domingo, 11 de janeiro de 2009

Ainda o debate iniciado no Corta-fitas (2)

Finalmente o caríssimo Tiago Moreira Ramalho respondeu ao meu post, cuja demora compreendo pois tomo em apreço as suas imerecidas palavras quanto à minha argumentação, que muito me cumpre agradecer. 

Porque este debate já vai longo e já foram esgrimidos os principais argumentos, e porque detesto repetir-me ou que outros se repitam, como se o número de vezes que um argumento é proferido fosse directamente proporcional à sua validade, vou apenas focar alguns pontos da resposta do Tiago, recorrendo em parte ao que já foi escrito.

 

Em primeiro lugar, assumir uma Teoria como verdade é precisamente o mesmo que todos os defensores da República fazem. Eu sou um relativista, não acredito em valores absolutos e não acredito na existência da "verdade", apesar de continuamente a buscar. 

 

Depois, não é em algumas situações que o Rei pode ter legitimidade legal caro Tiago, é a todo o momento, posto que, novamente, tal como o Miguel Castelo-Branco escreveu:

 

De facto, na constituição histórica como no liberalismo, o Rei é imputável e responsável pelos seus actos, no exercício de funções ou fora delas. Um Rei que não cumpra as suas obrigações ou não se submeta às disposições constitucionais e à herança consuetudinária é substituído através de mecanismos de substituição (vide D. Afonso VI, v. Eduardo VIII). O filho do Rei será Rei se, e apenas se, aceitar a incumbência no respeito pela constituição".

 

Em relação à legitimidade carismática, eu disse que essa está muitas vezes ligada a um elemento transcedente, e tal não é necessariamente religioso, por exemplo Elvis Presley é um líder carismático, Hitler era um líder carismático, porque para Weber esse carisma pode advir de um elemento heróico, religioso ou de características pessoais e excepcionais, quase sobrehumanas. Um Rei pode não ter legitimidade carismática, mas um Presidente desta terceira República não a tem de certeza.

 

Quanto à importância da legitmidade tradicional em termos de representar historicamente a nação que representa, para mim é importante não só na chefia de Estado, mas para que a própria nação tenha noção de onde vem e para onde vai. Porque, novamente, tal como aqui escrevi, invocando Jacques Le Goff e Aimé Césaire, é na memória que cresce a história. E um povo sem memória é um povo sem futuro. 

 

Quanto à República ser mais Democrática do que a Monarquia, não creio que se devam confundir, pois, até como o Tiago refere, uma coisa são as formas de governo e outra coisa são os sistemas. Quem trouxe a Portugal a sua primeira experiência democrática foi a Monarquia no século XIX. A 1.ª República foi tudo menos democrática, até quanto ao único argumento invocado pelos republicanos, a questão das eleições, posto que reduziram o número de eleitores. E a 2.ª República, obviamente, também foi tudo menos democrática, servindo, isso sim, para o que o Nuno aqui escreve, para consolidar o regime republicano. E mesmo que em teoria tal seja possível de argumentar, como o Tiago diz, uma teoria não corresponde necessariamente à verdade, veja-se como foram aplicados os belos ideais comunistas na União Soviética, ou mesmo os ideais maçónicos da ética republicana, cujos autores antes do 5 de Outubro de 1910 se arrogavam de paladinos da moral. Viu-se...

 

Se a teoria fosse verdade, os países mais desenvolvidos e com melhores índices de qualidade da democracia não seriam na sua maioria monarquias...

 

Mais, tal como já escrevi, eu sou um relativista, não acredito em valores absolutos, e como tal, a alegada demonstração de que existem regimes melhores do que outros é por mim recusada. Já o tinha escrito, aqui fica novamente o porquê:

 

Em primeiro lugar, a noção de que não há uma melhor forma de governo, há formas de governo que se adequam às populações, às circunstâncias, à cultura, enfim, às especificidades antropológicas dos indivíduos, comunidades e sociedades. É por isso que agarrar em modelos ocidentais e copiá-los para todo o resto do mundo resulta nas asneiras que tem resultado.

