segunda-feira, 31 de maio de 2010

De um combatente monárquico minhoto

Com 24 anos integrou o batalhão civil dos Cadetes d'El-Rei, sendo dos últimos a render-se no Porto. Penou dolorosa reclusão no Aljube e, uma vez liberto, encontramo-lo em Lisboa, onde se solidariza com os monárquicos que participaram na tentativa de Monsanto, muitos dos quais estão ainda sendo julgados. Como se conclui da carta, escrita ao seu Pai (que permanecia no Minho) de onde retiro os seguintes extractos:
«... era julgado e foi condenado à pena máxima um outro rapaz meu condiscípulo do Colégio Militar, outro amigo meu, também oficial de Cavalaria, e tão bom que apesar de ser ainda apenas alferes, era ele o comandante do célebre esquadrão de Cavalaria 7, ao princípio comandado por Teófilo Duarte [tenente, delfim de Sidónio Pais que ao seu comando ficou a dever o triunfo militar] e que era a guarda pretoriana de Sidónio, o seu esquadrão de elite. Este rapaz foi de uma dignidade e altivez rara e assombrosa. Perguntando-lhe o general presidente do Tribunal se tinha alguma coisa a alegar em sua defesa, respondeu que de nada tinha que se defender, que confirmava a veracidade das acusações, tomando a responsabilidade de tudo (..). Levou o seu desprezo por toda esta tropa reles, ao ponto de nem advogado escolher (...). Faz-me o maior nojo e repugnância o vêr esse tribunal de pseudo-oficiais, alguns tendo o descaro de ostentar ainda no peito condecorações que receberam das instituições que miserávelmente trairam. Fez-me nojo a pretensão desses pulhas e toda a hipocrisia de aquilo tudo, a que dão um aparato que se vê ser falso (...). A fingida seriedade desses cabides que apesar de toda a sua pretensão e importância com que se atrevem a ditar sentenças, não conseguem desfazer no nosso espírito a infâmia daquilo tudo e o conhecimento de que esses tipos, a começar pelo general vistosamente aparelhado, se sujam de medo perante qualquer cabo ou corneteiro que democraticamente se lhes dirige, causa arrepios de asco...».
Fonte: Arquivo particular no Minho.

10 comentários:

O Faroleiro disse...

E lá voltamos nós à monarquia do norte...

Um dia, o meu amigo ainda me há-de explicar o fascínio que tem por este acto efémero e "tresloucado" qe foi a monarquia do norte.

Você fala de Teófilo Duarte, o homem que a determinada altura criou uma "3ª facção" no conflito nem optando pelo lado monárquico nem republicano... Foi negociar a Lisboa e foi preso e com isso os republicanos tiveram o caminho aberto pelas Beiras na sua marcha contra o Porto.

A "traulitânia" "matou" a restauração, a determinada altura foi a própria guarda real, ex GNR por 25 dias, que teve de fazer queixa ao estrangeiro pelos "abusos" do Edem ao som do piano, segundo consta...

Pela insurreição ninguém se meteu, nem Canto e Castro, nem Inglaterra, nem Espanha, nem D Carlos, o próprio Aires de Ornelas tanto hesitou que perdeu o conflito de Monsanto, a polícia virou-se contra o que se estava a tornar numa monarquia à moda da 1ª república à bastonada, aquilo implodiu pelos seus próprios meios, o próprio Couceiro andava pelos lados do Vouga quando os republicanos entraram no Porto...

Eu compreendo a heroicidade dos homens a cavalo que lutam pela sua causa mas aquilo foi uma confusão tamanha, você costuma dizer que não se disparou um tiro no pronunciamento... Mas muitos houveram que provaram o "doce sabor" do bastão e do cavalo marinho, alguns morreram dizem os relatos...

Uma coisa é certa, daí para a frente nem monarquia nem sidonismo, tivemos a república das bananas !

Um abraço.

Filipa V. Jardim disse...

