segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A heróica resistência do bolo-rei


O bolo-rei é, efectivamente, o rei dos bolos. Daí o nome, merecidíssimo. E do maior incómodo, após 5 de Outubro de 1910, quando se tornou politicamente incorrecto. Logo os revolucionários perceberam que era necessário crismá-lo, perdão, registá-lo.
Portugal tinha de ser revolvido e espanejado, desprovido de qualquer alusão à Monarquia deposta. Os pasteleiros temeram pelo negócio. As revoluções podem mudar tudo menos o paladar e a gulodice. Que fazer? Ainda por cima, o bolo-rei era vendido no Dia dos Reis e a tradicional fava garantia o «trono» até ao ano seguinte a quem ela coubesse em sorte.
A maioria dos pasteleiros resolveu que o bolo-rei passaria à clandestinidade. Com um nome falso: "bolo de Natal", "bolo do Ano Novo" e, até, "bolo Nacional".
Assim sobreviveu o bolo-rei, disfarçado - se calhar, sem fava nem brinde -até que o povo, não aguentando mais as saudades,o trouxe de novo para a luz do dia.
Sem, é claro, alguém se lembrar jamais da peregrina ideia de lhe chamar «bolo-Presidente».
P.S. A génese e história do licor acima exposto decorre, toda ela, após 1910.

11 comentários:

Nuno Castelo-Branco disse...

João, por acaso, até houve uma sugestão em chamar-lhe "bolo Arriaga". Essa gente era capaz de tudo.

Francisco RB disse...

Caro amigo se alguém de Cantanhede vê isto, já não pode voltar às gândaras...

João Afonso Machado disse...

Podiam-se ficar por "Bolo Reis" (do Almirante), Nuno, mas nem isso.

Francisco: o produto estava exposto em Valença. Eu até pensei que destinado aos da outra margem...

Francisco RB disse...

Caro amigo João Afonso, bolo "Reis" fica mal. :)
O licor em causa foi criado por um padre da zona de Cantanhede, alegadamente, mas é em 74 que surge, depois teve uns anos sem ser produzido e agora voltou em força!
Tenho até uma garrafa da década de 70 em casa, que nunca foi aberta, e nunca o será.
Quanto à composição não sei se os boatos são verdadeiros, mas de facto é um bom símbolo para a República.

Francisco RB disse...

Site da empresa produtora do "Licor de Merda" (Licor de Leite)
http://licordemerda.no.comunidades.net/

João Afonso Machado disse...

Caro Francisco:
Obrigado pela informação. Ignorava a história e confesso que nunca experimentei o produto. E não se desfaça da garrafa. É sempre um trofeu pré-1974, uma recordação da clandestinidade.

Francisco RB disse...

Caro amigo, olhe que não, a garrafa é pós-25 de Abril, os gandareses são liberais e protectores da sua propriedade.
O primeiro rótulo até referia, tal como ainda hoje: "O "LICOR DE MERDA" é um produto de alta qualidade, cuja fórmula pertenceu no final do século XX ao Frade maluquinho "BASKU GONSALBES."
Sabe que era esse monge alucinado? :)

O Faroleiro disse...

Caro João, talvez seja essa a origem do Bolo Rei Escangalhado, já provou, olhe que é uma delícia, em Esmoriz há uma padaria que os faz, lá pelo Natal ainda lhe ofereço um...

Quanto ao licor em causa, sempre me meteu impressão imaginar de que forma espremiam a dita matéria para dela fazerem licor, depois com os anos lá me explicaram que era tudo brincadeira... A mim ainda faz espécie !

João Afonso Machado disse...

O bolo-rei escangalhado é exelente.
Essa história eu conheço: comprimido, atacado, macerado pela República, resistiu heroicamente, santificou-se, refinou o gosto e dizem até que tem agora propriedades milagreiras. Embora um pouco combalido por todos esses apertos, é claro, ganhou fumos de santidade.

Filipa V. Jardim disse...

Conhecia essa história do bolo Arriaga, que não pegou. Como não pegou a "praça do comércio" em Lisboa.
Mas dos " Arriaga", gente de bem, destaco o velho Arriaga, neto do Presidente,creio. Marcou gerações de crianças, com os bolsos cheios de rebuçados e livrinhos coloridos que ia distribuindo com um sorriso, em manhãs de nevoeiro, recheadas de histórias e de uma paciência infinita.

João Afonso Machado disse...

Filipa:
Dava rebuçados mas não frutas cristalizadas, porque essas só o bolo-rei.