terça-feira, 13 de maio de 2008

A república vista pelos republicanos

Um dos aspectos mais relevantes do regime saído do golpe de 3-5 de Outubro de 1910, consistiu na mais estrénue guerrilha inter-partidária jamais vista em Portugal. O embuste ganhou forma como forma de governo e o arrivismo, prepotência e boçalidade dos novos senhores, tornaram-se de imediato patentes aos olhos da atónita opinião pública citadina, que via cair a máscara dos auto-proclamados púdicos. O melhor recurso de que hoje dispomos para o julgamento, mesmo que epidérmico, do carácter daquela gente, consiste nos milhares de folhas escritas em diários, cartas a terceiros e artigos de opinião. Os "republicanos" cultivaram fraternos ódios de clube bairrista, atacaram-se violentamente, disputaram primazias, cargos e prebendas, fazendo empalidecer tudo aquilo que anteriormente diziam acerca dos derrubados rivais do tempo da "ominosa" Monarquia. A realidade da política caseira e internacional, fê-los descobrir a sua total inépcia para a gestão de simples assuntos correntes do Estado e um dos argumentos finais para o seu fracasso, consistiu na acusação de "a república não soube fazer-se porque não expulsou o funcionalismo dos tempos monárquicos". Como se tal coisa fosse possível, isto é, a demissão compulsiva de todos os detentores de cargos relevantes ou não, do aparelho do Estado. Secretários, chefes de serviço, pessoal diplomático e de todos os departamentos públicos, professorado, enfim, toda uma rede que viabilizava Portugal como país soberano e organizado politicamente. Delírios, ilusões e decepções logicamente decorrentes. Foi este o resultado obtido pelos conspiradores dos cafés e tascas da capital.
José Relvas e as suas Memórias Políticas, fornece-nos um precioso manancial informativo, com uma precisão e perspicácia de julgamento dos seus pares que assombra pela absoluta frontalidade e desprezo. Desta forma, utilizaremos as suas palavras para a caracterização do estado de coisas criado pelo regime dos senhores dos Banhos de S. Paulo.
Acerca de Afonso Costa e de Bernardino Machado, dizia ..."aqueles dois homens fizeram uma obra de divisão (...) e foram assim os maiores agentes da obra liberticida que veio a ser a característica da República, na sua pior fase!" De Teófilo Braga, afirmava que ..."o partido republicano teve acerca deste homem as mais funestas ilusões, funestas para a Nação e para a República (...) causa nobre e bela, daquela beleza que em rigor só existe na obra irrealizada"... Desta forma o regime transformou-se ..."num mercado ululante de ridículas ambições e pueris vaidades (...), um estado que perdeu toda a autoridade e todo o prestígio, dirigido por insensatos, anarquizado por doidos e abandonado ao seu destino por egoístas e pusilânimes (Diário de João Chagas, vol. IV, Janeiro de 1919 e vol. II, Paris, Janeiro de 1915). Já no período de desesperada desilusão e referindo-se à manhã da proclamação na Câmara Municipal de Lisboa, desabafava para a posteridade ..."Quem diria então que soma imensa de desenganos viria, não da ideia republicana, mas de outros abusos cometidos pelos republicanos!"
José Relvas, como todos aqueles abastados descontentes profissionais, não percebeu que Portugal era de facto uma república, enfim, aquilo a queLafayette chamava "a melhor das repúblicas". A incomensurável superioridade do rei D. Carlos, a grande visão de um futuro aberto à ciência que era apanágio da rainha D. Amélia e o arreigado patriotismo das camadas populares, foram totalmente obliterados pela simples sanha destruidora, pelos ódios e desejos de ajustamento de contas velhas e pessoais. Foi o triunfo da mediocridade.
No âmbito do centenário do Regicídio e da "república", continuaremos a abordar este tema de geral interesse, a república vista pelos republicanos.

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