«Dois dias depois de aclamado o Governo Provisório, achando-me ausente de Lisboa, na quinta de uma das minhas filhas, em Linda-a-Pastora, fui distinguido com uma busca policial na casa do meu domicílio na capital. Sob o anúncio formal de que a minha casa seria arrombada, a pessoa depositária da chave abriu obedientemente a casa, acompanhando na sua visita os oito cidadãos encarregados dessa diligência por expressa determinação de S. Ex.ª o Sr. Eusébio Leão, digníssimo governador civil. Eram oito cavalheiros vestidos à paisana e armados de revólver, sob o comando de um bravo e honesto sapateiro, meu conhecido da antiga Rua de S. Roque, hoje do Mundo. Não sei se todos os outros eram igualmente artistas de sapataria (...) todos me deixaram penhoradíssimo pela afabilidade das suas maneiras, pela benigna lhaneza do seu trato. Vindo por ordem do Sr. governador com a missão especial de averiguar se nos meus aposentos havia jesuitas armados e escondidos, S. Ex.ªs teceram tocantes elogios ao estilo da minha mobília, à escolha das minhas obras de arte e à perfeita ordem em que se encontravam as minhas camisas, as minhas gravatas, as minhas luvas, os meus papeis e os meus livros. Mexendo conscienciosamente em tudo não destruiram nem desarrumaram nada».
in Ramalho Ortigão, «Últimas Farpas (1911-1914)», Clássica Editora, pág. 19.
3 comentários:
Eusébio Leão?
Mas esse não era o médico purissimo que só queria lavar os pés aos pobres?
M. Figueira
Fosse o que fosse, tanto era o desnorte que até havia lugar para um Eusébio Leão! Dislates da Capital!
Guim
Não fique por aí: já tinha ouvido falar em alguma Luz de Almeida?
M. Figueira
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