Depois de todas as crises e perplexidades por que temos passado, não sei que exemplo mais claro poderia ilustrar a tese monárquica, do que o caso de Espanha. Não bastava já a lição de 1976, quando a presença do Rei à frente do Estado — por ser uma presença nacional, vinda do fundo da História para salvar a História — salvou a Espanha de uma nova guerra civil. Não bastava a continuada lição destes cinco anos de metapolítica em que a Realeza tem sido o grande factor de equilíbrio, de unidade e de justiça, no convulso panorama dos interesses, dos direitos e das próprias culturas em conflito. Veio agora a força da Monarquia revelar-se no seu mais claro rosto: apenas uma palavra, como imagem racional da Pátria comum; apenas uma vontade, definida na hora própria como expressão de um querer colectivo paralisado pela surpresa e pelos fantasmas.
Forma política, exactamente por se situar no plano transpolítico em que o Povo é cultura e espírito, a Monarquia pode acompanhar todas as experiências históricas e encaminhar para a liberdade as pessoas e as comunidades.
Quando se diz que D. Juan Carlos salvou a Democracia espanhola (e provavelmente o destino da Espanha) por ser o chefe supremo das forças armadas, é preciso acrescentar e esclarecer que de nada lhe valeria ser, na letra da Constituição, comandante supremo, se essa qualidade lhe não viesse do «ofício» de reinar. Nas horas em que o curso da História está suspenso e tudo é possível, não é bastante nenhuma formalidade — e o supremo comando, em República, não passa de formalidade. Em vão esbracejaria, numa Espanha republicana, o pobre detentor a prazo de uma ficção jurídica. Não é a fórmula que cria a realidade. No plano meramente legal, é a Constituição que faz do Rei comandante supremo das forças armanadas. Mas o que dá profundidade e dimensão histórica à Constituição é, neste ponto, a legitimidade institucional.
Saibamos nós recolher a lição deste exemplo.
Henrique Barrilaro Ruas in Amanhã!, órgão oficial do Partido Popular Monárquico, n.º 5, 1980, p. 1
Contribuição de Vasco Rosa publicada também aqui
9 comentários:
João Távora.
É um tema complexo (no mínimo) aquele que é explorado neste post, muito mais nesta altura em que Baltasar Garzón, o homem que em tempos foi herói por investigar a ETA e agora é maldito por investigar os crimes do Franquismo, anda a contas com a justiça Espanhola, talvez por ter identificado muitas e inconvenientes ligações do Franquismo e seus crimes ao poder actual e a muitos que o exercem.
Eu não vou contestar Juan Carlos, nem vou dizer que é mau ou bom Rei; o preço que a Espanha pagou para não mergulhar numa segunda guerra civil foi elevadíssimo; o "esquecimento" conveniente com que a Espanha se enfrentou a si própria desde 75 é no mínimo chocante e confrangedor; filhos que vêm o assassino dos seus pais a pavonear-se na rua como homem de sucesso, pior, como homem de bem é futuro que não desejaria a Portugal.
Sem querer discutir o mérito da família Real, a qual tomou parte numa situação que alguns chamarão de "a possível", a amnésia da Espanha pós Franquista ainda hoje é um barril de pólvora, em que a história anseia que morram os que ainda se lembram e que se faça de conta que o tabu do Franquismo não passou de um pesadelo.
Caro bicho: pavoneiam-se na rua assassinos dos dois lados da barricada, assim determinou a amnistia de 1978. Manda o bom senso não escarafunchar muito a ferida.
Cumprimentos
Eu até posso aceitar isso meu caro, não é o regime perfeito, talvez seja o regime possível...
A Espanha foi o "ensaio" da 2ª Guerra mundial, fascistas e exército vermelho mediram forças nesse confronto e a batalha do Ebro ficará para a história como uma das mais sangrentas.
Ainda hoje, ao passar pelo Vale dos Caídos me dá um sentimento misto de revolta e de nojo, pelo sangue maldito que conspurca o que deveria ser um lugar sagrado.
Eu sei que foi o Rei que foi chamado para pacificar a era pós Franco, mas o preço a pagar foi altíssimo...
Caro Nuno:
Outra vez em campos opostos.
Entre Franco e os republicanos /ou seja: os comunistas), mil vezes Franco.
A Guerra foi bárbara. Os espanhois são bárbaros. V. se calhar também não gosta de toiros de morte, mas vá lá dizer-lhes isso...
Convirá lembrar dois aspectos: o apito de partida para a Guerra Civil foi o assassinato (por gente da esquerda) de Primo de Rivera. Segundo: não se percebe a movimentação actual para branquear o lado republicano e enfatizar a brutalidade nacionalista.
Estou como o João Távora: de armas nas mãos cometeram ambos os lados as maiores atrocidades. A pacificação de Espanha só pode passar pelo arquivamento desses anos terriveis. Sem balança de pratos a ver quem foi pior do que quem.
Ou então nem o Rei consegue suster o reavivar de velhos ódios.
Da Ega.
O meu amigo não me entendeu ou então fui eu que não me fiz entender.
Como disse acima, a guerra civil de Espanha foi um laboratório para os terrores da grande guerra com Hitler de um lado e Estaline do outro, não me ponha o meu amigo de um dos lados da barricada, pelas almas João da Ega...
Custa-me ver os crimes de guerra apagados ou esquecidos, claro que custa, basta tentar imaginar o cadáver de um avô ou bisavô a apodrecer nas margens do Ebro, ainda hoje à espera de campa, pior, entrar naquela catacumba que é o mausoléu do vale dos caídos e saber que foi construído por prisioneiros escravos para glorificar os crimes de guerra do Franquismo e hoje é lugar de peregrinação, coisa mais profana não pode existir.
