domingo, 2 de maio de 2010

Carta de um republicano desesperado a um monárquico bem-intencionado


«Meu caro Pimenta de Castro. Vejo-me violentado a intervir novamente nesta amaldiçoada barafunda política, em que as paixões sectaristas e a intolerância dos velhos costumes têm envolvido esta nossa querida Pátria. Se não se acode desde já com firmeza e prontidão ao incêndio em que as facções estão ardendo há muito tempo, como desejando reduzir tudo à podridão e à miséria, estamos perdidos. Isto não são frases; é uma inevitável realidade!
Careço de ti e de forma que sem ti poderá caducar para sempre o remédio a dar-se ao grande mal.
Em duas palavras: preciso de um governo extra-partidário, com o acordo, se não de todos os partidos (e talvez se consiga), ao menos por quase unanimidade para atalhar ao antagonismo que pretendem introduzir entre a República e o Exército.
Deste governo serás o presidente e ministro do interior e será ministro dos estrangeiros o Freire de Andrade, ou ouro de igual valor. Os mais serão escolhidos pelos três partidos militantes, conforme ajustassem entre si, quanddo se possa conseguir, com a cláusula expressa de ficar interdito entre eles a politica partidária até às eleições gerais. O teu austero e belo nome servirá para garantir a genuidade do sufrágio, a conciliação e a paz na república e no Exército.
Esta ideia que, há um mês atrás, era repelida pelos políticos militantes, hoje dizem-me, e eu creio, será aceite pela força das circunstâncias.
Eu que ansiava por me ir embora, conservo-me no teu lado até ao fim da chefatura (e que grande sacrifício não faço em ficar?!). É necessário que outro tanto te suceda.
Tem paciência: somos dois velhos que nos vemos obrigados a dar alento aos novos. Por tudo, te peço que neste momento, tão angustioso para mim e tão grave para a Nação, não te esquives; não venhas com evasivas.
Peço-te, em nome da República e da Pátria, que não me abandones. Será curto o nosso cativeiro, e, ao fim dele, seemos compensados com a paz da nossa consciência, por havermos servido de algum bem à Pátira gloriosa onde nascemos.
Belém, 23 de Janeiro de 1915. Manuel de Arriaga».
Desta carta do 1º Presidente da República ao Gen. Pimenta de Castro, seu amigo, surgiria aquilo a que os "democráticos" de Afonso Costa chamaram a "ditadura Pimenta de Castro". E logo a 15 de Maio seguinte, uma sangrenta revolução (200 mortos e 1000 em Lisboa), põe permo ao Governo formado de acordo com os ditâmes de Manuel de Arriaga.
Este é vitíma de uma tentativa de assassinato e salva-o a intervenção do Ministro inglês «não se metam com o Velho», terá dito!), ameaçando com o não reconhecimento da República pela Sociedade das Nações. Ainda assim, é obrigado a resignar ao cargo, e de Arriaga nunca mais a política portuguesa soube nada.
Pimenta de Castro foi preso, na sequência da revolta, e deportado para os Açores.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pronto, Arriaga, estás perdoado.

M. Figueira.

Nuno Castelo-Branco disse...

Lá chegaremos, lá chegaremos...