domingo, 10 de outubro de 2010

A monarquia e o futuro do país

No rescaldo das comemorações de 5 de Outubro, João Távora concedeu uma breve entrevista a Henrique Raposo. Algumas breves considerações sobre esta e sobre o crescendo do movimento monárquico no país impõem-se.

Em primeiro lugar, a constatação de que não se podem repetir os erros dos republicanos de 1910. Várias vezes, em diversos debates, tenho alertado para esta mesma situação que o João Távora muito bem assinala: "Concordo que há esse perigo: não nego a evidência de que os grandes males de que Portugal padece são profundos, e estão a montante da forma do regime. Os portugueses continuam viciados no assistencialismo e pouco atreitos a responsabilidades, parecem conformados com um medíocre destino cuja perspetiva não passa do amanhã. Cabe aos monárquicos, dentro das instituições existentes do sistema, estar a favor da mudança e do futuro do país, usando a liberdade que esta república, apesar de tudo, proporciona."

Não é porque se mude o regime, não é apenas porque passemos a ter um Rei como Chefe de Estado, que a situação do país vai melhorar automaticamente. É preciso ter cuidado com esta crença apocalíptica (no sentido de revelação) no progresso automático do país com a mudança de regime. A gestão de expectativas assume-se como uma vertente que os monárquicos necessitam de cuidar, para que não aconteça um fenómeno semelhante ao que aconteceu aos republicanos de 1910, ou seja, para que a teoria e os ideais não sejam, depois, completamente contrariados pela realidade e pela prática. Prometer uma melhoria automática das condições de vida e do desenvolvimento do país, fundada numa crença quanto à mudança de regime é uma utopia. Não acontecerá, e não é justo colocar sobre o futuro Rei esse peso, mas no fim deste texto deixarei mais alguns considerandos sobre isto.

Em segundo lugar, mais uma vez, João Távora assinala o longo trabalho que há a fazer, em termos de comunicação, particularmente pertinente no que concerne a misturar a religião Católica com o regime monárquico, um perigo que urge minorar: "Mas ainda há outro perigo: os monárquicos para quem a Causa não faz sentido sem uma colagem a uma ideologia política, normalmente ultraconservadora e que mistura outras vertentes como a religião e valores existenciais. Isso reduziria o sonho a um nicho de patuscos. São planos que urge separar!"

Já muitas vezes o tenho escrito ou dito mas nunca é demais salientar este ponto. Não é possível nem desejável misturar a religião e a Igreja Católica com a Chefia de Estado monárquica. Ainda que para alguns seja o que faça mais sentido, de um ponto de vista realista, independentemente das crenças de cada um - para mim, as crenças religiosas dizem respeito a cada indivíduo e a mais ninguém, sendo cada um livre de professar o credo que bem entende, mas não de o impôr aos outros por meio do monopólio da força legítima, ou seja, do controlo do aparelho estatal -, não é possível forçar esta combinação. Deitaria tudo por terra ao despertar um forte espírito anti-clerical em muitos sectores da sociedade portuguesa, daí surgindo fraquezas que os anti-monárquicos não hesitariam em explorar propagandísticamente, reeditando aquilo que fizeram no início do séc. XX. Ademais, vendo a questão por outro prisma, duvido que a própria Igreja Católica o deseje. Importa unir os portugueses e se já é difícil fazê-lo em matéria de crenças políticas, muito mais o é no campo das crenças religiosas. Há que haver um sentido prático e eficaz do que deve ser o futuro do país.

Por último, é quanto ao futuro do país que importa tecer algumas considerações. Como referi inicialmente, não é sobre os ombros do futuro Rei que deve repousar este peso, pelo menos na sua totalidade. É a toda a sociedade portuguesa. Tal como SAR D. Duarte no passado, o herdeiro ao trono já está a ser preparado para o assumir, e somos todos nós, portugueses, que temos de pensar no que queremos para o futuro do país. Isto passa, desde logo, por retirar peso ao propalado intuito de remover da Constituição da República Portuguesa (CRP) o limite material à sua revisão constituído pela alínea b) do Art.º 288.º, i.e., a forma de governo republicana. É que, o haver um Presidente da República, não implica necessariamente que haja uma forma republicana de governo, pois que república vem de res publica, que significa coisa ou causa pública. Esta foi teorizada desde os gregos e romanos, como ética a presidir aos actos da governação em qualquer regime. E essa ética, que tem no seu centro a representação dos desígnios do povo e a preocupação com a eficaz e transparente gestão da coisa pública, urge restaurar. Portanto, esta torna-se uma falsa questão, se tivermos em apreço o que recentemente referiu o Professor José Adelino Maltez no seu Facebook: "Ao contrário do que proclamam os monárquicos institucionalizados, sou capaz de demonstrar, pela hermenêutica simples de um aluno de direito constitucional, que a tal alínea b) do 288º não impede a chefia de Estado de caber a rei, que, de acordo com as leis fundamentais, desde 1385, está obrigado a "forma republicana de governo", dado que, no não-absolutismo, o rei reina, o povo é que governa."

Ademais, com a mudança de regime, teria que ser elaborada uma nova constituição. Para muitos, como é o meu caso, a actual CRP tem um cariz demasiado programático e falhas quanto ao desenho do aparelho estatal. Na tradição do constitucionalismo liberal, relembrando, como Sir Karl Popper, que em democracia o que importa não é saber quem manda, mas sim como limitar o poder de quem manda, torna-se urgente centrar o debate na discussão do papel do Estado, do desenho constitucional e das implicações deste, com um sentido prático e realista quanto ao futuro do país.

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