Caro Nuno F. Couto,

Desta vez voltamos à monarquia do norte, mas com uns peixes estranhissimos. Não me diga João Afonso que há disso no rio Lima, ou nas praias do norte. É que se há, ficam logo esclarecidos para aí metade dos acontecimentos. Isto a contar muito por baixo, que o "bicho" tem um aspecto te-rrí-vel!(o peixe, claro)

João Afonso Machado disse...

É verdade, meu caro, a MN fascina-me. Nele presencio a fidelidade a um ideal, muito mais do que oportunidade que se perdeu, mas podia ter vingado.
Não foi um acto tresloucado, mas foi precipitado.
Ressalvo a figura do Rei, que era contra o uso da força. Compete ao rei ser assim. A nós não, pelo menos em certos momentos.
Aquele nem provocou sangue. Nem houve Tralitânea nenhuma, a não ser na mentira demagógica. Procure em todos os jornais da época e veja lá se descobre o nome de um morto ou desaparecido. Ou mesmo só espancado.
Então não acha que esse «alguém» se tivesse existido hoje seria um herói/mártir da Republica, com direito a topónimo e tudo.
De Teófilo Duarte o meu amigo diz bem. Era um rapaz a meter um exército todo em respeito. Como vejo que sabe, a coluna do Gen. Abel Hipólito para poder avançar no interior teve de o atraiçoar. O tenente chegava para o general!
Sobre a Guarda Real (ex-GNR. pós-GNR) e o seu papel no içar da bandeira republicana leia o que há sobre os caps. Sarmento Pimentel e Jaime N. Silva. Foi uma vergonha - porque em 19JAN eram os mais entusiastas e em 13FEV os mais entusiastas também - mas já do lado oposto. E lá subiram a bandeirinha.
Havia cá no Porto um jornal chamado MN, que eu coordenava. e diziam-me isso - para mudar o nome, que era perdedor. Nunca o mudei - não era de perdedores, era de fieis.

Um abraço

João Afonso Machado disse...

Filipa:
Não são peixes. são anfíbios. Uma espécie de tritões/salamandras, mas maiores. E cegos, porque vivem em águas subterrãneas (grutas).
Foi o que se arranjou,à falta do necessário camaleão.

O Faroleiro disse...

Ora pois bem, da obra de Helena Moreira da Silva - Monarquia do Norte 1919 da colecção "guerras e campanhas militares" da Academia Portuguesa de História :

"O efémero "reino da traulitânia". Assim conhecida a monarquia do norte, em alusão à morte, ao roubo, ao latrocínio, ao saque, à violação, aos maus tratos infligidos aos presos políticos, às perseguições movidas aos republicanos ou tidos como tal."

"A própria junta governativa do Reino de Portugal, ao publicar no jornal A Pátria do dia 19 de Janeiro desse ano algumas das suas primeiras disposições, marca desde logo a sua determinação em se fazer impor, mesmo que para tal seja necessário empregar a força. Exemplo disso são os números 3º e 5º dessa ordem, ambos afixados em edital : "Serão considerados rebeldes e ficarão sujeitos às sanções e penas correspondentes nos termos do Código de Justiça Militar, em processo sumário, todos aqueles que por qualquer maneira contrariarem a execução da presente ordem, destruírem linhas férreas ou telefónicas ou por qualquer forma se manifestarem hostis ao regime monárquico que nesta data se restaura em Portugal"; "Consideram-se mobilizados e sujeitos à jurisdição militar e respectivo Código todos os empregados dos correios e telégrafos e pessoal ferroviário. A autoridade procederá na repressão de hostilidades, ou recusa de serviço, por meios sumários, fazendo-se obedecer com o emprego da violência até aos seus extremos se tanto for necessário e na medida do necessário." "

O Faroleiro disse...

Cont.

