sábado, 28 de março de 2009

A república velha - Filipe Anacoreta

Foi hoje publicado o plano das comemorações do Centenário da República. Ali se exibe com vaidade um orçamento de 10 Milhões de Euros, grotescamente abastado para tempos de crise e de desemprego. Vê-se bem que a disciplina orçamental que reivindica moderação nos prémios e nos aumentos salariais não se aplica aos capatazes da ideologia.
De resto, a grandeza da efeméride tem reflexo no tipo de festejo que suscita: a instauração da 1ª República, o pior regime para Portugal destes últimos cem anos - não ignorando o demérito daquele que o antecedeu e já ponderando, apesar de tudo, o tempo de Sócrates - suscita apenas subvenções públicas, apoios estatais e mobiliza os suspeitos do costume. Todas as iniciativas são centralizadas e não têm nada de espontaneidade popular (ao contrário do que, por exemplo, sucede com as comemorações do 25 de Abril).
Aprender com os erros do passado, nada. Desenvolver uma pedagogia diante da irresponsabilidade e cegueira de alguns dos seus mais importantes protagonistas, nada.
Apontar a reconciliação e a mobilização de todos para a afirmação de uma renovada identidade nacional, nada. Nada quanto a estudar o que levou ao aparecimento e à aspiração do Estado Novo e ao facto da recente República (em menos de 16 anos) ter ficado tão rapidamente velha, saturada e nociva.
O primeiro objectivo das comemorações é, pois, «evocar a República e o republicanismo, divulgando os seus ideais cívicos, as suas principais realizações e os seus grandes protagonistas». Não há uma leitura objectiva e factual da história, uma preocupação de compreensão do movimento republicano, integrando-o na Revolução Francesa e nos grandes movimentos ideológicos que massacraram o século XX (nomeadamente comunista, nacional-socialista e fascita). Apenas a divulgação do mito que, pelos vistos, continua a alimentar alguns, teimosamente ignorantes e cegamente confiantes na ideia criada à força da vontade do progresso que tanto nos fez regredir.
O problema não é novo. O doente não sabe o seu remédio, muito menos quando não reconhece a doença. Por isso, lá vamos nós embarcar em mais esta excentricidade que antes de começar já cheira a mofo, sabe mal e não contribuirá em nada para a renovação, cada vez mais urgente, do regime republicano.


Filipe Anacoreta no Cachimbo de Magritte

6 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimos,

Antes de mais quero salutar a criação deste espaço que descobri após alguns momentos de pesquisa sobre esta área que ainda (infelizmente) está tão oculta na sociedade portuguesa. Após este breve elogio, queria apenas deixar um reparo. Este artigo que não deixa de ser uma reflexão honesta(apesar de bastante parcial e pouco fundamentada)sobre esta temática peca pela ausência de uma visão conjuntural do que foi a Primeira República e o seu legado histórico no imaginário português. Além disto, foi lido que um dos objectivos desta plataforma é fazer História. Ao ler este artigo, parece que o autor está a usar a História como juíza de um tempo presente que não pode encarado como um argumento para penalizar o actual momento político. Existe algo de errado no objectivo desta plataforma. De qualquer modo, a Internet é uma das formas mais democráticas de expressão, o que implica por vezes ler certas coisas menos felizes. JT

João Távora disse...

Sr. JT: Agradecendo a sua respeitável opinião, quero só esclarece-lo que o nosso slogan “Queremos fazer história” é uma figura de estilo. Alem disso, se está interessado na nobre disciplina de História, aceda ao nosso sitio www.centenariodarepublica.org cujo link encontra no topo à direita desta página. Cumprimentos,
João Távora

Anónimo disse...

Caro João Távora,


Eu escrevi esta minha opinião na qualidade de licenciado em História pela Universidade de Coimbra. Seja figura de estilo ou não, a História não pode ser tratada como argumento para credibilizar a vossa posição. Cumprimentos, João Tomé

Suão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Suão disse...

Sr. João Tomé, alguém que, daqui a cem anos leia este artigo, chegará à fácil conclusão que "10 Milhões de Euros, grotescamente abastado para tempos de crise" como sendo um facto histórico incontornável, por mais tendencioso que seja.

O que esse alguém irá estranhar é, como terá sido possível um licenciado em História, e logo pela Universidade de Coimbra, a um ano das comemorações de uma data, sobre uma área em que se dizia especialista, pouco ou nada ter feito para "a" desocultar aos olhos da sociedade portuguesa.

Anónimo disse...

Sr. Suão: Numa época em que os nossos olhos são mais seduzidos por uma literatura de fácil apreensão, achará sedutor a publicação de uma literatura científica para alguns "iluminados" a lerem? Muito tenho eu feito para "desocultar" este período, trabalho anónimo mas gratificante. Num período em que todos escrevem sobre História e cada um dá a sua visão dos factos, certamente até o senhor poderá juntar-se a esta minha senda. JT