particularidades capilares transplantadas algures do baixo ventre para a zona facial e craniana, a caspa de
griffe, o "ar" semi-
teen ager Por-fí-ri-os de sempre e a insistir que aquelas
501 apertadinhas, lhes ficam tal e qual como nos tempos em que ainda não existiam pneuzinhos abdominais. Um omnipresente livrinho sempre nas unhas, veio substituir o pedaçito de lata partidária à lapela e aquelas velhas
mariconeras de zip, que o travestis do sovietismo da moda, os MDP-CDE's, tanto gostavam de exibir nos idos de 75. Seguem sempre a máxima lampedusiana que apenas se traduz literalmente no confortável "fazer de conta". Olá! e se resulta, este fazer de conta...
A nave republicana, hoje bolina, mas já não pode contornar os escolhos escondidos por um mar perigosamente encapelado.
Os minúsculos e iletrados monárquicos ...
"até já sabem ler", publicam e
esgotam edições após edições, dão aulas nas universidades e zurzem impiedosamente o outrora imponente sátrapa republicano. Embora não partilhem da sua manjedoura, agarram-se-lhe à unha negra do pé esquerdo, tal como carrapatos de curral. A informação encontra-se democraticamente à disposição de todos e bem pode Luís Naves recorrer à
Ilustração Portuguesa - pós 1910, claro -, ao
Mundo, ao
Século, às piedosas pajelas do
PRP de Raul Rego e outros tantos órgãos de informação de solitária referência intelectual, deles extraindo os espampanantes ..."chapéus de Dª Maria Pia, as amantes reais, corridas à Arreda" e outros tantos factos insofismáveis daquela que para eles, é sem qualquer dúvida, a única, verdadeira e
Grande Estória que convém frisar. Os argumentos atendem sempre à aparência e aos zelosos defensores da presente Ordem adquirida, não lhes passa sequer a hipótese daquele tipo de "plantação de provas" em que Portugal inteiro se tornou perito. Esta reedição saloia de
E Tudo o Vento Levou, tem sido uma constante desde antes de 1910, quando se lançaram as sementes daquela farta safra que teve os seus melhores dias durante os tempos de passeio da
Camioneta Fantasma e do
Dente d'Ouro, da
Formiga Branca e da sua zelosa sucedânea
PIDE, dos controleiros saneadores do
COPCON e homólogos escribas civis - alguns internacionalmente galardoados - e na versão do novo século, nos dedilhadores de teclado de serviço caseiro ou de horário de expediente.
Talvez podendo imaginar onde ainda se encontra encafifado, melhor faria Luís Naves em instar junto daqueles que imagina serem "os seus", pelo ressurgimento do surripiado dossier do Regicídio, provando assim ad nauseam, a acusada ..."perfídia monárquica que fez matar o seu próprio rei" e que para tal, abjectamente ..."usaram os homens do Partido que desde 1910, necessariamente ocupou a representação do Estado". Isso sim, seria o golpe decisivo nos "bigodes retorcidos desde o flutuar na placenta da barriga da mãe", para mais acompanhando a limpeza geral, pela espadeirada do prometido
referendum que jamais veio e que para as suas divinas e augustas mentes, ..."jamais será necessário convocar". Ora, aqui estaria um excelente serviço, para aquilo em que o materialistas dialécticos estranhamente coincidem com os usurários e que comummente designam por
factos. Não nos referimos à estória factual de emplumados chapéus, mas sim aos não ocultáveis números de carris de ferro colocados, portos construídos, institutos científicos e museus criados, liceus erguidos nas cidades, territórios adquiridos, liberdade de expressão e paz social, progresso material traduzido nos mercados, formação intelectual de gerações - entre as quais se contavam os republicanos de 1910 -, crédito externo nas bolsas e nas chancelarias, ou outras minudências. Deixamos tudo isso ao seu esclarecido critério e aguardamos ansiosamente, o seu final reconhecimento de palpáveis e "velhas conhecidas novas", há muito lidas.
Eles sabem que o que importa é que tudo fique, como há tanto tempo está. Desde que se mantenham as aparências e muito se berre e gesticule pelas liberdades - próprias -, justiça - a aplicar a outrem -, progresso - de carreira - e outras antigas, mas sempre convenientes originalidades. De preferência, num televisivo curro, com três ou quatro chocas de serviço e agitando os respectivos guizos.