segunda-feira, 24 de maio de 2010

Um monárquico na Presidência da República


O Almirante João do Canto e Castro. Inquestionávelmente, o Presidente da República mais discreto e menos recordado. Não se percebe porquê: é ponto assente ter feito o impossivel para evitar a guerra civil, conseguiu ser respeitado e admirado por todos, levou tão a sério o juramento prestado, aquando da tomada de posse na Chefia de Estado, que relegou para segundo as suas profundas convicções monárquicas e, servindo a Nação, teve de servir a República.
Pois. Só pode ter sido por esse motivo - o Presidente Canto e Castro era monárquico! E tanto consideração granjeou, no decurso do seu mandato, que falar nele há-de ser complicado para essa tal "Ética republicana".
Fica um pouco da sua história:
Foi um militar brilhante, com uma brilhante folha de serviços, sobretudo em África. Ainda pensou despir a farda, com o advento da República, mas ficou, conquanto sempre muito distante da política. Até 1917, até Sidónio Pais. Empenhado na luta contra a demagogia dos "democráticos", sobraçaria a pasta da Marinha. Depois de muito instado, porque a sua resposta ao convite em causa era sempre: «É-me impossivel aceitar, sr. Presidente. Sou monárquico e, como tal, não posso servir a república em funções de natureza política...».
"Empurrado" para ministro, "empurrado" seria também para a Presidência da República, após o assassinato de Sidónio. Eleito não já por sufrágio directo, mas pelo sistema da Constituição de 1911, com 137 votos (nunca outro Presidente atingiria, antes semelhante score - Arriaga, 121; Teófilo, 98; Bernardino, 134).
O mandato de Canto e Castro durou menos de um ano. Recusou terminantemente continuar na política, endossou o cargo a António José de Almeida e retirou-se para sempre, coberto de prestígio e com a patente honorífica de Almirante.
Mas os meses na chefia do Estado foram para Canto e Castro um verdadeiro tormento: para honrar o juramento de fidelidade à República, como seu Presidente, houve mesmo de combater a Monarquia e os seus amigos monárquicos. Nem em entrevistas admitia depois falar sobre esses tempo.
Quando morreu Canto e Castro, a familia Real portuguesa fez-se representar no seu enterro. A República ainda não a deixava pôr o pé em teritório pátrio.
Leitura que se recomenda - Maurício de Oliveira, «O Drama de Canto e Castro», Editora Marítimo-Comercial, 1944.

3 comentários:

Filipa V. Jardim disse...

João Afonso,

Não é um presidente de quem se fale muito. Talvez tivesse ficado ofuscado pelos acontecimentos anteriores(Sidónio Pais) não será essa a explicação?.
Ou será que é por ter sido monárquico?
Parece que recusou o cargo por diversas vezes, antes de o aceitar, exactamente por ser monárquico.
Depois disso ainda foi governador de Moçambique, tendo também sido Ministro e deputado, além de Almirante.Ou seja:teve lugares de destaque, no seu tempo.
Então porque será que se fala pouco nele...por ter sido presidente por um curto período, não me parece que seja explicação. Há quem o tenha sido por bem menos...

João Afonso Machado disse...

Filipa: Canto e Castro não é falado AGORA. Esta 3ª República, hoje mais do que nunca mostrando a sua faceta maçónica, não pode senão fazer CCastro cair no esquecimento.
Um deputado da Monarquia que nunca aderiu (adesivou) à República, mantendo sempre uma atitude dde defesa dos interesses e do prestígio da Marinha. Depois, e essencialmente: ministro de Sidónio (incómodo) e seu sucessor, eleito pelo Senado com um número record de votos. Um desempenho sério, isento, patriótico.
Sai com a Torre Espada e o respeito de todos. O seu sucessor Antº José de Almeida é seu grande amigo...
Dava-se mal com Bernardino, é certo - mas isso só lhe fica bem.
Ainda por cima católico e muito cioso da sua madrinha: N. S. da Conceição.
Tudo isto deve ser muita areia para Soares, Alegres, Costas e malta afim. Tudo muito contra a Saúde e Fraternidade...

Sabe que um jornalista escreveu nesse propósito? »Portugal é um país de paradoxos: tem um rei republicano no exilio e um presidente monárquico em funções»...

O Faroleiro disse...

Filipa.

O que o João Afonso não diz, é que quem ajudou a "enterrar" Canto e Castro no seu governo de transição foi precisamente o nosso "Quixote de la Mancha", pois claro, Henrique Paiva Couceiro e a sua monarquia do Norte e respectivo reino da traulitânia (isto é mesmo para provocar o homem, hehehehe ).

Canto e Castro assumiu governo após o assassinato de Sidónio Pais, já para não deixar cair o poder nas mãos dos "democráticos" de pêra e bigode; Paiva Couceiro viu nisso uma espécie de sinal de fraqueza e pela 3ª vez investiu, desta feita contra o Sidonismo, e fê-lo contra a vontade de D Manuel (o famoso "go on"), como rescaldo teve uma bandeira azul e branca hasteada no Porto por 30 dias, e deu a estocada final nas pretensões restauracionistas da monarquia portuguesa.

João Afonso.
Este sim, foi um monárquico que serviu o país, o oposto do D Quixote.

Se não aparece a monarquia do Norte, o Sidonismo eventualmente e por falta de opção poderia ter originado a restauração; embora republicanos e maçónicos, os sidonistas eram essencialmente militares, com ligações aos evolucionistas, daí a entrada de António José de Almeida em cena; o PRP não os podia ver, mas com os monárquicos poderia ter havido consenso.
Óbvio que com a monarquia derrotada em Monsanto, Afonso Costa deixou de ter adversários, pior, minou a governação de Antonio José de Almenida e para isso radicalizou o PRP, os efectivos da GNR começaram e estar melhor armados e melhor pagos que o exército, os seus números triplicaram, daí até às "noites sangrentas" foi um passo.

Afonso Costa criou um "monstro" que depois não conseguiu controlar.