domingo, 28 de março de 2010

Em ano de bicentenário, recordemos as palavras de Herculano




«Olhamos impassivelmente para as doutrinas republicanas, como olhamos para as monárquicas. Não elevamos nenhuma a altura de dogma. Não nos cega o fanatismo, nem perguntamos qual delas tem mais popularidade. É já tempo de examinar friamente, e de discutir com placidez, qual dos dois princípios pode ser mais fecundo para assegurar a liberdade e, depois da liberdade, a ordem e a civilização material destas sociedades da Europa, moralmente velhas e gastas. Persuadidos de que a monarquia, convenientemente modificada na sua acção, resolverá melhor o problema, preferimo-la sem nos irritarmos contra os seus adversários; sem os injuriarmos, sem acusar as suas intenções, recurso covarde de quem desconfia da solidez das próprias doutrinas. A nossos olhos a monarquia existe pelo povo, e para o povo, e não por Deus e para Deus. A existência de um poder público, de um nexo social, é o que se estriba no céu, porque a sociabilidade é uma lei humanitária. A revelação divina confirmou este facto achado também no mundo pela filosofia política. “Por mim”, disse a voz do Senhor, “reinam os reis, e os legisladores promulgam o que é justo”. A sabedoria suprema supôs a autoridade na terra: não curou de que fosse só um que a exercesse, ou que fossem muitos. Aprendamos a tolerância política nas divinas páginas da Bíblia.»

HERCULANO, Alexandre – Opúsculos. Tomo I. Questões públicas: política. Lisboa: Livraria Bertrand, 1983, pp. 267-268

8 comentários:

João Afonso Machado disse...

Em toda a obra de Herculano se percebe um profundo cepticismo em relação à democracia, em contraponto com com a sua idolatria pela Liberdade. Herculano era, um liberal de gema, na tradição de todos os desembarcados no Mindelo.

É possivel trazer mais estudos sobre Herculano, ponto se considere que está no contexto do Centenário. E, quanto a mim, está, na exacta medida em que é importante esclarecer o seu pensamento, obviamente adulterado pela História oficial, que quando se excita faz dele um republicano militante.

Francisco RB disse...

Caro amigo JAM, o AH foi um grande escritor, mas também teve os seus defeitos, não podemos esquecer que é a Herculano que devemos o modelo municipalista liberal, que traiu a tradição portuguesa dos concelhos...

João Afonso Machado disse...

Caro Francisco:

A Rev. administrativa não terá estado mais a cargo do Mouzinho da Silveira?
Sem querer discutir com um entendido, ressalvo a minha opinião que AH teve muito a preocupação de conciliatr o tradicional com o reformismo

Francisco RB disse...

Mas tem haver com o modelo, Herculano e afins pretenderam adoptar o modelo francês, diferente do modelo português inserido numa tradição histórica de autonomia popular.

Filipa V. Jardim disse...

João Afonso,
Sem ser, como muito bem refere um democrata, Herculano conseguiu no entanto ser uma figura algo consensual, mercê da profícua e abrangente obra literária.
Liberalista convicto, foi percurssor do municipalismo.
Foi, além disso um militar de reconhecidos méritos.
Homem multifacetado, de formação clássica, mas aberto às novas correntes científicas, Herculano foi aquilo que se pode chamar um influente do seu tempo.É nesse contexto que pode ser importante a sua referência.
O aproveitamento histórico posterior, isso, já é outra conversa...os factos, falam por si: Foi deputado às cortes e preceptor de D. Pedro V.

Francisco RB disse...

Amiga Filipa,
O problema é que Herculano procurou criar um modelo de municipalismo (inspirado no mucinipium romanum) em oposição aos concelhos tradicionais portugueses, só com os liberais as juntas de paroquia ou freguesia deixaram de ser entes meramente morais, e os concelhos deixaram de ser órgãos de resolução e de amdinsitração de bens comunitários, para serem uma espécie de mini-governo.

João Afonso Machado disse...

Caro Francisco: mas esse «mimi-governo» concelhio é a aversão que AH sentia pelo Estado. E é a base do Regionalismo que hoje anda nas bocas do mundo.

Francisco RB disse...

Tem razão caro amigo, é por essa razão que sou contra a regionalização, repare, Portugal surge como estado em 1143 (mais bula papal, menos bula papal) tem um mesmo povo desde o período romano e suevo, resultado da fusão desses dois povos, logo não faz sentido dividir ume stado pequeno e pouco povoado em 5 mini-estados, até porque (se juntarmos o movimento de união galaico-português) somos apenas 15 milhões de portugueses e apenas 10 milhões acá Minho...