Neste ano centenário da república, a ciência histórica académica parece ter estabilizado em volta de uma tese que, afastando-se das interpretações do republicanismo ortodoxo e reconhecendo muitas das falhas do regime inaugurado em 1910, tenta ainda salvaguardar a pureza do ideal republicano, salientando o presumível contraste entre uma doutrina imaculada e o regime que realmente se implantou. A república terá sido, a fazermos fé no que nos dizem catedráticos e investigadores especializados, um ideal que não se cumpriu, um sonho que falhou a sua realização concreta. As grandes figuras do regime transformam-se, nas mãos de biógrafos complacentes, em actores de um grande drama, que começa no vigor dos impulsos generosos e acaba na amargura da desilusão.
Esta forma de apresentar os dados históricos, representa já um assomo de rebeldia, quando comparada com a estrita apologia da primeira república, devotamente praticada pelas gerações de historiadores-militantes (...)
A distinção rigorosa dos dois planos do republicanismo, o da propaganda em que se teriam manifestado todos os sentimentos generosos e o da implantação do regime, em que teriam vindo à superfície todas as incompatibilidades e todas as dissenções, embora revele um meritório esforço de independência frente à tradicional veneração pelos poderes constituídos, deixa ainda de fora a maior parte das explicações possíveis para o carácter bizantino e as insustentáveis contradições da experiência republicana em Portugal. Remetendo as interpretações para o campo do drama pessoal, para a dolorosa consciência do abismo que separa o sonho e a realidade, deixa por explicar como se deu a súbita transformação dos sonhadores em opressores. Para quem leia os nossos académicos, parece que a metamorfose se deu de um dia para o outro, que os idealistas da véspera se tornaram os intriguistas do dia seguinte, que os adeptos do sufrágio universal e da liberdade de imprensa se viram num passe de magia transfigurados nos seus mais convictos inimigos. (...)
Carlos Bobone, na integra aqui
* A não perder este fim-de-semana em Viseu, no Teatro Viriato a grande exposição A REPRESSÃO DA IMPRENSA NA 1ª REPÚBLICA
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