sábado, 1 de maio de 2010

Entre o Lirismo e a Ferocidade

Descobri o livro de Fernando Honrado "Os Fuzilados de Outubro de 1921" há 15 anos. Li-o e arrumei-o, até hoje. O capítulo acima referenciado prendeu-me agora a atenção:
«Acontecimentos como os Fuzilamentos de 19 de Outubro de 1921 são previsiveis em sociedades como era a de Lisboa, naquele tempo. O Estado era fraco, os poderes à margem deste eram vários e, naturalmente, sem coordenação. A ânsia do Individualismo tocava a loucura, a Democracia era um valor de que a maior parte não se sabia servir.
Não havia uma Polícia ao serviço da comunidade, verdadeiramente. Aquela sobrepunha, a maior parte das vezes, os seus interesses de qualquer ordem, aos interesses comuns, ao dever de prevenir e reprimir o crime. Foi fácil ir a casa buscar as vítimas e, em seguida, assassiná-las.
(...) a "Noite Sangrenta" foi obra de um grupo de bandidos, marinheiros e praças da Guarda Republicana, ou fazendo-se passar por tal, que resolveram "ir à caça". Todavia, as peças não eram coelhos ou perdizes, mas homens.
Bandidos sim, mas bandidos organizados, com raiz política indiscutivelmente. Organizações deste tipo eram vulgares, e a distinção entre bandidos - chamados criminosos de direito comum - e certos indivíduos chamados políticos, não era nenhuma.
(...)
Mas afinal como foi possivel suceder a Noite Sangrenta? (...) O "Dente de Ouro", Abel Olímpio, o principal "brigadeirista" julgado e condenado duramente, por um Tribunal Militar que tinha por Promotor - seria por acaso? - um homem que foi mais de vinte anos Presidente da República Portuguesa [Marechal Óscar Carmona], devia saber tudo o que era essencial, mas nada disse de importante. Também ele, talvez, tivesse medo que o matassem. Porque não?
Criou-se uma ideia (...) de que Portugal é um País de brandos costumes. Será? Sem falar em Camarate (...) nós temos no "activo" além da Noite Sangrenta, o Regicídio e o assassinato de Sidónio em escassos treze anos. É de admitir que quem tem razão é Oliveira Martins que diz que Portugal tem vivido entre um lirismo bucólico e uma ferocidade africana».

4 comentários:

O Faroleiro disse...

Um dos grandes mistérios deste país à beira mar plantado, quem foi o mandante ?

As vítimas sabemos quem foram, António Granjo, Machado Santos, Carlos da Maia...

Foram os monárquicos depois de frustrada a monarquia do norte ? Foi o Costa numa ofensiva contra os seus adversários do Partido Democrático ?

Todas as vítimas foram opositores da monarquia do norte, todos eram fervorosos republicanos e todos eram fervorosos adversários do Costa !

Há quem diga que até um padre participou na intentona...

O meu amigo fala de camarate, boa comparação ! mais um mistério...

D'EL REY disse...

O assassínio de Sidónio também foi, na altura, atribuído aos monárquicos; eram o bode expiatório ideal. Mas porquê alguns republicanos e não outros? O que me parece é que as vítimas foram eliminados não pelo que representavam para a república mas para a Política. Os responsáveis, como de costume desde há 100 anos, raramente são responsabilizados...

Excelente entrevista com Rui Ramos:
http://www.ionline.pt/conteudo/57896-rui-ramos-se-socrates-ficar-na-historia-tera-ser-pelas-mas-razoes

João Afonso Machado disse...

Caro Amigo:
Eu não falei em Camarate, nem em nada. Quem falou foi quem escreveu. Somente achei que o escritor não dizia disparates. Por isso reproduzi.
Fora isso, as suas interrogações podem-se multiplicar. Acho bem. Descobrir a verdade é apontar bem o futuro.

O Jerónimo disse...

Estranhos brandos costumes. Dois reis envenenados, um morto a tiro, outro uma tentativa de assassínio a tiro, um (ex)regente massacrado às portas de Lisboa, entre outras coisas "menores"...