«A mesma gente das ruas, tão pacífica nos tempos monárquicos, agora aparece em cena com propósitos de dirigir o Estado e impor à lei da razão a força bruta. Os carbonários mandam em tudo, são árbitros de tudo, nas cores da bandeira, como na escolha dos funcionários e distribuição das recompensas. A gentusa dos bairros foscos que debutou na política por vias de facto anarquistas, atirando bombas, terrorizando pelo assassinato das choças, agora quer fazer parte da polícia cívica (!), para ter a cidade à mercê do seu espírito de vendetta.
Lisboa tem o ar de uma cidade coacta e constrangida, com as casas fechadas, as avenidas desertas, os restaurantes e as grandes lojas às moscas. Pelas ruas, de quando em quando, ajuntamento de plebe arremangada, que parece esperar não sei que Páscoa; ou bichas de gente correndo ao governo civil e aos ministérios, e atroando os ares com berrarias que os jornais chamam pomposamente "manifestações". A tropa sai dos quarteis para fazer apoteoses, como o outro ao Magalhães. Os heróis e os ministros andam pela provincia no record dos vivas e na patuscada dos jantares. A gente retrai-se, a classe preponderante desaparece e some-se; e todos, atónitos, perguntam se é este o quadro do Portugal redimido e aberto à liberdade!»
Fonte:Ernesto Rodrigues, «5 de Outubro - uma reconstituição», Gradiva Publicações, 2010 (1ª ed.), pág. 210.
2 comentários:
Olha-olha... a Lisboa de amanhã!
Eu às vezes mete-me um bocado de medo este pessoal da carbonária, da maçonaria... e outros afins. Esta gente é a preversão em pessoa. Chocante mesmo a sua maneira de entender a realidade social, a vida política, e mais ainda , a religião. Ou melhor, a religiosidade. Falando de coisas de q nada entendem, não têm a mínima vivência. A maior parte são parvos. Mas podem ser perigosos e fatais. Como o foi Buiça e Alfredo da Costa. É a "gentusa dos bairros foscos... " a querer "fazer parte da polícia cívica".
Esta imagem de Lisboa deixa-me apreensiva: será q corresponde assim tanto à realidade? é q eu estou por fora, um pouco afastada do q tem sido o "estado da Nação". É triste isto, e grave.
Mas sinto tantas saudades de Portugal...
Obrigada, Sr. João Afonso, por proporcionar a leitura das palavras de um meu antigo Professor da Faculdade. Fico c a referência desta obra q não conhecia. Ernesto Rodrigues era ( refiro-me àquela época pois espero q esse sr. goze ainda de boa saúde ) um homem simples q almoçava c os alunos na cantina da Faculdade. Simples mas de grande cultura. Tive o prazer de saborear alguns desses momentos descontraídos, sempre em amena e interessante cavaqueira.
Mas ainda a propósito de carbonários gostava de colocar aqui uma questão: estou agora a reler um livro q não abria desde há mais de dez anos, " Diário de D. Manuel - Estudo sobre o Regicídio", de Miguel Sanches de Baêna, e fiquei bem admirada ao constatar algo q já nem me lembrava. É q o apresentador é o tal do avental, um tal de Reis...
Vou reler c mais atenção mas já me dei conta q se tenta ilibar a Maçonaria de alguma responsabilidade em relação ao regicídio.
Cumprimentos
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