Claro que o exército vermelho esteve do outro lado da barricada, aliás, Estaline, em vésperas de namoro com Hitler, abandonou as tropas republicanas em plena batalha e fez pior, fuzilou os refugiados Espanhóis que lutaram a seu lado e procuraram refúgio por detrás da cortina de ferro...
Acho que V. já me conhece o bastante para não me colar ao Estaline, pelas alminhas João da Ega, pelas alminhas...
Caro Nuno:
Claro que não o ligo ao Estaline!
Mas pode ligar-me ao Franco. Simpatizo com a sua causa (não olhando às atrocidades, claro) e ao modo como preparou o futuro de Espanha. Ele foi o Regente!
Meu amigo João da Ega.
Começamos por onde; Primo de Rivera pai, o "joão Franco" de Afonso XIII ?
Com a onda de contestação o que surge, pois claro, a II república de Espanha.
O Rei foi exilado mas sem abdicar do trono, fechou uma porta... abriu um postigo !
Entretanto grandes reformas se deram em Espanha com a nova constituição; foi estabelecido o principio de laicidade do estado, igualdade entre Espanhóis, sufrágio universal a partir dos 23 anos (mulheres incluídas), etc.
Espanha respirava mudança.
Mas entretanto Hitler e o seu NSDAP ganhavam força na penumbra...
Entretanto, com as novas eleições livres os republicanos começam a fragmentar-se, em muito devido a outro movimento de cariz negro que crescia na União Soviética, o comunismo.
A II república de Espanha, se por um lado consegue progressos fantásticos em termos de liberdades, por outro, é "violada" pelas forças do eixo e comunistas, que aproveitaram a abertura do regime para se infiltrarem e ganharem força, rapidamente surgem os libertários comunistas e a falange do lado oposto. No exílio aguardavam os carlistas e os adeptos de Afonso XIII, as duas linhas dinásticas que disputavam a restauração da monarquia em Espanha.
Com tantas divisões no seio político, começam as revoltas que viriam a ditar a guerra civil, Aragão e Catalunha abrem o conflito, minadas pelo anarquismo comunista e assim começa a guerra, republicanos a combater comunistas.
A barbárie comunista toma proporções ciclópticas e a vítima é a Igreja, bispos assassinados, Igrejas pilhadas, enfim, o "doce" dedo de Estaline tocava fundo o conflito da rejuvenescida Espanha.
Como diz o povo "para grandes males, grandes remédios" e eis que entra em cena a falange de Franco, ou em abono da verdade digamos que contra a USSR entram a Itália e a Alemanha, os pronunciamentos militares deram lugar à guerra civil e quem sofreu foi o povo e a república, a verdadeira.
Há que realçar a COBARDIA, em letra grande, das já nossas conhecidas França e Inglaterra que como Pilatos ficaram a ver de fora, facilmente podiam estas duas potências ter acabado com os conflitos à nascença mas não, ninguém se meteu, os resultados são conhecidos :
2ª grande guerra, guerra fria, massacres nazis, massacres comunistas, ainda hoje pagamos a inércia destes dois países sempre "diplomáticos" e hipócritas.
Peço desculpa pelo radicalismo que não faz o meu feitio mas é assim que vejo o conflito, Franco e o anarquismo comunista nunca existiram, eram fantoches; combateram com forças que em nada tinha a ver com a Espanha e mataram cerca de 1.000.000 de almas; pior, os vitoriosos falangistas tiveram direito a mausoléu, os cadáveres dos outros apodreceram nas margens do Ebro, muitos republicanos bons.
Tinha 10 anos quando pela primeira vez entrei nas catacumbas do vale dos caídos... Algo maléfico repousa naquele lugar, a grandiosidade da obra é comparável aos crimes da guerra civil que a ergueram, ficarão para a história como malditos, Franco e os anarquistas. Paz à alma dos que tombaram e já que a solução encontrada para impedir mais sangue foi Juan Carlos, pelo menos que sinta o Rei o peso da responsabilidade daquilo que calou, e que mantenha enterrados bem fundo os demónios da guerra.
Caro Nuno:
Não contesto os factos e aceito a análise.
Realço: a violência começou do lado «rojo».
Para o nosso sossego (a que temos direito, também) a vitória de Franco só foi vantajosa. Porquê? Porque um vizinho comunista é sempre incómodo. Fala muito alto e agita muito o prédio. Mas sobretudo: no caso de uma Espanha republicana, não nos tinhamos poupado à II GG. E aí como seria? E de que lado estaríamos?
Talvez nós dois (e esta gente toda à nossa volta) cá não andássemos, porque os nossos pais ou avós morressem na guerra. Já pensou?
João da Ega.
A sua argumentação digamos que é assim... Rebuscada !
Podia também ter acontecido assim :
A Inglaterra e a França tinham intercedido de imediato. O Fascismo na Europa era ainda infante, e o comunismo andava em paragens longínquas.
O conflito durava uns dias e sanava, a república era instituída e serviria de garante à constituição que jurara.
Entretanto, explorando-se os meandros da trama, viriam os aliados a descobrir que contra o que fora tratado no rescaldo da I grande guerra em Versalhes, os alemães se tinham armado de forma maciça, morreria o mal pela raiz.
Os Russos manter-se iam em letargia, até porque nunca lhes interessou entrar em guerra aberta com as potências aliadas, a meio do conflito de 39/45, Estaline roeu a corda a Hitler por vislumbrar a derrota que se avizinhava.
É rebuscada quanto baste a minha teoria caro Da Ega, tal como a sua ! Ainda vamos acabar os dois a escrever livros a fazer concorrência ao Kafka ou ao Orwell !
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