quinta-feira, 29 de abril de 2010

João Paulo Freire - um jornalista atento


A I República foi uma história de voos curtos e em múltiplas direcções. De espertalhões. E da indiferença da quase totalidade da população. Só assim se percebe porque meia dúzia de fanáticos conseguiram durante 16 anos impor a sua vontade e guerrearem-se entre si na maior impunidade. Até que o descalabro atingiu os portugueses na sua vidinha e a ditatorial República seguinte por cá se deixou ficar durante meio século.
João Paulo Freire (Mário) foi um jornalista dessa época. Eis o seu testemunho (in «O Livro de João Franco Sobre El-Rei D. Carlos» - 1924 - pág. 79):
«Tenho assistido há vinte e dois anos a todas as manifestações e zaragatas que se têm produzido em Lisboa. Com raras excepções, a massa anónima é quase sempre a mesma, com os mesmos excessos e os mesmos entusiasmos. Assisti por exemplo ao enterro de Sidónio Pais. Duzentas mil pessoas acompanharam o féretro. Foi um espectáculo impressionante. Numa das ruas do trajecto uma voz partindo de cima de um telhado deu um viva a Afonso Costa. Foi um momento de pavor. Havia chispas de ódio no olhar da multidão e se o entusiasta que soltou o viva fosse apanhado linchavam-no. Quarenta e oito horas depois a maioria dos manifestantes tinha-se já voltado para o sol nascente! Mas recordo-me que algumas das caras que vi no enterro de Sidónio as tinha visto já nas bárbaras e canibalescas manifestações contra aqueles eclesiásticos que em 1911 desembarcaram, presos, na estação do Rossio e que chegaram ao forte do Alto do Duque com os cabelos e as barbas arrancadas»

6 comentários:

Filip V. Jardim disse...

João Afonso,

Oportuno. Agora que o descalabro, parece estar, cada vez mais, a atingir os portugueses na sua vidinha.Talvez isso contribua para que os portugueses se interroguem sobre uma série de coisas. É muito nossa, essa ideia de que as coisas enquanto vão acontecendo aos outros...mas agora estão a acontecer-nos a nós. Será que vamos reagir? Como é que vamos reagir? A ver vamos...

Anónimo disse...

Claro que o tal só deu vivas ao Costa em cima do telhado. E já com o sol poente.

M. Figueira

O Faroleiro disse...

Casa onde não há pão...

João Afonso Machado disse...

Quando se passa mal reage-se sempre. Com maior ou menor agressividade. Vai haver muita agitação social. E vão aparecer, como sempre, os tais melros que bicaram a cabeça dos jesuitas e anos depois apoiavam o Sidónio...
No 25/A surgiu uma musicata com humor: «Cravo vermelho ao peito/a todos fica bem./Sobretudo dá jeito/ a muitos filhos-da-mãe».
Então, como sempre não faltou quem virasse a casaca e apanhasse os ventos da revolução.

Francisco RB disse...

Caro amigo há 1980 anos, mais coisa menos coisa, também havia tal situação segundo consta da Bíblia aconteceu o mesmo a Jesus.
Em Roma havia o costume de as turbas apoiarem o imperador titular, para, depois de ser deposto, apoiarem o usurpador, foi o que ocorreu a Nero, no ano dos 4 Imperadores, e tantos outros.
A república não é diferente, só mais refinada...

João Afonso Machado disse...

Caro Francisco:
Totalmente de acordo. Eis, portanto, um regime em que ninguém pode confiar em ninguém.