quarta-feira, 24 de março de 2010

Pérola autêntica ou de viveiro?



Sempre que deparo com o nome de Dª Amélia numa montra de livraria, franzo o sobrolho. As más experiências que a minha curiosidade tem sofrido, ditam a desconfiança. É que não existem Corpechots, Rochas Martins e Ruis Ramos ao virar de cada esquina.

Acabei de ver em escaparate nas Amoreiras, o livro Dª Amélia, da autoria de Isabel Stilwell. Apenas folheei as derradeiras e demasiadamente sucintas páginas referentes à passagem da rainha no Portugal de 1945, parecendo corresponderem à verdade histórica, embora Stilwell pudesse ter sido mais rigorosa no epílogo, quando da imponente e multitudinária manifestação de pesar popular no funeral da Grande. Mas a obra não pretende ser uma análise histórica do momento social e político do Portugal da 2ª república.

Há uns anos, um francês dado actualmente à frenética promoção cor de rosa da "senhora" Sarkozy, decidiu dar o gosto ao dedinho na tecla e aventurou-se a uma espécie de "romance estórico" bastante ficcionado. Teve o descaramento de induzir milhares de leitores em erro, pois intitulou o snack de Eu, Amélia, última rainha de Portugal. Um chorrilho de lugares comuns repescados da intriga republicana, a par de inexactidões, desatentas visitas a um Portugal que conhece através de uma ida aos fados de sexta-feira no Bairro Alto e um cocktail na Caras e pouco mais. Arrota as habituais tranches de merlan aux moules, afirma inequivocamente sem provar através da apresentação de um único fac-simile, enreda-se nos rodriguinhos próprios da mesma lenda negra que acompanha todas as rainhas dos últimos dois séculos. O pior de tudo é julgar-se cheio de talento, razão e sageza. Fazendo pela vidinha, não se preocupou minimamente em ler umas linhas, antes de decidir arrastar a memória de D. Carlos pela lama e no tradicional esbracejar chauvinista gaulês, quis apresentar o casal régio como a perfeita dicotomia sobre a Terra, numa total incompreensão pela realidade social subjacente a um contrato matrimonial - que naquele caso até envolveu uma inicialmente forte atracção física -, à postura de Estado que jamais faltou ao casal D. Carlos e a Dª Amélia. Stéphane Bern "bem serviu os republicanos" e divagou, alimentou com gosto a intrigalhada, rebolou-se em frou-frous, chocalhou braceletes e ajeitou rendas, num grotesco amontoado de folhinhas bem próprias da literatura de cordel da Belle Époque, bem na senda do Marquês da Bacalhoa. Enfim, uma pérola falsa, nem sequer digna de produção em cultura de viveiro oriental. Mau serviço fez à História, péssimo serviço póstumo fez à rainha e à sua hoje controversa famille de France. Para cúmulo e em dia de champanhada - o eterno móbil primeiro -, "monárquicos" houve que até lhe fizeram fosquinhas nas costas!
Não arriscaremos muito ao afirmar que a rainha Dª Amélia foi até aos nossos dias e a qualquer patamar atingível, o derradeiro grande vulto da família real Bourbon (Orleães) que outrora reinou em França.

No ano do Centenário do desastre nacional, surge uma obra que a todos chama a atenção para uma personagem rica, multifacetada e inesquecível da História de Portugal. Oxalá Isabel Stilwell lhe faça a devida honra e evite assim, ver catalogado o livro como peça de estante giratória numa loja de revistas de um qualquer aeroporto perto de si. É que a publicação de uma bela fotografia ou a simples menção Dª Amélia numa capa, é um motivo para best-seller e aí estará o potencial perigo. Vamos ler ?

3 comentários:

absolutismo disse...

Bom Post!

João Afonso Machado disse...

Caro Nuno Castelo Branco:

Estou inteiramente consigo neste realce da grande figura naional que foi a Rainha D. Amélia.
Oxalá todos os portugueses tenham oportunidade de conhecer essa grande Senhora e avaliar o sofrimento de ua Mulher e Mãe das vítimas que foram El-Rei e o Principe. Independentemente dos «romances» ficam os factos históricos. Sempre nossa, a Raínha D. Amélia!
Cumprimentos.

Nuno Castelo-Branco disse...

É isso que os incomoda. Ela viu para além dos eu tempo e se o seu trabalho tivesse continuado, Portugal teria antecipado muitos avanços que apenas surgiram mais de meio século após 1910. É por isso que me irrito sempre que leio coisas que só se preocupam com intrigas e aspectos da vida particular. Ridículo!