Da mesma obra, agora os relatos (fontes republicanas para abono da verdade e devido rigor histórico):

"Hermano Neves : "sempre pensei que houvesse exagero nos boatos que em Lisboa corriam acerca da ferocidade monárquica do Porto. Dizia-se que fora fuzilado Norberto Guimarães, e ainda há pouco acabo de estreitar nos meus braços o valente oficial, anunciava-se a morte bárbara do Dr. Pereira Osório e ainda esta manhã lhe apertei a mão. Uma coisa há, contudo, em que não houve a mais leve sombra de exagero: as atrocidades do célebre grupo dos "trauliteiros", horrível mancha sangrenta que para todo o sempre endoa a causa do ex-rei D Manuel e cobre de lama Paiva Couceiro e seus sequazes - Publicado n'A Capital 18 Fev. 1919"

Relato do Éden : " Dos camarotes eram obrigados a assistir os outros presos, para que a tortura moral precedesse a tortura física. Os pacientes introduziram-se na plateia um por um, nus da cintura para cima. Logo a corja dos assassinos brandia os bengalões, e das carnes golpeadas jorrava o sangue que escorria depois do declive do pavimento, a sumir-se nas profundezas lúgrebes do palco, sobre o qual, absolutamente nas trevas, outros desgraçados esperavam que chegasse a sua hora e martírio.
Para que nas imediações ninguém se comovesse com os uivos de dor arrancados às vítimas desse processo infame, um piano tocava durante as sessões de tortura e, se os gritos eram mais penetrantes, chocalhavam junto do preso velhas latas de gasolina. Ebidem, diziam que a "pianista" era uma realista chamada Esmeralda Vilar, Rocha Martins defende que é mentira pois a senhora nem tocar piano sabia"

"Presos militares, oficiais e sargentos, andam misturados com presos de crime comum. Uma cama de pau de seis homens tem de comportar 30. Esperam a vez para descansar. Chove dentro. A comida não tem descrição. Os feridos são metade dos presos. Ninguém trata deles. No Éden arrancaram unhas a vários prisioneiros; barba, pelo por pelo a outros. A Manhã - 18 de Fev. 1919"

"Dois alferes da Guarda Republicana foram presos por serem dedicados republicanos.[...] foram ligados com arame farpado, em volta do peito, o qual ia sendo cada vez mais apertado por meio de um alicate, o que lhes ocasionou a morte, verificando-se na autópsia que um deles apresentava o coração ferido pelas pontas do arame farpado, em virtude da pressão, de cada vez maior, do arame sobre a carne. Este facto teve lugar às 16 horas do dia 4 do corrente, dentro do jardim da Cordoaria onde não era permitida a entrada senão a um certo número de pessoas ali em serviço. Quando sabiam que em determinada casa era içada a bandeira da República, faziam o bombardeamento dessa casa; assim sucedeu com a casa da família do interrogado, de que resultou faleceram um irmão, 2 tios e 2 sobrinhos do interrogado. Arquivo Histórico Militar, Lisboa, 1ª Divisão, 37ª secção, caixa 39, nº 10 interrogatório de 13 de Fevereiro 1919"

E relatos são muitos mais, os suficientes, pelo menos para mim, para ter noção que a "traulitânia" realmente existiu, com exageros aqui e acolá como é de imaginar, algum tendencialismo e excesso de drama nos relatos, mas que não foi inocente não foi, aliás, basta ver os envolvidos; Paiva Couceiro, Sollari Alegro e José Baldaque Guimarães, este último com responsabilidade directa nos factos.

Por alguma razão, D Manuel se opunha veemente a esta monarquia mais radical pois já imaginava o que por aí vinha...

O Faroleiro disse...

Filipa.

O "bicho" é uma salamandra conhecida por Axolotl, existe no México. O preclaro Dr. já teve a amabilidade de explicar, aproveito para exclamar que uma criatura cega e subreptícia é o ícone perfeito para explicar a natureza de alguns dos envolvidos neste golpe de 1919, tão cegos que deitaram tudo a perder...

Lá para as terras do João Afonso existe outro peixe mais interessante que é a lampreia, que pela sua natureza necrófaga podia bem representar o que se seguiu ao famoso pronunciamento militar de 1919, desta feita os "maus" já eram republicanos.