 

Quando se considera algo como "melhor" em relação a outra coisa, estamos a colocar-nos num quadro de valores morais, saindo do plano da análise politológica para entrar no da ideologia. Tal como o Tiago, também eu prezo a liberdade enquanto valor absoluto, ou não seja eu um liberal. Mas isso não quer dizer que os chineses, por exemplo, o prefiram. A forma de governo chinesa é a que melhor se adequa às especificades geográficas e demográficas do país. Aliás, com o problema da lógica relação entre crescimento económico que leva à educação e pensamento, os chineses vão ter graves crises. Os ocidentais é que têm a mania de se arrogar também em paladinos da democracia e liberdade. Nem toda a gente tem que ser como nós queremos só porque achamos algo melhor do que o que eles têm. Infelizmente, na prática a teoria é outra, e em política internacional é precisamente o que acontece. E já agora, o Tiago saberá provavelmente melhor do que eu que os próprios gregos consideravam a Democracia como um mau regime.

 

Em relação à hereditariedade e a igualdade o Tiago diz que a Monarquia torna desigual o acesso ao poder e implicar a existência de uma aristrocracia. Em primeiro lugar, a confusão entre poder e autoridade, novamente recorrendo a Weber. Os Presidentes da República Portuguesa, tal como os Reis das modernas monarquias europeias, não têm poder, têm autoridade. O poder está no executivo e na casa da democracia representativa, o parlamento. De qualquer das formas, essa desigualdade e essa aristocracia já existem na actual república, tal como em qualquer país do mundo, e vão sempre existir, porque é assim que as coisas funcionam. Os ideais são muito bonitos, mas na prática a teoria é outra.

 

Por último, o Tiago pegou exactamente no ponto que eu queria que pegasse, para poder finalmente rematar o meu pensamento sobre o debate Monarquia ou República: a elegibilidade para cargos públicos. Recupero o que o Nuno já aqui escreveu:

 

Quem elege os procuradores, os Supremos, o PGR, o presidente do banco de Portugal, esse mesmo que é de sobremaneira influente na nossa vida privada, decidindo o que nos é ou não economicamente conveniente? Na verdade apenas uma ínfima parte do poder  é electivo e mesmo em certas instituições, não é anormal a sucessão hereditária, ditada pelas conveniências de clube, loja, região ou necessidade de favorecimento pessoal. É a república portuguesa que conhecemos.

 

Se levarmos a questão da eleição ao ponto fundamental que lhe dá razão de existência, teremos então de concluir que as próprias "eleições presidenciais" são nada mais que uma farsa, uma ilusão ou simples jogo de espelhos. Os próprios candidatos jamais têm qualquer hipótese de chegar à fase da campanha - após a recolha e reconhecimento de assinaturas proponentes - se não possuirem a benesse de uma organização partidária e suas lógicas ramificações financeiras no chamado "mundo dos negócios. Manuel Alegre é claramente, um exemplo que evidencia este círculo vicioso, onde a verdade surge transfigurada num basismo absolutamente inexistente e apenas em conformidade com as necessidades mediáticas. É a eleição numa feira de balofas vaidades, excelsas mentiras e  que no final, cai como espada de Dâmocles, sobre a cabeça do pobre contribuinte.

 

O Tiago, como os alegados republicanos que defendem o regime porque está e que serão os primeiros a virar a casaca, na senda da bela tradição política portuguesa, cai naquela abstração típica e que se constitui como o ÚNICO argumento dos republicanos: a possibilidade de qualquer indivíduo poder ser eleito Chefe de Estado. E como todos sabemos, na prática a teoria é outra. 

 

A abstração falaciosa é a de que se supostamente qualquer indivíduo pode ser eleito Chefe de Estado, o regime é mais democrático. Novamente, a democracia é muito mais que votar, já o escrevi aqui. Os ideais republicanos aprisionaram-nos, porque com esta ideia enganam toda uma nação, como se pelo voto se decidisse realmente alguma coisa. O Rei, não vindo do jogo dos partidos, não estando comprometido pelos interesses instalados de que a nação não se consegue ter clara percepção, é precisamente o melhor garante da Democracia.  Mas como os alegados senhores democratas deste país não gostam verdadeiramente da democracia,já que o Rei enquanto representante da nação é o melhor fiscalizador do poder executivo, vamos caminhando nesta pseudo-democracia. É que tal como escreveu o Miguel Castelo-Branco:

 

A monarquia, forma não democrática de escolha e sucessão da chefia do Estado é, assim, o melhor garante da Liberdade colectiva e de uma chefia de Estado independente e imparcial.A monarquia é caução de democracia.

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