O longo, maçador, complicado e desajustado texto constitucional, tem servido para manter as orgulhosas certezas daqueles que o tendo violentamente combatido nas Constituintes de 1975-76, acabaram por se trasmutar nos seus mais estrénuos defensores. As explicações são muitas, sobressaindo o peso da pulsão nostálgica de um certo mundo que decorridos poucos anos desapareceria como se de um obsoleto e bélico artefacto imprestável se tratasse.
Alberto João Jardim tem bastas vezes discutido o articulado constitucional, nele vendo - com razão - a sua conformidade com o tradicional pendor centralizante herdado do Estado pombalino. Os críticos continentais ao grande sucesso da autonomia regional madeirense, apontam o facto da enxurrada de fundos comunitários que possibilitaram a transformação do arquipélago em algo bastante diferente daquilo que o território peninsular à primeira vista nos oferece. Cidades bem cuidadas, património valorizado, infraestruturas úteis que beneficiam a vida de todos, muita limpeza e aquele certo ar de destino de luxo que tem um imediato paralelo naCôte d'Azur francesa. Por muito que isto custe aos maledicentes, a Madeira parece ser um território distinto, enfim, estrangeiro.
Assim sendo, é natural a pretensão de obter algumas vantagens formais que se coadunem com uma dignidade regional há muito assumida e secretamente invejada por outros. Quando há uns meses o Duque de Bragança levantava a hipótese de numa nova Monarquia as regiões passarem a constituir um Reino Unido com Portugal, a proposta encerra vastas possibilidades, até para o conjunto dos países insulares de língua portuguesa no Atlântico. A sempre apregoada solidariedade nacional - que em muitos casos significa nada mais senão o termo "caridade" no sentido pejorativo -, não tem conseguido coadunar a necessária distribuição equitativa de fundos, com a imprescindível libertação de peias que podem ser interpretadas como vexatório padrão de posse colonial. Na realidade, o estipulado pela Constituição de 1976 estabelece uma forte dependência formal em relação à Metrópole e a própria existência do chamado Ministro da República, não passa de um caricato disfarce da autêntica figura representativa dos antigos Governadores-Gerais das províncias ultramarinas. O que os autonomistas pedem, é pouco, quase nada, embora os media a soldo do conglomerado financeiro-político sediado em Lisboa, queiram fazer crer do contrário.
A.J. Jardim mencionou ontem um aspecto bastante incómodo para o status quo da política portuguesa, propondo a proibição do comunismo e a inclusão de um preceituado conforme aquele que a mesma Constituição de 76 prevê em relação às organizações de índole fascista. Embora tal definição seja de difícil adequação a qualquer grupo que sensatamente acautele a sua existência, esta norma jamais foi cabalmente cumprida, apenas servindo para ciclicamente ameaçar alguns extremistas nas barras dos tribunais, mesmo correndo-se o risco de Portugal poder ser apontado como um país onde de facto existem presos políticos.
Alberto João Jardim encontrou uma infalível forma de ser ouvido. Com uma simples frase, parece ter aderido ao necessário debate - que um muito amplo sector simpatizante da instauração da Monarquia iniciou - para uma profunda revisão de uma Constituição que poderá continuar a sua histórica existência, mas adaptada a uma realidade nacional que há muito ultrapassou velhos dogmas, preconceitos ou programas de outros tempos.
Esquecendo-se a pitoresca proibição comuno-fascista, muito mais humilhante, abusiva e perniciosa é a imposição da forma de representação "republicana" do Estado, sem que o próprio conceito de república seja perfeitamente compreendido por um povo que desde a Fundação da nacionalidade, jamais deixou de viver numa verdadeira República. O atraso económico e educacional, o abismo de desigualdade que fatalmente minará o regime e os perigos decorrentes da miragem federalista europeia - com fortíssima componente pan-espanhola na Península -, impõem uma séria discussão, sem condições, da viabilidade da mudança do regime.
1 comentário:
Inteiramente de acordo, Nuno.
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