sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O boné da república



Nunca entendi, nem me preocupei em perceber minimamente, as lógicas inerentes aos mercados, investimentos, correcções bolsistas. Jamais dediquei um segundo que fosse, à descodificação para uma plena  percepção, do palavrório adstrito aos negócios, aos sharessubprimesoff-shores, etc. Não me interessam mais que o jogo do pau, a canasta ou o aborrecido golfe, este último aliás, um quase refém dos especialistas da finança e a sua visível adjacente, a politiquisse.

 

Hoje foi um dia em grande, pois fez-se jurisprudência. Pela primeira vez, uma medida governamental levou em menos de vinte minutos, a chancela presidencial. Com o seu mais rasgado e prognático sorriso,  o presidente da "república" fez notar a sua pressa em aquiescer ao diploma-emergência postado pelo governo e com fortes emanações odoríferas de uma AR rendida à evidência do momento.

 

O argumento é conhecido, pois em primeira mão, visará garantir a cobertura dos depósitos de milhões que pouco mais possuem, além dos seus magros salários. Se assim fosse, a medida de resgate não tropeçaria em qualquer tipo de obstáculo, recolhendo a unanimidade dos portugueses. No entanto e dado o já longo historial de tropelias, desfaçatezes, esbulho, tráfico de influências e larvar vigarice que a imprensa tem ingenuamente desmascarado nos últimos anos, o diploma surge desde logo salpicado de suspeita. É que afinal, não serão os contribuintes uma vez mais imolados à conveniência de tapar os buracos-negros de um sistema corrupto, incapaz de gerar verdadeira riqueza e que neste preciso momento ameaça fazer ruir a economia global, abrindo a temível perspectiva de convulsões despoletadoras do totalitarismo? Não estará o dinheiro de quem pouco pode, destinado a salvar a solvência de um bando de vigaristas sem escrúpulos?

 

Não servirão estes biliões para recomeçar todo o ciclo de canalhices, destruição do aparelho produtivo e do ambiente, enriquecimento acelerado e descontrolado de uma meia dúzia de oportunistas, com a consequente extinção da classe média? 

 

O "presidente deles" assinou e fez aquilo que lhe competia. Na esteira do seu antecessor, o sempre solicito ouvidor das embaixadas de banqueiros e de reuniões supra-nacionais em Seteais, garantiu o balãozinho de oxigénio aos seus amigos que passavam até hoje, por um sufoco que todos gostosamente esperávamos com um certo saborzinho de vingança sob a língua.

 

É que para certa gente, deixar o "mercado funcionar", pode ter diversas leituras, consoante a conveniência. Se as empresas fecham e quem nela trabalha há décadas é posta no olho da rua, isto é o "mercado a funcionar". Se uma empresa cheia de vitalidade é alvo de uma OPA hostil e depois desmembrada e destruída, isto chama-se também "mercado a funcionar". Se apartamentos que não valem mais de 50.000€ são vendidos pelo quádruplo do seu valor, escravizando os incautos compradores para o resto das suas vidas, isto será igualmente o "mercado a funcionar".  Se o parque imobiliário histórico está ao abandono e é quotidianamente vítima primeira do camartelo especulativo, lá está o "mercado a funcionar".

 

No momento em que os bancos praticamente faliram pela incompetência, má gestão e porque não dizê-lo?, actividades lesivas do bom nome - que nunca teve - do sector, o mercado não funcionou. Funcionou isso sim, a continuação e insistência no crime. E para isso, lá está quem assine. É a república.


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