«A República principiou energicamente por condenar igrejas, conventos, hospitais, asilos, colégios, bibliotecas, escolas e associações de beneficiência, como, por exemplo, a das Cozinhas Económicas que em 17 anos dispendeu na sua obra mais de 1.100 contos de reis; como a das Damas da Caridade, as quais no último ano da sua gerência (...) visitaram no seu domicílio em Lisboa 4327 doentes, pelos quais foram distribuidos 16.408$865 reis; como a da Irmandade das Senhoras Viúvas, presidida pela Rainha a Senhora D. Maria Pia, distribuindo em esmolas nas suas visitas às casas e às enfermarias cerca de 2 contos de reis por ano; como (...) a das Irmãzinhas dos Pobres, as quais, com o exclusivo produto de esmolas, edificaram um vasto palácio em que mantinham confortávelmente e carinhosamente, sem subsídio algum do tesouro, 300 velhos inválidos.
Para compensar tão enormes desfalques no ensino e na assistência pública, ceiou-se uma instituição nova, o Museu Republicano, estabelecido no extinto Colégio do Quelhas. Nesta casa, primeira e por enquanto creio que única fundação pedagógica do novo regime, existe, segundo detalhados documentos fotográficos, publicados pela Ilustração Portuguesa, a famosa sala apologética do regicídio. Nela figura com os retratos dos regicidas e versetos dos Lusíadas dedicados ao culto dos heróis e inscritos nas paredes, um trofeu central composto de um pedestal coberto de veludo, sobre o qual, ao lado de um busto da República, de uma coroa de flores e de uma longa palma, a palma dos mártires, se vê o gabão e o chapeu do Buiça e a clavina com que foi assassinado no dia 1 de Fevereiro de 1908, aos 19 anos de idade, num landau descoberto, em frente de seus pais, o inocente e imaculado príncipe D. Luis Filipe de Bragança. Junto da clavina de Buiça vê-se também o revolver de que se serviu Costa para matar, à queima-roupa, com um tiro na nuca, o rei D. Carlos
O museu inaugurou-se solenemente com um almoço a que assistiram todos os membros do Governo (...)
O mesmo número da Ilustração Portuguesa, consagrado à inauguração do museu da República, dá-nos ainda em sucessivas fotografias o aspecto de diversos trâmites da fabricação de bombas explosivas. Informa o interessante magazine que em Lisboa se fabricam por centenas bombas de caracter mercenário. Parece ser apenas um passatempo de delicados amadores».
in Ramalho Ortigão, «Últimas Farpas», (1911-1914), Clásica Editora, pág. 37.
3 comentários:
O que terá sido a ementa desse almoço? Cabidela? Sarrabulho?
Ou outro prato também com sangue e vinagre?
M. Figueira.
E ainda diz essa ESCÓRIA da Comissão Oficial - um bando de parasitas - que a república nada teve "que ver" com certas coisas. Pois não...
Muito a propósito, o Quelhas foi assaltado logo depois do Desastre de 1910, vendo boa parte do seu património - entre ele inúmeros livros antigos - queimado em plena rua
Bom, se me faltasse ainda razões para ser monárquica, este texto de Ramalho certamente acabaria por me convencer.
De facto, de um regime q tem como base de implantação um frio e cobarde assassinato e q depois dos criminosos faz tamanha elevação a ponto de os tornar mártires, que ilações a tirar?....
Meu Deus, fiquei horrorizada, desconhecia a existência desta sala e muito menos desse fausto repasto para celebrar ( pouco li de Ramalho ). Mas deixem, estará Deus para julgar esta canalha, e esses "mártires", como cada um de nós fará à sua vez, já prestaram contas dos seus actos vis.
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