E é assim, em jeito de fábula que lá vamos contando e discutindo a nossa história; nos tempos modernos já outras espécies encontraram o seu protagonismo, os camelos, os jumentos, as hienas, os abutres... Enfim, digamos que é um país muito "Nacional Geografic"

João Afonso Machado disse...

Caro Nuno:
Sobre a historiadora que refere, veja, sff, um post meu de 1.Abr.10 referente à sua obra sobre a MN publicada numa colecção da Academia de História.
Quanto a notícias de jornais, acredite, se quiser... em todas ou nas que achar idóneas. Cá para mim, notícias pós 13.Fev.919 em jornais republicanos não valem.
Se ler o «Para a História da MN» de J.L.Sollari Allegro, verá que foram julgadas mais de 100 pessoas, membros do Copro de Voluntários de Segurança Pública (sediado no Eden). Não houve prova das tais atrocidades! Apenas foram condenados por tentarem derrubar o regime republicano e por pertencerem a uma «associação de malfeitores» - insisto, sem que ficasse prova de quais as malfeitorias praticadas! Isto são factos.
Ainda quanto à legislação que refer - isso é o normal, sobretudo no domínio da legislação militar em tempos de beligerância. Ou já me viu aqui criticar a República por prender quem (republicano ou monárquico) participasse em golpes militares?
Critico o regime, mas conheço as regras do jogo. Quem perde vai para a cadeia. Ainda hoje assim é, mesmo nos paises civilizados.
Aceito essa legislação mesmo na Republica demagógica e tirana. O que não quer dizer que não me solidarize contra os que a tentaram derrubar.

O Faroleiro disse...

Caro João.

Essa foi mesmo à advogado !

O Livrinho, que quase que aposto até veio da "esquina" distingue no tempo esses dois momentos em que a autora entra em contradição, é a própria autora a referir que as fontes são republicanas e é a própria autora que cita Rocha Martins no caso da "tocadora de piano" a que o historiador se refere dizendo que nem tocar piano sabia... Eu próprio o referi na minha tentativa de ser isento !

Mas há que salientar dois factos :

- O seu texto de 1 de Abril é transcrito do capítulo referente à proclamação em si, se por um lado é coerente que o povo tenha dado vivas à monarquia (vivia em miséria até então e tinha acabado de presenciar o assassinato do seu "presidente salvador" ) não será incoerente falar de indiferença de um povo ostracizado pelos políticos desde o tempo da monarquia constitucional e do rotativismo, no fundo o povo não nutria simpatia pelo regime que caía e deixou-se levar na onda, o grosso desta gente nem votar podia...

- O texto em que me baseio vem num sub-capítulo específico da traulitânea "Os excessos dos trauliteiros" pag. 54, onde é relatado digamos que "o dia seguinte" à entrada em fausto de Paiva Couceiro e das tropas da Galiza.

As fontes estão bem documentadas, a autora não nega a sua proveniência, pode o livro não ser uma obra prima da história de Portugal, aliás, é um resumo dos factos sintetizado e com omissões mas tenta contar a história que está documentada nesse tempo.

Obviamente que o grosso tem origem republicana pois como o meu amigo diz e bem, foram eles que ganharam, agora também não acho que a senhora seja assim tão incongruente.

Há que ler o livro todo, bocados de citações encadeadas umas nas outras de forma digamos que hábil, podem induzir o leitor em erro.

Eu reitero o que disse, se tirarmos a literacia dramática dos relatos, uma pitada de exagero, e se evitarmos ver heróis ou vilões na história, até o meu amigo terá dificuldade em afirmar que a "traulitânia" não existiu, até porque foi a Guarda Real que dela se queixou a nível internacional, a França interveio e a "traulitânia" desse dia em diante acabou !

Como pode acabar uma coisa não começou ?

Um abraço.

O Faroleiro disse...

PS: vou procurar o livro de que fala, aliás, escrito por um Sollari Alegro claramente que contará o outro lado da história.

Se as fontes republicanas não são de fiar meu caro, essa não lhes ficará muito atrás, digo eu !