sexta-feira, 28 de agosto de 2009

As mentiras da República


Há quem diga que as grandes causas se celebram no dia nascimento e que as monstruosidades se evocam no dia da morte. Ora, as celebrações de 2010 carregam essa contradição in terminis. Um desastre que ainda hoje pagamos, que só trouxe desgraças, que nos fechou, isolou, marginalizou e transformou-nos - palavras da época - no México da Europa, apenas superados no exotismo canibal e no desvairamento pelos países balcânicos, não pode, não devia, ser exibido como exemplo. Podemos aceitar de barato que na génese destas celebrações haverá pessoas bem intencionadas, outras nem tanto, pois o grave de tudo isto é que se as pessoas bem intencionadas fazem parte dessa larga maioria de compatriotas que foram colocados perante um facto consumado - 100 anos depois a República continua couraçada e indisponível para medir forças, faltando-lhe elementar coragem cívica para questionar os Portugueses sobre a sua existência - as outras, aquelas que mais encarniçadamente não poupam adjectivos e rapapés aos homens do 5 de Outubro, fazem parte daquilo a que chamamos de "estupidez inteligente".


Os mais ardorosos defensores das celebrações são homens do PS. Ora, sabem os esclarecidos socialistas que a República foi um golpe mortal no socialismo democrático e reformista. Sabem os nossos socialistas que os homens que fizeram a República se nutriam de um caldo meso-oitocentista que foi um dos principais arrimos do populismo e do cesarismo que em França matou o liberalismo de 1830. A República, datada e quase caduca culturalmente quando se impôs a tiros ao país, foi elemento de atraso, combateu com intolerância extrema todos os sinais de vitalidade e criatividade - por alguma razão, os grandes vultos da cultura portuguesa de finais de Oitocentos, mas sobretudo os do primeiro quartel do século XX foram ferozes anti-republicanos - e retirou-nos da arena cultural europeia.


Há quem repita ad nauseam que na monarquia liberal havia pulsões autoritárias. Havia-as, é certo, mas tão contidas pela moldura da Carta e pela existência de uma chefia de Estado dinástica que tais derivas autoritárias se limitavam a assumir a figura de "ditaduras comissariais", períodos de suspenção da actividade parlamentar. Ora, a República, aproveitou-se dessa figura e exerceu o poder ao arrepio das leis que ela própria promulgara. De 1911 a 1923, ou seja, oitenta por cento da sua existência, deixou de haver a tão aclamada fórmula canónica dos regimes de liberdade que desde o século XVIII são sinónimos de regimes com "separação de poderes". Durante a República não houve, de facto, separação de poderes. Se estes estavam inscritos na Constituição, foram sucessivamente neutralizados pela governação expedita dos hierarcas agora festejados. A nomeação de juízes pelo governo, a existência de presos políticos (e de cárceres privados), o afastamento de chefes de Estado pelo governo, a censura e o poder da tropa, primeiro, e depois da Guarda republicana, são sobejas como eloquentes provas da ilegalidade permanente em que viveu essa mitificada República.


Custa-me que pessoas que tão bem o sabem, calem e relativizem tantas e tão tremendas entorses que ditaram, et pour cause, a aceitação quase apoteótica da Ditadura Militar de 1926.

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