quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ramalho - de monóculo atento na República (IV)



«A República principiou energicamente por condenar igrejas, conventos, hospitais, asilos, colégios, bibliotecas, escolas e associações de beneficiência, como, por exemplo, a das Cozinhas Económicas que em 17 anos dispendeu na sua obra mais de 1.100 contos de reis; como a das Damas da Caridade, as quais no último ano da sua gerência (...) visitaram no seu domicílio em Lisboa 4327 doentes, pelos quais foram distribuidos 16.408$865 reis; como a da Irmandade das Senhoras Viúvas, presidida pela Rainha a Senhora D. Maria Pia, distribuindo em esmolas nas suas visitas às casas e às enfermarias cerca de 2 contos de reis por ano; como (...) a das Irmãzinhas dos Pobres, as quais, com o exclusivo produto de esmolas, edificaram um vasto palácio em que mantinham confortávelmente e carinhosamente, sem subsídio algum do tesouro, 300 velhos inválidos.

Para compensar tão enormes desfalques no ensino e na assistência pública, ceiou-se uma instituição nova, o Museu Republicano, estabelecido no extinto Colégio do Quelhas. Nesta casa, primeira e por enquanto creio que única fundação pedagógica do novo regime, existe, segundo detalhados documentos fotográficos, publicados pela Ilustração Portuguesa, a famosa sala apologética do regicídio. Nela figura com os retratos dos regicidas e versetos dos Lusíadas dedicados ao culto dos heróis e inscritos nas paredes, um trofeu central composto de um pedestal coberto de veludo, sobre o qual, ao lado de um busto da República, de uma coroa de flores e de uma longa palma, a palma dos mártires, se vê o gabão e o chapeu do Buiça e a clavina com que foi assassinado no dia 1 de Fevereiro de 1908, aos 19 anos de idade, num landau descoberto, em frente de seus pais, o inocente e imaculado príncipe D. Luis Filipe de Bragança. Junto da clavina de Buiça vê-se também o revolver de que se serviu Costa para matar, à queima-roupa, com um tiro na nuca, o rei D. Carlos

O museu inaugurou-se solenemente com um almoço a que assistiram todos os membros do Governo (...)

O mesmo número da Ilustração Portuguesa, consagrado à inauguração do museu da República, dá-nos ainda em sucessivas fotografias o aspecto de diversos trâmites da fabricação de bombas explosivas. Informa o interessante magazine que em Lisboa se fabricam por centenas bombas de caracter mercenário. Parece ser apenas um passatempo de delicados amadores».

in Ramalho Ortigão, «Últimas Farpas», (1911-1914), Clásica Editora, pág. 37.

3 comentários:

Anónimo disse...

O que terá sido a ementa desse almoço? Cabidela? Sarrabulho?
Ou outro prato também com sangue e vinagre?

M. Figueira.

Nuno Castelo-Branco disse...

E ainda diz essa ESCÓRIA da Comissão Oficial - um bando de parasitas - que a república nada teve "que ver" com certas coisas. Pois não...

Muito a propósito, o Quelhas foi assaltado logo depois do Desastre de 1910, vendo boa parte do seu património - entre ele inúmeros livros antigos - queimado em plena rua

Lurdes Gonçalves Pereira disse...

Bom, se me faltasse ainda razões para ser monárquica, este texto de Ramalho certamente acabaria por me convencer.
De facto, de um regime q tem como base de implantação um frio e cobarde assassinato e q depois dos criminosos faz tamanha elevação a ponto de os tornar mártires, que ilações a tirar?....
Meu Deus, fiquei horrorizada, desconhecia a existência desta sala e muito menos desse fausto repasto para celebrar ( pouco li de Ramalho ). Mas deixem, estará Deus para julgar esta canalha, e esses "mártires", como cada um de nós fará à sua vez, já prestaram contas dos seus actos vis.