No tempo da I República, pouca era a aficcion taurina e não havia muitas tias. Não quer isso dizer que a classe política fosse mansa. Uma das suas principais - e temíveis - armas na retórica parlamentar era o batuque:
«A partir de Abril de 1926 (...) rara foi a sessão de Parlamento que não fosse encerrada no meio dos maiores tumultos, entre gritos e insultos, carteiras partidas e sarrafos no ar! Na sessão de 15 deste mês, quando o chefe do Governo, sr. António Maria da Silva, iniciava o seu discurso, a oposição esquedista começou a bater com os tampos das carteiras, conseguindo, com um barulho ensurdecedor, não o deixar falar... Na sessão de 19 do mesmo mês, quando o Ministro dos Estrangeirosia começar um discurso, levantou-se um tal batuque de carteiras que ele teve de desistir... Mas foi na longa sessão de 28, 29 e 30 de Abril que se bateu o record das interrupções provocadas pelo batuque. Nessa sessão os trabalhos foram interrompidos quatro vezes, porque, muitos deputados, armados com sarrafos, batiam estrondosamente nas carteiras quando o Presidente queria proceder a votações ou os membros da Governo tentavam falar.
(...)
Na sessão de 24 de Maio de 1926, o Presidente da Câmara dos Deputados sr. Alfredo Rodrigues Gaspar, sentiu a necessidade de proferir estas palavras:" Devo dizer à Câmara de maneira peremptória que desde que a Câmara me manifeste - não é preciso batuque ou quaisquer manifestações violentas - que eu não satisfaço bem à direcção desta Câmara (,,,) abandonarei, sem mais dificuldades este cargo (...).
(...) no dia 25 de Maio de 1926 (,,) o sr. deputado Pina de Morais, voltado para a Preidência, declarou, decidido, não consentir o seu partido que se entrasse na discussão da ordem do dia, sem estar presente o Governo, pelo que, "com muito desgosto, informo a Mesa que faremos oposição pela forma a que já estamos habituados!". Era o batuque...
Fonte: Costa Brochado, «Para a História de um Regime», Editorial Império, págs. 48.
9 comentários:
E a 26 foi o que se viu...
Exactamente, caro Francisco. O Amigo reparou no pormenor. Aliás, o capitulo acaba assim: o Parlamento ainda abriu em 31 de Maio, mas o Presidente encerrou a sessão porque só estavam 37 deputados. Um deles, Lago Cerqueira ainda disse
«- Viva a República!
Eram 15 horas e 20 minutos.Estava tudo consumado...»
João Afonso,
Sabemos que o hemiciclo tem as suas "mis en scènes", sem as quais, não se teriam escrito muitas das suas páginas. Estou-me a lembrar dos "discursos inflamados" da Natália Correia, por exemplo. Mas a dar estas ideias...veja lá se a moda pega :)
Acho muito mal que se estragassem as carteiras com sarrafos. As carteiras foram pagas pelo povo e os sarrafos servem para acertar na cabeça dos deputados.
M. Figueira
10 h da noite e a pontualidade britânica exige que se encerrem as urnas. O povo espera para fila para cumprir um dever e exercer um direito, mas que importa? De sua Majestade não se ouve nada. "Até no Afeganistão as eleições foram mais democráticas...", disse na televisão uma eleitora britânica para quem quis ouvir. Mas irá sua Majestade ouvir? Afinal a grande monarquia britânica também tem os seus pecados...
Caro Sr. Jerónimo Eleutério:
Nada é perfeito. Mas fique descansado. Entre os pecados da Monarquia britânica não consta dar sarrafadas nos deputados. Até aconteceu o contrário: a Câmara dos Comuns, como sabe, instigada pelo Cromnwel, cortou o pescoço a Carlos I. E - não se precipite - lá repescou depois a Monarquia, creio que sem grande contemplações pelo filho do dito Cromo. Enfim, mas isso é lá com eles e já passou muito tempo.
Aceite os meus cumprimentos
Caro J.A.M.
é como diz: nada é perfeito.
Já quanto a cortar cabeças, parece que os ingleses tinham esse costume desagradável. Já o tio-avó do dito Cromo, 1º Conde de Essex também tinha perdido a sua. Quem sabe se não houve ai um ajustezinho de contas.
O interessante na actualidade vai ser ver a capacidade de renovação da democracia britânica. Acompanhemos os próximos capítulos.
Cordialmente J.E.
Já não há carteiras na AR... (salvo aquelas, bem recheadas, que sobressaiem do caso dos deputados).
Por isso, estes não poderão fazer tantã.
A não ser que se lembrem de mexer nos fios dos microfones: zzzzzbrrrrrzzzzzzuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiii, a dar cabo dos ouvidos de toda a gente. Uma arma muito mais letal do que o tantã e o sarrafo.
Nada de impensável nesta 3ª República.
Esta última nota era para si Filipa. Mas aproveito, já agora para tentar sossegar o prezado Sr. Jerónimo Eleutério: vai ver que lá em Inglaterra tudo correrá bem. À cautela, sempre podemos contratar um seguro para a Raínha ao Sr. Serafim Lampião.
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