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domingo, 8 de agosto de 2010

A República, um «estonteamento nervoso».

MATOS, Sérgio Campos e FREITAS, JOANA Gaspar de - Correspondência Política de Manuel de Arriaga. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. ISBN: 972-24-1309-0

Uma das fontes mais credíveis para o estudo da Primeira República é a epistolografia pessoal e política. Ela revela os momentos candentes e as manigâncias dos homens do regime, e uma descrição muito mais sincera dos atalhos para os fins, geralmente de cariz corporativo, partidário e ideológico. De resto, em 100 anos, neste aspecto, pouca coisa mudou.
Nesse sentido, apela-se para a leitura da Correspondência política de Manuel de Arriaga, o decano do republicanismo português que na sua proverbial carreira política soube, melhor do que ninguém, atalhar o melhor que pode para salvaguardar os interesses do regime, mas sobretudo os seus e os dos seu «partido». Sirva como exemplo maior a epístola 310, confidencial e datada de 23-1-1915, em que Manuel de Arriaga implora ao amigo Pimenta de Castro que o não abandone e a quem entrega de bandeja o governo do país, passando por cima da autoridade de Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, o presidente do conselho de então. São, aliás, pungentes os adjectivos que Arriaga utiliza para se dirigir ao futuro ditador: «o teu austero e belo nome servirá para garantir a genuinidade do sufrágio, a conciliação e a paz na República e no exército».
Mas toda a obra mostra o decorrer da obra republicana no pós-Outubro de 1910: diferendos, cisões, ameaças, cartas de anónimos a vociferar contra a corrupção e a amoralidade da República. Sem esquecer a questão da própria bandeira rubra e verde que um amigo de Manuel de Arriaga faz questão de resumir num assertivo comentário datado de 1911:

Com esta carta envio-te o incluso estudo, que uma convicção, porventura ridícula do meu espírito, de acerto na solução, me faz considerar meu dever não a deixar desconhecida, tão profundamente se me encaixa na cabeça a ideia, ou antes o sentimento de que a bandeira verde-vermelha é a negação do sentir nacional, é um pavilhão sugestivo de ódios e de desunião, é tudo que há-de menos Português para simbolizar o velho venerando Portugal rejuvenescido, orgulhoso do seu Passado e transformado em anseio de felicidade, de Justiça, de Moralidade, de Progresso e de alegria vivificante de Paz e Prosperidade!
Não compreendo, não compreendo uma bandeira irritante do cérebro e que se não pode olhar por muito tempo sem estonteamento nervoso! Imaginemos um sujeito condenado a viver numa cela forrada de verde-vermelho! Seria textura que daria assunto científico para estudar a influência dessas cores conjuntas sobre o órgão visual com o tempo, que acabaria por enlouquecer a vítima! Seria um nunca acabar o desfiar de argumentos contra tais cores fundamentais! Perdoa este desespero sentido de um velho português. E perdoe-se-me a audácia da minha crítica e as pretensões ao meu projecto pela sinceridade do sentir, e pelos propósitos de ser tudo a que me abalancei, considerando um problema patriótico, que deve ser tratado como um problema democrático. Mil respeitos aos teus, e muito afectuosamente um abraço para ti do velho amigo

Pedro R. Folque

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A noite do "Bolo-Arriaga"...


Uma das curiosidades consequentes de qualquer golpe de Estado, consiste sempre na apressada mudança dos nomes, sejam estes os das ruas, avenidas, praças e até cidades, ou noutros casos, a alarvice chega mesmo à pastelaria.
Pois bem, em Portugal somos peritos neste tipo de actividade e aqui deixo alguns exemplos:

1. A Av. Rainha Dª Amélia passou a chamar-se Av. Almirante Reis, o tal senhor que apenas se notabilizou por desfechar um tiro na própria cabeça. Fez bem, coitado. Como teria passado os anos a seguir à vitória da Rotunda? Aliás, esteja onde estiver, a rainha agradece. A Almirante Reis é frequentada por uma certa calibragem que não é passível de se coadunar com o vestido de cauda de uma rainha. É a ironia da justiça deste mundo.

2. Uma localidade. Lembram-se de Poço de Boliqueime? Pois… Quando Sua Excelência o Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva ascendeu a 1º ministro – já foi, já foi e não vale a pena “fazer de conta” que não -, o autarca lá do sítio logo mudou o nome à terra, promovendo-a a Fonte de Boliqueime. Mas, o problema é que o cavalheiro agora é o Supremo Magistrado, o Venerando Presidente da República! Então como é? Para o segundo mandato, há que adequar a vila à sua nova categoria, saltando de Fonte, para Termas de Boliqueime. No mínimo! Aqui fica a sugestão.

3. Agora vem um dos meus favoritos. Quando o Afonso Costa concluiu que a coisa já estava feita e que o Directório do PRP não corria riscos de ir parar à fronteira, lá saiu, mais os amigos, dos Banhos de S. Paulo, onde “faziam de conta”, despreocupadamente nuzinhos e de toalha enrolada à cintura. Não fosse a Guarda Municipal pensar que estavam envolvidos na tramóia. Enfim, começaram logo a mudar o nome às coisas, a começar pelas ruas, avenidas, praças e navios da Armada. Logo depois, pegaram naPortuguesa – o tal Hino que o Keil e o Mendonça dedicaram em 1891 a D. Carlos e a D. Miguel! – e impuseram-no como símbolo nacional. Tudo bem, é grandioso e bonito. Chegou a vez da Bandeira. Pronto, é difícil, medonha, mas podemos tentar compreender.

Mas…
Que coisa, chegarem ao ponto de decretar sobre o novo nome do Bolo de Natal?! Incrível? Não, é verdade.
Daquelas cabecinhas pensadoras, aventaram-se algumas hipóteses, entre as quais o nome Bolo da Família. Mas não, a coisa cheirava muito a clerical. Estão a ver, família, logo eflúvios a incenso papista. Não dava.
Tiveram então a brilhante ideia de honrar o dito Bolo com o nome do primeiro presidente – aliás, pouco tempo depois forçado a demitir-se, acusado de cesarismo – Manuel de Arriaga. O Bolo era oficialmente conhecido por Bolo Arriaga!
Pelos vistos não pegou, até porque nestas coisas do merchandising, uma coroa sempre é uma coroa. Comprariam alguma coisa cujo rótulo ostentasse o "ovo estrelado" com os dizeres Fornecedores da Casa Presidencial? Duvido muito. Por exemplo, imaginem vocências abrirem um negócio com o nome Presidente das Meias, o Presidente dos Cachorros Quentes, ou o Presidente dos Frangos. Falência tão certinha, como a reconhecida perícia de Sua Excelência a Senhora Doutora Dona Maria Cavaco Silva em fritar sonhos para a Consoada.
Já sabem como é. A cada um, o seu bolo, seja ele Arriaga, Bernardino, Carmona, Craveiro, Tomás, Soares, Sampaio ou Cavaco & Esposa. Cá por mim, obscurantista de tintes medievalescos à inglesa, abarbato-me com o velho e prestigiado Bolo Rei. Sem fava e com muitas frutas cristalizadas.